RIO – Por onde passou em sua vida profissional, o ex-cobrador de ônibus, ex-policial militar e hoje deputado federal pelo PSL do Rio, Daniel Silveira, de 38 anos, acumulou casos de indisciplina e acusações de descumprimento da lei. Preso por determinação do ministro Alexandre de Moraes após divulgar um vídeo com discurso de ódio e fazer ameças contra os integrantes do Supremo Tribunal Federal, o parlamentar já era alvo de dois inquéritos na Corte, que apuram participação em atos democráticos e disseminação de fake news. Nesta quarta-feira, 17, STF referendou a prisão de Silveira.
O deputado ficou conhecido durante a campanha eleitoral de 2018, quando posou com uma placa quebrada com o nome da vereadora assassinada Marielle Franco. Na ocasião, ele se apresentava como PM e apoiador do então candidato à Presidência Jair Bolsonaro. Em breve passagem pela PM do Rio (entre 2013 e 2018), entretanto, ele acumulou em seu histórico 60 sanções disciplinares, 14 repreensões e duas advertências. Somou ainda 26 dias de prisão e 54 de detenção.
Silveira precisou recorrer à Justiça para ser efetivado na corporação. Isso porque ele era investigado pelo Ministério Público pela apresentação de atestados médicos falsos para faltar ao trabalho de cobrador de ônibus em Petrópolis, antes de decidir ser policial. Para a PM, a conduta, mesmo sem ter resultado em condenação – o caso prescreveu em 2016 –, mostrava que Silveira não tinha o perfil adequado para entrar na corporação. Apesar de ter prestado o concurso de 2010, sua efetivação, após recurso, só ocorreu em 2013.
Em 2018, foi eleito com 31.789 votos, na onda que levou Bolsonaro à Presidência. Antes mesmo de ser diplomado na Câmara, resolveu “inspecionar” o Colégio Estadual Dom Pedro II, e saiu de lá dizendo, sem apresentar provas, que a diretoria havia “entregado as chaves do colégio para vagabundos” em 2016, durante manifestações do movimento estudantil. Afirmou ainda que o colégio “fede a marxismo cultural”. A diretora o processou e o caso também rendeu uma queixa-crime no Supremo.
Mesmo assim, ele não parou de tentar “fiscalizar” unidades de ensino. Em outubro de 2019, tentou entrar numa unidade do Colégio Pedro II, de competência federal, mas foi alvo de protesto dos alunos, que lembraram do episódio envolvendo a placa de Marielle.
Quando duas manifestações – a favor e contra Bolsonaro – dividiam a orla de Copacabana, o deputado postou um vídeo em que afirma haver muitos agentes armados participando do ato, e que torcia para um dos críticos do presidente tomar um tiro “no meio da caixa do peito”. E foi além: disse que ele mesmo gostaria atirar contra um opositor. “Eu tô torcendo para isso. Quem sabe não seja eu o sortudo”, afirmou ele no vídeo. “Vocês que me peguem na rua em um dia muito ruim e eu descarregue minha arma em cima de um filho da puta comunista que tentar me agredir.”
Durante o cumprimento da ordem de prisão, ontem, Silveira se recusou a usar máscara dentro do Instituto Médico Legal (IML) e desacatou uma policial que lhe pediu para cobrir o rosto. “Eu também sou policial, e aí? Sou deputado federal, e aí?”, disse. Ele é contra o uso da máscara de proteção contra o coronavírus. A quem chama de “focinheira ideológica”. A alegação de Silveira – 1,90 metro e professor de muay thai – é a de que sente dor de cabeça porque, segundo ele, a máscara aumenta a quantidade de CO2 no seu sangue.
Relembre algumas das polêmicas envolvendo o deputado Daniel Silveira
Destruição de placa em homenagem a Marielle Franco
Então candidato, o deputado se envolveu em sua primeira polêmica ao posar junto de aliados com uma placa quebrada com o nome de Marielle Franco, ex-vereadora do Rio de Janeiro assassinada, em 2018. Ao lado de Silveira estavam o deputado estadual Rodrigo Amorim (PSL) e o ex-governador do Rio Wilson Witzel (PSC).
Na época, Amorim escreveu uma postagem em suas redes sociais afirmando que, com o candidato a deputado federal Daniel Silveira, quebrou ao meio a placa, colocada em uma das esquinas da Praça Floriano, na Cinelândia, por apoiadores da vereadora. Ele defendeu que houve uma “depredação do patrimônio público” por parte de aliados de Marielle ao “removerem ilegalmente” a placa com o nome original, “colando uma placa fake”. “Cumprindo nosso dever cívico, removemos a depredação e restauramos a placa em homenagem ao grande marechal”. E conclui: “Preparem-se, esquerdopatas: no que depender de nós, seus dias estão contados”.
‘Inspeção’ de colégios
Antes mesmo de ser diplomado deputado, em novembro de 2018, o parlamentar eleito resolveu “inspecionar” o Colégio Estadual Dom Pedro II e, depois, disse que a diretora da unidade havia “entregado as chaves do colégio para vagabundos” em 2016, durante manifestações do movimento estudantil. Não há provas que corroborem a versão dele; Silveira afirmou que o colégio é um lugar que “fede a marxismo cultural”.
A diretora o processou e o caso também rendeu uma queixa-crime no Supremo Tribunal Federal (STF).
Mesmo com o processo, Silveira não parou de tentar “fiscalizar” unidades de ensino. Em outubro de 2019, ele e Amorim almejaram entrar numa unidade do Colégio Pedro II, de competência federal, na zona norte do Rio. Foram alvo de protesto dos alunos, que lembraram do ato envolvendo a placa de Marielle.
Polícia Militar e ameaças de agressões e tiros
Quando duas manifestações - a favor e contra o presidente Jair Bolsonaro - dividiam a orla de Copacabana, o Estadão revelou uma cena preocupante. Silveira fazia uma transmissão ao vivo dos atos e resolveu se aproximar do cordão de isolamento que dividia os dois grupos. Quando pediu a um policial para deixar que ele se aproximasse dos manifestantes pró-democracia e contrários a Bolsonaro, ouviu do PM que ele já havia mandado “queimar aquela bandeira ali”. Em resposta, o deputado assentiu e comemorou a iniciativa.
Silveira foi da Polícia Militar do Rio por cerca de cinco anos, até 2018. Tem bom trânsito no baixo clero da corporação e se orgulha da farda: no Twitter, exibe a sigla PMERJ no nome.
No mesmo dia da manifestação, pouco depois, o deputado postou um vídeo em que afirma que há muitos agentes armados participando de manifestações pró-Bolsonaro. E que torce para um dos críticos do presidente tomar um tiro “no meio da caixa do peito”.
Não parou por aí: disse que ele mesmo gostaria atirar contra um opositor. "Eu tô torcendo para isso. Quem sabe não seja eu o sortudo. Vocês me peguem na rua em um dia muito ruim e eu descarregue minha arma em cima de um filho da puta comunista que tentar me agredir. Vou ter que me defender, não vai ter jeito. E não adianta falar que foi homicídio, foi legítima defesa. Tenham certeza: eu vou me defender."
Apesar do orgulho da farda e da boa relação com o baixo clero da corporação, Silveira teve uma carreira curta e conturbada na PM, com prisões – como ele mesmo falou ao ser preso nesta terça-feira – e processos. Até para entrar na instituição foi complicado: precisou recorrer à Justiça para garantir que poderia ser efetivado após o concurso. Isso porque ele era investigado pelo Ministério Público pela apresentação de atestados médicos falsos para faltar ao trabalho de cobrador de ônibus em Petrópolis, na região serrana do Rio, antes de decidir ser policial.
Para a corporação, a conduta, mesmo sem ter resultado em condenação – o caso foi prescrito em 2016 –, elucidava que Silveira não tinha o perfil adequado para assumir o cargo. Apesar de ter prestado o concurso de 2010, apenas em agosto de 2013 o hoje deputado conseguiu a decisão favorável na Justiça que lhe garantiu o trabalho na PMERJ.
Além da entrada via decisão judicial, Silveira colecionou problemas nos cinco anos em que esteve na polícia fluminense. O site The Intercept Brasil teve acesso a um boletim interno da PM que resume o histórico dele na corporação, da qual foi expulso quando decidiu concorrer a deputado.
“Em virtude de numerosas transgressões disciplinares cometidas ao longo de 2013 e 2017, por atrasos e faltas aos serviços”, diz o documento, “o soldado acumulou em seu histórico 60 sanções disciplinares, 14 repreensões e duas advertências”. Somou ainda 26 dias de prisão e 54 de detenção.
Recusa em usar máscara
Durante o processo de prisão nesta quarta, Silveira protagonizou uma cena que mostra como se deu seu comportamento durante a pandemia. Recusou-se a usar máscara dentro do Instituto Médico Legal (IML) e ainda desacatou uma policial que lhe pediu para vestir a proteção. “Eu também sou policial, e aí? Sou deputado federal, e aí?”, retrucou.
No último ano, ele tem sido um dos bolsonaristas mais ativos na luta contra o meio mais eficaz de proteção contra o coronavírus. Classificando a máscara como uma “focinheira ideológica”, o parlamentar entrou no aeroporto sem usá-la e disse que estava protegido por um artigo da lei que versa sobre pessoas com deficiência, em especial os autistas.
A alegação de Silveira é de que sente dor de cabeça ao usar a máscara, já que ela supostamente aumentaria a quantidade de CO2 no sangue.
Inquérito do STF e operação da PF
Silveira foi o único político com foro no Supremo alvo de uma operação da Polícia Federal em junho do ano passado, quando foram detidos bolsonaristas acusados de participarem de convocações para atos antidemocráticos, que pregavam o fechamento dos Poderes - inquérito tocado pelo ministro Alexandre de Moraes.
Em entrevista ao Estadão, Silveira negou ter envolvimento na organização de protestos pró-governo e disse desconhecer a existência de uma centralização na 'coordenação ou financiamento' de grupos bolsonaristas. O deputado ainda defendeu que o foguetório contra o STF foi "ato religioso".
O procurador-geral da República, Augusto Aras, pediu a abertura de um inquérito para apurar “fatos em tese delituosos envolvendo a organização de atos contra o regime da democracia participativa brasileira”no dia 20 de abril. O pedido do PGR foi acatado por Moraes, sorteado como relator.
O deputado nunca disfarçou alguns de seus pensamentos inconstitucionais. No Twitter, por exemplo, já defendeu várias vezes, desde o início do mandato, o fechamento do STF.