BRASÍLIA - Arthur Lira (Progressistas-AL) aguardava na planície do plenário o anúncio do resultado da disputa que o reelegeu presidente da Câmara, na quarta-feira, dia 1º. Parado de pé no corredor, mais para o lado das poltronas ocupadas pela esquerda, abriu um sorriso e estendeu o braço ao ver o número recorde de 464 votos piscar no painel e ser oficializado. Antes mesmo de ir aos braços de sua tropa fiel, Lira virou-se para apertar a mão de José Guimarães (PT-CE), líder do governo Luiz Inácio Lula da Silva. O gesto simbólico da aliança entre o cacique do Centrão e Lula oculta desconfiança com ele que persiste no Palácio do Planalto.
Lira e Guimarães se cumprimentaram sem se aproximar muito. Apesar do acordo entre Lula e Lira ter sido cumprido até agora, de parte a parte, integrantes da articulação política do petista ainda receiam falar em total confiança no deputado alagoano. Questionado sobre a relação que surgiria após a reeleição do presidente da Câmara, até então aliado do bolsonarismo, o ministro Alexandre Padilha, da Secretaria de Relações Institucionais, respondeu: “Sai uma relação de respeito institucional e um ambiente de diálogo”. E só isso.
Se Padilha evita falar que confia em Lira, também não critica o deputado alagoano, que foi o principal aliado e blindou o ex-presidente Jair Bolsonaro no Congresso Nacional. Lira recebeu o aval de Lula para continuar a comandar a Câmara por causa do receio do petista em sair derrotado se o enfrentasse. O poder havia sido consolidado com a gestão do orçamento secreto criando em consórcio com Bolsonaro. O governo não quer desagradá-lo sem razão, por disputa ideológica.
Nos bastidores do Planalto, não falta quem lembre que Lira pode dar trabalho ao governo Lula na aprovação de pautas do governo, ao criar dificuldades para vender facilidades, como se diz no jargão político. Ou mesmo ser “vingativo”. Lira é egresso da tropa de choque de Eduardo Cunha, o ex-presidente da Câmara que reorganizou o Centrão em 2015, derrotou o palácio e abriu o impeachment da ex-presidente Dilma Rousseff.
O alagoano não esqueceu o fim do seu principal instrumento de poder e deve buscar alternativas discricionárias, segundo fontes envolvidas na articulação política de Lula. A impressão de quem conhece os meandros da Câmara é que Lira não assimilou por completo a derrubada do manejo de verbas bilionárias do orçamento secreto, pelo Supremo Tribunal Federal, em dezembro. Lula respaldou politicamente o fim do mecanismo, revelado pelo Estadão.
O governo tem algumas propostas já declaradas como prioritárias, como a reforma tributária, a nova âncora fiscal e o pacote da democracia. Ao menos a primeira também é prioridade para Lira. Para Padilha, os temas principais do governo não são pautas ideológicas da base.
Nem o governo, nem o Centrão mais íntimo de Lira avaliam que o presidente da Câmara vá liderar a oposição a Lula, como fez Cunha com Dilma. O acordo para a reeleição foi do interesse de ambos. Lula conseguiu ajuda na aprovação da PEC da Transição, antes mesmo de assumir. A emenda liberou R$ 200 bilhões para o governo gastar fora do teto. Lula recebeu 64 votos a favor no Senado, e 331 na Câmara.
Mas o PT não garantiu um segundo espaço na Mesa Diretora, como almejava, e teve de aceitar a 2ª secretaria, de menor relevância, para a deputada Maria do Rosário (RS). Os principais espaços ficaram com aliados do presidente da Câmara. Mesmo sem concorrente para o cargo, Maria do Rosário amargou 138 votos em branco, um sinal de insatisfação, maior votação em branco da noite.
“Tudo na vida vai da forma como se constrói. A desconfiança está equivocada. Lira não enfrentou o governo, não há razão nenhuma para ele ser oposição. O que não quer dizer que não se tenha uma maioria oposicionista no Congresso, isso aí depende de uma série de fatores. A base ainda é frágil”, diz Cunha.
Um aliado do presidente da Câmara, com assento na Mesa Diretora, diz que ele será “cooperativo” e espera reciprocidade. Ou seja, que o governo atenda suas demandas. Sem uma liderança de oposição formadora de opinião e agregadora, há quem veja em Lira a capacidade de operar contra, nos bastidores, se insatisfeito.
A avaliação de ministros petistas de Lula é que a oposição, apesar do respaldo nas urnas, enfraqueceu-se com a saída de Bolsonaro do País e com os atos golpistas de 8 de janeiro.
Ao barrar o líder do União Brasil, Elmar Nascimento (BA), da turma de Lira, no primeiro escalão, o PT acabou por limitar o poder do presidente da Câmara. Outro influente parlamentar do Centrão, o senador Davi Alcolumbre (União-AP), emplacou dois nomes e saiu fortalecido. A composição ministerial desagradou os deputados.
Sem identificar ainda uma liderança de oposição proeminente, a ponto de ameaçar o governo, ministros palacianos veem em Lira essa capacidade de mobilizar votos – a favor e contra. Um ministro egresso da Câmara diz que Lira vai ser o nome forte pois tem característica de organizador, “carrega com ele um grupo”.
Um teste imediato vai se impor agora, na divisão das comissões da Câmara. O PT vai ficar com a CCJ, a mais importante, e opera para que as comissões que vão ficar nas mãos de partidos do Centrão que faziam parte da base de Bolsonaro, PL, Progressistas e Republicanos, ao menos não sejam entregues a parlamentares abertamente bolsonaristas. A preferência do partido é que a relatoria da CMO fique com o União Brasil.
O Planalto trabalha para atrair parte dessas bancadas para a base. Lula havia paralisado o rateio de cargos para ver a postura dos partidos como PL, Progressistas e Republicanos, além do próprio União Brasil, nas votações de interesse do governo.
Em aceno ao grupo, o Planalto diz que, mesmo quem votou contra o candidato de Lula no Senado, o presidente reeleito Rodrigo Pacheco (PSD-MG), não é necessariamente bolsonarista.”Pergunta para eles se quem votou no Marinho quer ser tatuado como bolsonarista, se concordam com os atos terroristas, com Boslonaro ter fugido do País e não entregado a faixa”, diz Padilha, sobre os senadores.
Lira é considerado peça-chave dada a quase unanimidade na votação. Seu partido quer participar do rateio de cargos em segundo e terceiro escalão, que o governo promete começar a destravar. Órgãos como Funasa, Codevasf, Dnocs, FNDE, Sudene, Suframa, Sudeco, entre outros, além de superintendências federais nos Estados, viraram feudos do Centrão e abrigavam parentes e apadrinhados de deputados, com orçamentos bilionários.
Segundo o Planalto, a nomeação política faz parte da montagem de base parlamentar e não tem relação com a reeleição de Lira e Pacheco.
“O governo continua sendo montado, montamos uma frente ampla e vai ampliando cada vez mais. E isso não tem a ver com a eleição na Câmara e no Senado. Vai ter um monte de gente indicada por deputado que vai compor o governo. Mas não tem a ver. Desde o dia 1º de janeiro estamos montando o governo”, disse o ministro Padilha.