Por que a legislação sobre cannabis não avança no Brasil? Como é em outros países


Projeto aprovado em comissão da Câmara está parado há um ano

Por Anita Krepp
Atualização:

O Projeto de Lei 399/2015, que prevê regulamentar os usos medicinal e industrial da cannabis, está parado na Câmara dos Deputados há mais de um ano. Cabe ao presidente da Casa, Arthur Lira (Progressistas-AL), colocá-lo novamente em pauta, após recurso apresentado pelo deputado Diego Garcia (Republicanos-PR), em junho do ano passado, que pede que o projeto seja votado pelo plenário da Câmara, e não siga direto para o Senado. O PL 399 já foi aprovado por comissão especial da Casa.

“Como a gente votou muitas matérias no primeiro semestre e os grupos conservadores se fecharam muito para pautas polêmicas, eu não quis desperdiçar essa matéria”, afirmou Lira, comparando a sensibilidade do projeto à do PL 2630/2020, conhecido como o PL das fake news. “Eu achei que o tema estava maduro, os líderes acenaram para isso, mas, quando foi ao plenário, (o PL 2630) não passou. Por prudência, acho melhor esperar para quando tiver condições”, disse o presidente da Câmara.

Cultivo em Nazaré, Israel; especialistas citam efeitos terapêuticos comprovados Foto: Amir Cohen/Reuters
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Lira vê a possibilidade de pautar o tema para depois das eleições, mas não adiantou datas. Ele prefere não expor sua opinião pessoal sobre a regulamentação da cannabis medicinal. “As pessoas tendem a achar que vou fazer pressão para um lado ou para o outro.”

Segundo o deputado Eduardo Costa (PSD-PR), que, no início do ano, participou de uma reunião com Lira, o presidente da Câmara prometeu discutir a matéria em breve. “Ele chamaria a bancada evangélica, a mais difícil de convencer, e também pautaria um projeto em favor deles.”

Uma vez que Lira paute a discussão na Câmara, há dois cenários possíveis: se o recurso de Garcia for aceito, o texto será levado ao plenário, para análise dos 513 parlamentares. Se for negado, a proposta seguirá para o Senado. A segunda opção é a mais provável, na avaliação do deputado Paulo Teixeira (PT-SP), presidente da Comissão Especial que discutiu os medicamentos formulados com cannabis. “Acredito que o (PL) 399 será aprovado, no mais tardar, ano que vem”, disse Teixeira, que chegou a ser agredido por Garcia em maio do ano passado, durante sessão que discutia o tema. Depois, o deputado do Republicanos se desculpou.

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Embora seja bastante completo em relação aos usos medicinal e industrial da cannabis, o PL 399 não contempla o autocultivo, pilar apontado como fundamental para o barateamento e a popularização do acesso ao medicamento à base de maconha. O cenário pós-eleições é considerado crucial para o avanço, ou não, da cannabis medicinal no País.

“Com Lula ganhando, a gente aprova, sem sombra de dúvidas, e integralmente”, afirmou o relator do projeto, Luciano Ducci (PSB-PR), correligionário do candidato a vice na chapa encabeçada por Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Geraldo Alckmin.

Por outro lado, caso haja um segundo mandato de Jair Bolsonaro (PL), a esperança de famílias pelo acesso popular a medicamentos à base de cannabis será posta à prova. O atual chefe do Executivo já declarou que vetaria o projeto, mesmo que o texto chegasse ao Senado e fosse aprovado na Casa. O presidente da República disse não abrir mão da pauta, cara ao seu núcleo duro de apoiadores. Com o veto, o PL 399 voltaria ao Congresso, em imbróglio praticamente interminável.

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Presidente da Câmara, Arthur Lira vê a possibilidade de retomar a discussão do tema na Casa depois das eleições, mas não adiantou datas Foto: Dida Sampaio/Estadão

Para o advogado Rodrigo Mesquita, um dos especialistas no tema no Brasil, uma opção seria a utilização de outros canais da constitucionalidade, considerando que, em setembro, a ministra Rosa Weber assumirá a presidência do Supremo Tribunal Federal.

“Se houver um novo mandato de Bolsonaro e o PL continuar aprovado na Câmara, abre-se a possibilidade de disputa no STF, com a ministra Rosa Weber pautando o processo”, disse Mesquita, lembrando que, em 2023, aposentam-se a própria Rosa Weber e o ministro Ricardo Lewandowski. “Haveria uma janela de tempo bastante curta para isso.”

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Na antevéspera da votação do relatório do PL 399, em junho de 2021, houve pressão do governo sobre os líderes das bancadas para que trocassem os representantes dos partidos na comissão por nomes que votassem contra a matéria. A manobra conseguiu a substituição de pelo menos três parlamentares, mas não suficiente para a rejeição do projeto, aprovado pelo placar apertado de 18 votos a 17.

“Essa troca é uma violência política fora do padrão, mas permitida no regimento”, disse o deputado Daniel Coelho (Cidadania-PE), que participou das discussões da proposta e foi substituído no dia da votação. Entretanto, tais substituições não foram exatamente fáceis de costurar.

“Mesmo nos partidos de base, foi difícil de convencer. Tem gente que tem vergonha de votar contra a cannabis medicinal, pois sabe que estamos falando de saúde”, afirmou Coelho. “Quem se diz contra é porque está dentro de um contexto de manipulação.”

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O deputado Capitão Augusto (PL-SP), líder da bancada da bala na Câmara, apoiou as trocas dos parlamentares favoráveis à cannabis medicinal. “Aqueles que não queiram votar contra e sejam da base do governo têm que ser trocados mesmo”, declarou o parlamentar. Capitão Augusto se disse favorável ao uso medicinal da substância, mas criticou “a possibilidade de facilitar o uso de drogas”.

Esse é o principal argumento da base governista no Congresso contra o PL 399. Médico e ex-ministro da Cidadania de Bolsonaro, o deputado Osmar Terra (MDB-RS) reconhece as propriedades terapêuticas do CBD e questiona as do THC – ambas as substâncias são extraídas da cannabis. O THC, no entanto, já tem comprovados efeitos terapêuticos para certas patologias. Além disso, há consolidado entendimento científico sobre o “efeito comitiva” – ou entourage –, que trata da potencialização do medicamento full spectrum, que é quando se utilizam diversas das mais de 600 substâncias presentes na planta.

Enquanto a regulamentação federal da cannabis medicinal não sai, Estados e municípios se mobilizam para analisar as demandas localmente. No Distrito Federal, que tem a maior taxa do País de pacientes cadastrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para importação de cannabis medicinal – são 35 autorizações a cada 100 mil habitantes –, há distribuição gratuita de medicamentos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para casos de epilepsia.

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O Projeto de Lei 2899/2022, o mais recente da capital federal, prevê a regulamentação de plantio, armazenamento e transporte da planta para fins medicinais e científicos. De autoria do deputado distrital Leandro Grass (PV-DF) e redigido, em grande parte, pelo advogado Rodrigo Mesquita, o PL foi registrado há pouco mais de um mês. “Foi preciso criar essa lei ante a omissão dolosa da União no dever de regulamentar”, disse Mesquita.

Em São Paulo foi criada, em outubro do ano passado, a primeira Frente Parlamentar em Defesa da Cannabis Medicinal e do Cânhamo Industrial do Brasil, composta por 21 deputados estaduais de 12 partidos de espectros políticos diferentes, como o Novo e o PT.

O deputado estadual Sérgio Victor (Novo-SP), presidente da Frente, disse que, primeiro, se aproximou do tema cannabis com interesse de oportunidades de inovação e investimentos, por meio dos sócios da The Green Hub, aceleradora de startups canábicas. Em seguida, conheceu famílias de pacientes e se aprofundou no assunto, que, segundo ele, é alvo de muita desinformação.

Também em São Paulo tramita o Projeto de Lei 1180/2019, de autoria do deputado estadual Caio França (PSB-SP), que pretende garantir a distribuição gratuita de medicamentos à base de cannabis pelo SUS. De acordo com ele, até agora já foram gastos mais de R$ 39 milhões para esse fim, só que por via judicial.

“Se o Estado já paga e é um medicamento autorizado pela Anvisa, temos que incluir isso no SUS pela forma correta, com concorrência, licitação e mais controle”, argumentou. França esperava a aprovação de seu projeto na última sessão da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo antes do recesso, mas a discussão foi suspensa por um pedido de vistas da deputada Janaina Paschoal (PRTB-SP).

A interrupção frustrou famílias que aguardam a aprovação da proposta para conseguir o tratamento gratuito com cannabis por meio da rede pública de saúde. Janaina disse manter contato com essas famílias, mas afirmou que não está convencida de que a distribuição pelo SUS seja o caminho. “Na hora que tiver autorizado, não vai ter nem o crivo do Judiciário para saber se é um caso grave ou não”, disse a deputado, que defendeu uma discussão aberta e aprofundada.

Janaina afirmou que muitos parlamentares estão a favor e poucos são contra o projeto. No entanto, nem todos os favoráveis falam em público sobre o seu apoio ao tema por medo de perder votos, em ano eleitoral.

Para mapear o posicionamento dos parlamentares sobre o assunto, o canal Informacann, em parceria com a Cannabis&Saúde, revista eletrônica especializada na cobertura do tema, está entrevistando todos os 513 deputados federais. Até agora, a jornalista Manuela Borges, responsável pelo projeto, ouviu 64 deles – apenas quatro responderam ser contra e outros 13 disseram não conhecer o assunto ou que votam de acordo com a orientação do partido. O resultado completo deve ficar pronto até o fim deste mês.

Outro elemento presente no Projeto de Lei 399 é o cânhamo. Ele também será levado para dentro do Congresso. Manuela está preparando uma exposição sobre as mais de 25 mil possibilidades de uso industrial do cânhamo para apresentar ao Parlamento. Segundo a jornalista, a ideia é desmistificar o cânhamo e os usos da substância. “Para os parlamentares, é algo muito abstrato ainda.”

Países têm políticas públicas e expandem ‘mercado canábico’

Nem de esquerda, nem de direita, a cannabis tem sido abraçada por correntes políticas opostas em vários países ao redor do mundo. Entre as nações onde a cannabis já é legalizada em sua totalidade – ou quase – e naquelas onde o processo caminha rapidamente, há o que se pode chamar de consenso da classe política sobre os benefícios da planta nas áreas da saúde e da economia.

Na Colômbia, ambos os candidatos – de direita e de esquerda – que disputaram o segundo turno das eleições, tinham propostas para o avanço da legislação, inclusive do uso adulto da substância.

No país, que elegeu seu primeiro governo de esquerda da história, os mercados medicinal e industrial da cannabis já estavam regulamentados quando Gustavo Petro assumiu a presidência. Seu antecessor, Iván Duque, tinha certa ressalva ao tema no início do mandato, mas se abriu a propostas e se tornou o presidente que mais assinou leis em favor do setor.

O próximo país europeu a abrir mercados canábicos será a Alemanha, com previsões para que isso ocorra no ano que vem. Também por lá, tanto os partidos de direita quanto os de esquerda apresentaram planos de governo que incluíram políticas públicas para a cannabis durante as prévias da última eleição, no fim do ano passado. Países como Malta, Suíça e Luxemburgo têm movimentos políticos para avançar substancialmente no caminho pela regulamentação da cannabis. A Espanha ganhou, há poucos meses, o partido político Luz Verde, pela defesa do tema.

Até na Tailândia, onde o porte, o uso e o comércio de cannabis levavam à prisão e até à pena de morte, a coisa mudou de figura. A planta deixou de ser criminalizada para ser fomentada, inclusive pelo próprio governo, que passou a distribuir mudas de cannabis entre a população, e lançou comunicados oficiais incentivando o cultivo do cânhamo por agricultores do país.

Situação no mundo

Colômbia

Tem os mercados medicinal e industrial da cannabis regulamentados. Ex-presidente Iván Duque foi o que mais assinou leis pró-cannabis.

Alemanha

É o próximo país europeu a abrir mercados canábicos, a partir de 2023. Nas prévias da última eleição, políticas públicas para a cannabis fizeram parte de planos de governo da direita à esquerda.

Malta, Suíça e Luxemburgo

Países caminham para avançar substancialmente na regulamentação de diversos usos da cannabis.

Tailândia

Planta deixou de ser criminalizada para ser fomentada pelo governo, que passou a incentivar o cultivo de cânhamo por agricultores.

O Projeto de Lei 399/2015, que prevê regulamentar os usos medicinal e industrial da cannabis, está parado na Câmara dos Deputados há mais de um ano. Cabe ao presidente da Casa, Arthur Lira (Progressistas-AL), colocá-lo novamente em pauta, após recurso apresentado pelo deputado Diego Garcia (Republicanos-PR), em junho do ano passado, que pede que o projeto seja votado pelo plenário da Câmara, e não siga direto para o Senado. O PL 399 já foi aprovado por comissão especial da Casa.

“Como a gente votou muitas matérias no primeiro semestre e os grupos conservadores se fecharam muito para pautas polêmicas, eu não quis desperdiçar essa matéria”, afirmou Lira, comparando a sensibilidade do projeto à do PL 2630/2020, conhecido como o PL das fake news. “Eu achei que o tema estava maduro, os líderes acenaram para isso, mas, quando foi ao plenário, (o PL 2630) não passou. Por prudência, acho melhor esperar para quando tiver condições”, disse o presidente da Câmara.

Cultivo em Nazaré, Israel; especialistas citam efeitos terapêuticos comprovados Foto: Amir Cohen/Reuters

Lira vê a possibilidade de pautar o tema para depois das eleições, mas não adiantou datas. Ele prefere não expor sua opinião pessoal sobre a regulamentação da cannabis medicinal. “As pessoas tendem a achar que vou fazer pressão para um lado ou para o outro.”

Segundo o deputado Eduardo Costa (PSD-PR), que, no início do ano, participou de uma reunião com Lira, o presidente da Câmara prometeu discutir a matéria em breve. “Ele chamaria a bancada evangélica, a mais difícil de convencer, e também pautaria um projeto em favor deles.”

Uma vez que Lira paute a discussão na Câmara, há dois cenários possíveis: se o recurso de Garcia for aceito, o texto será levado ao plenário, para análise dos 513 parlamentares. Se for negado, a proposta seguirá para o Senado. A segunda opção é a mais provável, na avaliação do deputado Paulo Teixeira (PT-SP), presidente da Comissão Especial que discutiu os medicamentos formulados com cannabis. “Acredito que o (PL) 399 será aprovado, no mais tardar, ano que vem”, disse Teixeira, que chegou a ser agredido por Garcia em maio do ano passado, durante sessão que discutia o tema. Depois, o deputado do Republicanos se desculpou.

Embora seja bastante completo em relação aos usos medicinal e industrial da cannabis, o PL 399 não contempla o autocultivo, pilar apontado como fundamental para o barateamento e a popularização do acesso ao medicamento à base de maconha. O cenário pós-eleições é considerado crucial para o avanço, ou não, da cannabis medicinal no País.

“Com Lula ganhando, a gente aprova, sem sombra de dúvidas, e integralmente”, afirmou o relator do projeto, Luciano Ducci (PSB-PR), correligionário do candidato a vice na chapa encabeçada por Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Geraldo Alckmin.

Por outro lado, caso haja um segundo mandato de Jair Bolsonaro (PL), a esperança de famílias pelo acesso popular a medicamentos à base de cannabis será posta à prova. O atual chefe do Executivo já declarou que vetaria o projeto, mesmo que o texto chegasse ao Senado e fosse aprovado na Casa. O presidente da República disse não abrir mão da pauta, cara ao seu núcleo duro de apoiadores. Com o veto, o PL 399 voltaria ao Congresso, em imbróglio praticamente interminável.

Presidente da Câmara, Arthur Lira vê a possibilidade de retomar a discussão do tema na Casa depois das eleições, mas não adiantou datas Foto: Dida Sampaio/Estadão

Para o advogado Rodrigo Mesquita, um dos especialistas no tema no Brasil, uma opção seria a utilização de outros canais da constitucionalidade, considerando que, em setembro, a ministra Rosa Weber assumirá a presidência do Supremo Tribunal Federal.

“Se houver um novo mandato de Bolsonaro e o PL continuar aprovado na Câmara, abre-se a possibilidade de disputa no STF, com a ministra Rosa Weber pautando o processo”, disse Mesquita, lembrando que, em 2023, aposentam-se a própria Rosa Weber e o ministro Ricardo Lewandowski. “Haveria uma janela de tempo bastante curta para isso.”

Na antevéspera da votação do relatório do PL 399, em junho de 2021, houve pressão do governo sobre os líderes das bancadas para que trocassem os representantes dos partidos na comissão por nomes que votassem contra a matéria. A manobra conseguiu a substituição de pelo menos três parlamentares, mas não suficiente para a rejeição do projeto, aprovado pelo placar apertado de 18 votos a 17.

“Essa troca é uma violência política fora do padrão, mas permitida no regimento”, disse o deputado Daniel Coelho (Cidadania-PE), que participou das discussões da proposta e foi substituído no dia da votação. Entretanto, tais substituições não foram exatamente fáceis de costurar.

“Mesmo nos partidos de base, foi difícil de convencer. Tem gente que tem vergonha de votar contra a cannabis medicinal, pois sabe que estamos falando de saúde”, afirmou Coelho. “Quem se diz contra é porque está dentro de um contexto de manipulação.”

O deputado Capitão Augusto (PL-SP), líder da bancada da bala na Câmara, apoiou as trocas dos parlamentares favoráveis à cannabis medicinal. “Aqueles que não queiram votar contra e sejam da base do governo têm que ser trocados mesmo”, declarou o parlamentar. Capitão Augusto se disse favorável ao uso medicinal da substância, mas criticou “a possibilidade de facilitar o uso de drogas”.

Esse é o principal argumento da base governista no Congresso contra o PL 399. Médico e ex-ministro da Cidadania de Bolsonaro, o deputado Osmar Terra (MDB-RS) reconhece as propriedades terapêuticas do CBD e questiona as do THC – ambas as substâncias são extraídas da cannabis. O THC, no entanto, já tem comprovados efeitos terapêuticos para certas patologias. Além disso, há consolidado entendimento científico sobre o “efeito comitiva” – ou entourage –, que trata da potencialização do medicamento full spectrum, que é quando se utilizam diversas das mais de 600 substâncias presentes na planta.

Enquanto a regulamentação federal da cannabis medicinal não sai, Estados e municípios se mobilizam para analisar as demandas localmente. No Distrito Federal, que tem a maior taxa do País de pacientes cadastrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para importação de cannabis medicinal – são 35 autorizações a cada 100 mil habitantes –, há distribuição gratuita de medicamentos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para casos de epilepsia.

O Projeto de Lei 2899/2022, o mais recente da capital federal, prevê a regulamentação de plantio, armazenamento e transporte da planta para fins medicinais e científicos. De autoria do deputado distrital Leandro Grass (PV-DF) e redigido, em grande parte, pelo advogado Rodrigo Mesquita, o PL foi registrado há pouco mais de um mês. “Foi preciso criar essa lei ante a omissão dolosa da União no dever de regulamentar”, disse Mesquita.

Em São Paulo foi criada, em outubro do ano passado, a primeira Frente Parlamentar em Defesa da Cannabis Medicinal e do Cânhamo Industrial do Brasil, composta por 21 deputados estaduais de 12 partidos de espectros políticos diferentes, como o Novo e o PT.

O deputado estadual Sérgio Victor (Novo-SP), presidente da Frente, disse que, primeiro, se aproximou do tema cannabis com interesse de oportunidades de inovação e investimentos, por meio dos sócios da The Green Hub, aceleradora de startups canábicas. Em seguida, conheceu famílias de pacientes e se aprofundou no assunto, que, segundo ele, é alvo de muita desinformação.

Também em São Paulo tramita o Projeto de Lei 1180/2019, de autoria do deputado estadual Caio França (PSB-SP), que pretende garantir a distribuição gratuita de medicamentos à base de cannabis pelo SUS. De acordo com ele, até agora já foram gastos mais de R$ 39 milhões para esse fim, só que por via judicial.

“Se o Estado já paga e é um medicamento autorizado pela Anvisa, temos que incluir isso no SUS pela forma correta, com concorrência, licitação e mais controle”, argumentou. França esperava a aprovação de seu projeto na última sessão da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo antes do recesso, mas a discussão foi suspensa por um pedido de vistas da deputada Janaina Paschoal (PRTB-SP).

A interrupção frustrou famílias que aguardam a aprovação da proposta para conseguir o tratamento gratuito com cannabis por meio da rede pública de saúde. Janaina disse manter contato com essas famílias, mas afirmou que não está convencida de que a distribuição pelo SUS seja o caminho. “Na hora que tiver autorizado, não vai ter nem o crivo do Judiciário para saber se é um caso grave ou não”, disse a deputado, que defendeu uma discussão aberta e aprofundada.

Janaina afirmou que muitos parlamentares estão a favor e poucos são contra o projeto. No entanto, nem todos os favoráveis falam em público sobre o seu apoio ao tema por medo de perder votos, em ano eleitoral.

Para mapear o posicionamento dos parlamentares sobre o assunto, o canal Informacann, em parceria com a Cannabis&Saúde, revista eletrônica especializada na cobertura do tema, está entrevistando todos os 513 deputados federais. Até agora, a jornalista Manuela Borges, responsável pelo projeto, ouviu 64 deles – apenas quatro responderam ser contra e outros 13 disseram não conhecer o assunto ou que votam de acordo com a orientação do partido. O resultado completo deve ficar pronto até o fim deste mês.

Outro elemento presente no Projeto de Lei 399 é o cânhamo. Ele também será levado para dentro do Congresso. Manuela está preparando uma exposição sobre as mais de 25 mil possibilidades de uso industrial do cânhamo para apresentar ao Parlamento. Segundo a jornalista, a ideia é desmistificar o cânhamo e os usos da substância. “Para os parlamentares, é algo muito abstrato ainda.”

Países têm políticas públicas e expandem ‘mercado canábico’

Nem de esquerda, nem de direita, a cannabis tem sido abraçada por correntes políticas opostas em vários países ao redor do mundo. Entre as nações onde a cannabis já é legalizada em sua totalidade – ou quase – e naquelas onde o processo caminha rapidamente, há o que se pode chamar de consenso da classe política sobre os benefícios da planta nas áreas da saúde e da economia.

Na Colômbia, ambos os candidatos – de direita e de esquerda – que disputaram o segundo turno das eleições, tinham propostas para o avanço da legislação, inclusive do uso adulto da substância.

No país, que elegeu seu primeiro governo de esquerda da história, os mercados medicinal e industrial da cannabis já estavam regulamentados quando Gustavo Petro assumiu a presidência. Seu antecessor, Iván Duque, tinha certa ressalva ao tema no início do mandato, mas se abriu a propostas e se tornou o presidente que mais assinou leis em favor do setor.

O próximo país europeu a abrir mercados canábicos será a Alemanha, com previsões para que isso ocorra no ano que vem. Também por lá, tanto os partidos de direita quanto os de esquerda apresentaram planos de governo que incluíram políticas públicas para a cannabis durante as prévias da última eleição, no fim do ano passado. Países como Malta, Suíça e Luxemburgo têm movimentos políticos para avançar substancialmente no caminho pela regulamentação da cannabis. A Espanha ganhou, há poucos meses, o partido político Luz Verde, pela defesa do tema.

Até na Tailândia, onde o porte, o uso e o comércio de cannabis levavam à prisão e até à pena de morte, a coisa mudou de figura. A planta deixou de ser criminalizada para ser fomentada, inclusive pelo próprio governo, que passou a distribuir mudas de cannabis entre a população, e lançou comunicados oficiais incentivando o cultivo do cânhamo por agricultores do país.

Situação no mundo

Colômbia

Tem os mercados medicinal e industrial da cannabis regulamentados. Ex-presidente Iván Duque foi o que mais assinou leis pró-cannabis.

Alemanha

É o próximo país europeu a abrir mercados canábicos, a partir de 2023. Nas prévias da última eleição, políticas públicas para a cannabis fizeram parte de planos de governo da direita à esquerda.

Malta, Suíça e Luxemburgo

Países caminham para avançar substancialmente na regulamentação de diversos usos da cannabis.

Tailândia

Planta deixou de ser criminalizada para ser fomentada pelo governo, que passou a incentivar o cultivo de cânhamo por agricultores.

O Projeto de Lei 399/2015, que prevê regulamentar os usos medicinal e industrial da cannabis, está parado na Câmara dos Deputados há mais de um ano. Cabe ao presidente da Casa, Arthur Lira (Progressistas-AL), colocá-lo novamente em pauta, após recurso apresentado pelo deputado Diego Garcia (Republicanos-PR), em junho do ano passado, que pede que o projeto seja votado pelo plenário da Câmara, e não siga direto para o Senado. O PL 399 já foi aprovado por comissão especial da Casa.

“Como a gente votou muitas matérias no primeiro semestre e os grupos conservadores se fecharam muito para pautas polêmicas, eu não quis desperdiçar essa matéria”, afirmou Lira, comparando a sensibilidade do projeto à do PL 2630/2020, conhecido como o PL das fake news. “Eu achei que o tema estava maduro, os líderes acenaram para isso, mas, quando foi ao plenário, (o PL 2630) não passou. Por prudência, acho melhor esperar para quando tiver condições”, disse o presidente da Câmara.

Cultivo em Nazaré, Israel; especialistas citam efeitos terapêuticos comprovados Foto: Amir Cohen/Reuters

Lira vê a possibilidade de pautar o tema para depois das eleições, mas não adiantou datas. Ele prefere não expor sua opinião pessoal sobre a regulamentação da cannabis medicinal. “As pessoas tendem a achar que vou fazer pressão para um lado ou para o outro.”

Segundo o deputado Eduardo Costa (PSD-PR), que, no início do ano, participou de uma reunião com Lira, o presidente da Câmara prometeu discutir a matéria em breve. “Ele chamaria a bancada evangélica, a mais difícil de convencer, e também pautaria um projeto em favor deles.”

Uma vez que Lira paute a discussão na Câmara, há dois cenários possíveis: se o recurso de Garcia for aceito, o texto será levado ao plenário, para análise dos 513 parlamentares. Se for negado, a proposta seguirá para o Senado. A segunda opção é a mais provável, na avaliação do deputado Paulo Teixeira (PT-SP), presidente da Comissão Especial que discutiu os medicamentos formulados com cannabis. “Acredito que o (PL) 399 será aprovado, no mais tardar, ano que vem”, disse Teixeira, que chegou a ser agredido por Garcia em maio do ano passado, durante sessão que discutia o tema. Depois, o deputado do Republicanos se desculpou.

Embora seja bastante completo em relação aos usos medicinal e industrial da cannabis, o PL 399 não contempla o autocultivo, pilar apontado como fundamental para o barateamento e a popularização do acesso ao medicamento à base de maconha. O cenário pós-eleições é considerado crucial para o avanço, ou não, da cannabis medicinal no País.

“Com Lula ganhando, a gente aprova, sem sombra de dúvidas, e integralmente”, afirmou o relator do projeto, Luciano Ducci (PSB-PR), correligionário do candidato a vice na chapa encabeçada por Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Geraldo Alckmin.

Por outro lado, caso haja um segundo mandato de Jair Bolsonaro (PL), a esperança de famílias pelo acesso popular a medicamentos à base de cannabis será posta à prova. O atual chefe do Executivo já declarou que vetaria o projeto, mesmo que o texto chegasse ao Senado e fosse aprovado na Casa. O presidente da República disse não abrir mão da pauta, cara ao seu núcleo duro de apoiadores. Com o veto, o PL 399 voltaria ao Congresso, em imbróglio praticamente interminável.

Presidente da Câmara, Arthur Lira vê a possibilidade de retomar a discussão do tema na Casa depois das eleições, mas não adiantou datas Foto: Dida Sampaio/Estadão

Para o advogado Rodrigo Mesquita, um dos especialistas no tema no Brasil, uma opção seria a utilização de outros canais da constitucionalidade, considerando que, em setembro, a ministra Rosa Weber assumirá a presidência do Supremo Tribunal Federal.

“Se houver um novo mandato de Bolsonaro e o PL continuar aprovado na Câmara, abre-se a possibilidade de disputa no STF, com a ministra Rosa Weber pautando o processo”, disse Mesquita, lembrando que, em 2023, aposentam-se a própria Rosa Weber e o ministro Ricardo Lewandowski. “Haveria uma janela de tempo bastante curta para isso.”

Na antevéspera da votação do relatório do PL 399, em junho de 2021, houve pressão do governo sobre os líderes das bancadas para que trocassem os representantes dos partidos na comissão por nomes que votassem contra a matéria. A manobra conseguiu a substituição de pelo menos três parlamentares, mas não suficiente para a rejeição do projeto, aprovado pelo placar apertado de 18 votos a 17.

“Essa troca é uma violência política fora do padrão, mas permitida no regimento”, disse o deputado Daniel Coelho (Cidadania-PE), que participou das discussões da proposta e foi substituído no dia da votação. Entretanto, tais substituições não foram exatamente fáceis de costurar.

“Mesmo nos partidos de base, foi difícil de convencer. Tem gente que tem vergonha de votar contra a cannabis medicinal, pois sabe que estamos falando de saúde”, afirmou Coelho. “Quem se diz contra é porque está dentro de um contexto de manipulação.”

O deputado Capitão Augusto (PL-SP), líder da bancada da bala na Câmara, apoiou as trocas dos parlamentares favoráveis à cannabis medicinal. “Aqueles que não queiram votar contra e sejam da base do governo têm que ser trocados mesmo”, declarou o parlamentar. Capitão Augusto se disse favorável ao uso medicinal da substância, mas criticou “a possibilidade de facilitar o uso de drogas”.

Esse é o principal argumento da base governista no Congresso contra o PL 399. Médico e ex-ministro da Cidadania de Bolsonaro, o deputado Osmar Terra (MDB-RS) reconhece as propriedades terapêuticas do CBD e questiona as do THC – ambas as substâncias são extraídas da cannabis. O THC, no entanto, já tem comprovados efeitos terapêuticos para certas patologias. Além disso, há consolidado entendimento científico sobre o “efeito comitiva” – ou entourage –, que trata da potencialização do medicamento full spectrum, que é quando se utilizam diversas das mais de 600 substâncias presentes na planta.

Enquanto a regulamentação federal da cannabis medicinal não sai, Estados e municípios se mobilizam para analisar as demandas localmente. No Distrito Federal, que tem a maior taxa do País de pacientes cadastrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para importação de cannabis medicinal – são 35 autorizações a cada 100 mil habitantes –, há distribuição gratuita de medicamentos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para casos de epilepsia.

O Projeto de Lei 2899/2022, o mais recente da capital federal, prevê a regulamentação de plantio, armazenamento e transporte da planta para fins medicinais e científicos. De autoria do deputado distrital Leandro Grass (PV-DF) e redigido, em grande parte, pelo advogado Rodrigo Mesquita, o PL foi registrado há pouco mais de um mês. “Foi preciso criar essa lei ante a omissão dolosa da União no dever de regulamentar”, disse Mesquita.

Em São Paulo foi criada, em outubro do ano passado, a primeira Frente Parlamentar em Defesa da Cannabis Medicinal e do Cânhamo Industrial do Brasil, composta por 21 deputados estaduais de 12 partidos de espectros políticos diferentes, como o Novo e o PT.

O deputado estadual Sérgio Victor (Novo-SP), presidente da Frente, disse que, primeiro, se aproximou do tema cannabis com interesse de oportunidades de inovação e investimentos, por meio dos sócios da The Green Hub, aceleradora de startups canábicas. Em seguida, conheceu famílias de pacientes e se aprofundou no assunto, que, segundo ele, é alvo de muita desinformação.

Também em São Paulo tramita o Projeto de Lei 1180/2019, de autoria do deputado estadual Caio França (PSB-SP), que pretende garantir a distribuição gratuita de medicamentos à base de cannabis pelo SUS. De acordo com ele, até agora já foram gastos mais de R$ 39 milhões para esse fim, só que por via judicial.

“Se o Estado já paga e é um medicamento autorizado pela Anvisa, temos que incluir isso no SUS pela forma correta, com concorrência, licitação e mais controle”, argumentou. França esperava a aprovação de seu projeto na última sessão da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo antes do recesso, mas a discussão foi suspensa por um pedido de vistas da deputada Janaina Paschoal (PRTB-SP).

A interrupção frustrou famílias que aguardam a aprovação da proposta para conseguir o tratamento gratuito com cannabis por meio da rede pública de saúde. Janaina disse manter contato com essas famílias, mas afirmou que não está convencida de que a distribuição pelo SUS seja o caminho. “Na hora que tiver autorizado, não vai ter nem o crivo do Judiciário para saber se é um caso grave ou não”, disse a deputado, que defendeu uma discussão aberta e aprofundada.

Janaina afirmou que muitos parlamentares estão a favor e poucos são contra o projeto. No entanto, nem todos os favoráveis falam em público sobre o seu apoio ao tema por medo de perder votos, em ano eleitoral.

Para mapear o posicionamento dos parlamentares sobre o assunto, o canal Informacann, em parceria com a Cannabis&Saúde, revista eletrônica especializada na cobertura do tema, está entrevistando todos os 513 deputados federais. Até agora, a jornalista Manuela Borges, responsável pelo projeto, ouviu 64 deles – apenas quatro responderam ser contra e outros 13 disseram não conhecer o assunto ou que votam de acordo com a orientação do partido. O resultado completo deve ficar pronto até o fim deste mês.

Outro elemento presente no Projeto de Lei 399 é o cânhamo. Ele também será levado para dentro do Congresso. Manuela está preparando uma exposição sobre as mais de 25 mil possibilidades de uso industrial do cânhamo para apresentar ao Parlamento. Segundo a jornalista, a ideia é desmistificar o cânhamo e os usos da substância. “Para os parlamentares, é algo muito abstrato ainda.”

Países têm políticas públicas e expandem ‘mercado canábico’

Nem de esquerda, nem de direita, a cannabis tem sido abraçada por correntes políticas opostas em vários países ao redor do mundo. Entre as nações onde a cannabis já é legalizada em sua totalidade – ou quase – e naquelas onde o processo caminha rapidamente, há o que se pode chamar de consenso da classe política sobre os benefícios da planta nas áreas da saúde e da economia.

Na Colômbia, ambos os candidatos – de direita e de esquerda – que disputaram o segundo turno das eleições, tinham propostas para o avanço da legislação, inclusive do uso adulto da substância.

No país, que elegeu seu primeiro governo de esquerda da história, os mercados medicinal e industrial da cannabis já estavam regulamentados quando Gustavo Petro assumiu a presidência. Seu antecessor, Iván Duque, tinha certa ressalva ao tema no início do mandato, mas se abriu a propostas e se tornou o presidente que mais assinou leis em favor do setor.

O próximo país europeu a abrir mercados canábicos será a Alemanha, com previsões para que isso ocorra no ano que vem. Também por lá, tanto os partidos de direita quanto os de esquerda apresentaram planos de governo que incluíram políticas públicas para a cannabis durante as prévias da última eleição, no fim do ano passado. Países como Malta, Suíça e Luxemburgo têm movimentos políticos para avançar substancialmente no caminho pela regulamentação da cannabis. A Espanha ganhou, há poucos meses, o partido político Luz Verde, pela defesa do tema.

Até na Tailândia, onde o porte, o uso e o comércio de cannabis levavam à prisão e até à pena de morte, a coisa mudou de figura. A planta deixou de ser criminalizada para ser fomentada, inclusive pelo próprio governo, que passou a distribuir mudas de cannabis entre a população, e lançou comunicados oficiais incentivando o cultivo do cânhamo por agricultores do país.

Situação no mundo

Colômbia

Tem os mercados medicinal e industrial da cannabis regulamentados. Ex-presidente Iván Duque foi o que mais assinou leis pró-cannabis.

Alemanha

É o próximo país europeu a abrir mercados canábicos, a partir de 2023. Nas prévias da última eleição, políticas públicas para a cannabis fizeram parte de planos de governo da direita à esquerda.

Malta, Suíça e Luxemburgo

Países caminham para avançar substancialmente na regulamentação de diversos usos da cannabis.

Tailândia

Planta deixou de ser criminalizada para ser fomentada pelo governo, que passou a incentivar o cultivo de cânhamo por agricultores.

O Projeto de Lei 399/2015, que prevê regulamentar os usos medicinal e industrial da cannabis, está parado na Câmara dos Deputados há mais de um ano. Cabe ao presidente da Casa, Arthur Lira (Progressistas-AL), colocá-lo novamente em pauta, após recurso apresentado pelo deputado Diego Garcia (Republicanos-PR), em junho do ano passado, que pede que o projeto seja votado pelo plenário da Câmara, e não siga direto para o Senado. O PL 399 já foi aprovado por comissão especial da Casa.

“Como a gente votou muitas matérias no primeiro semestre e os grupos conservadores se fecharam muito para pautas polêmicas, eu não quis desperdiçar essa matéria”, afirmou Lira, comparando a sensibilidade do projeto à do PL 2630/2020, conhecido como o PL das fake news. “Eu achei que o tema estava maduro, os líderes acenaram para isso, mas, quando foi ao plenário, (o PL 2630) não passou. Por prudência, acho melhor esperar para quando tiver condições”, disse o presidente da Câmara.

Cultivo em Nazaré, Israel; especialistas citam efeitos terapêuticos comprovados Foto: Amir Cohen/Reuters

Lira vê a possibilidade de pautar o tema para depois das eleições, mas não adiantou datas. Ele prefere não expor sua opinião pessoal sobre a regulamentação da cannabis medicinal. “As pessoas tendem a achar que vou fazer pressão para um lado ou para o outro.”

Segundo o deputado Eduardo Costa (PSD-PR), que, no início do ano, participou de uma reunião com Lira, o presidente da Câmara prometeu discutir a matéria em breve. “Ele chamaria a bancada evangélica, a mais difícil de convencer, e também pautaria um projeto em favor deles.”

Uma vez que Lira paute a discussão na Câmara, há dois cenários possíveis: se o recurso de Garcia for aceito, o texto será levado ao plenário, para análise dos 513 parlamentares. Se for negado, a proposta seguirá para o Senado. A segunda opção é a mais provável, na avaliação do deputado Paulo Teixeira (PT-SP), presidente da Comissão Especial que discutiu os medicamentos formulados com cannabis. “Acredito que o (PL) 399 será aprovado, no mais tardar, ano que vem”, disse Teixeira, que chegou a ser agredido por Garcia em maio do ano passado, durante sessão que discutia o tema. Depois, o deputado do Republicanos se desculpou.

Embora seja bastante completo em relação aos usos medicinal e industrial da cannabis, o PL 399 não contempla o autocultivo, pilar apontado como fundamental para o barateamento e a popularização do acesso ao medicamento à base de maconha. O cenário pós-eleições é considerado crucial para o avanço, ou não, da cannabis medicinal no País.

“Com Lula ganhando, a gente aprova, sem sombra de dúvidas, e integralmente”, afirmou o relator do projeto, Luciano Ducci (PSB-PR), correligionário do candidato a vice na chapa encabeçada por Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Geraldo Alckmin.

Por outro lado, caso haja um segundo mandato de Jair Bolsonaro (PL), a esperança de famílias pelo acesso popular a medicamentos à base de cannabis será posta à prova. O atual chefe do Executivo já declarou que vetaria o projeto, mesmo que o texto chegasse ao Senado e fosse aprovado na Casa. O presidente da República disse não abrir mão da pauta, cara ao seu núcleo duro de apoiadores. Com o veto, o PL 399 voltaria ao Congresso, em imbróglio praticamente interminável.

Presidente da Câmara, Arthur Lira vê a possibilidade de retomar a discussão do tema na Casa depois das eleições, mas não adiantou datas Foto: Dida Sampaio/Estadão

Para o advogado Rodrigo Mesquita, um dos especialistas no tema no Brasil, uma opção seria a utilização de outros canais da constitucionalidade, considerando que, em setembro, a ministra Rosa Weber assumirá a presidência do Supremo Tribunal Federal.

“Se houver um novo mandato de Bolsonaro e o PL continuar aprovado na Câmara, abre-se a possibilidade de disputa no STF, com a ministra Rosa Weber pautando o processo”, disse Mesquita, lembrando que, em 2023, aposentam-se a própria Rosa Weber e o ministro Ricardo Lewandowski. “Haveria uma janela de tempo bastante curta para isso.”

Na antevéspera da votação do relatório do PL 399, em junho de 2021, houve pressão do governo sobre os líderes das bancadas para que trocassem os representantes dos partidos na comissão por nomes que votassem contra a matéria. A manobra conseguiu a substituição de pelo menos três parlamentares, mas não suficiente para a rejeição do projeto, aprovado pelo placar apertado de 18 votos a 17.

“Essa troca é uma violência política fora do padrão, mas permitida no regimento”, disse o deputado Daniel Coelho (Cidadania-PE), que participou das discussões da proposta e foi substituído no dia da votação. Entretanto, tais substituições não foram exatamente fáceis de costurar.

“Mesmo nos partidos de base, foi difícil de convencer. Tem gente que tem vergonha de votar contra a cannabis medicinal, pois sabe que estamos falando de saúde”, afirmou Coelho. “Quem se diz contra é porque está dentro de um contexto de manipulação.”

O deputado Capitão Augusto (PL-SP), líder da bancada da bala na Câmara, apoiou as trocas dos parlamentares favoráveis à cannabis medicinal. “Aqueles que não queiram votar contra e sejam da base do governo têm que ser trocados mesmo”, declarou o parlamentar. Capitão Augusto se disse favorável ao uso medicinal da substância, mas criticou “a possibilidade de facilitar o uso de drogas”.

Esse é o principal argumento da base governista no Congresso contra o PL 399. Médico e ex-ministro da Cidadania de Bolsonaro, o deputado Osmar Terra (MDB-RS) reconhece as propriedades terapêuticas do CBD e questiona as do THC – ambas as substâncias são extraídas da cannabis. O THC, no entanto, já tem comprovados efeitos terapêuticos para certas patologias. Além disso, há consolidado entendimento científico sobre o “efeito comitiva” – ou entourage –, que trata da potencialização do medicamento full spectrum, que é quando se utilizam diversas das mais de 600 substâncias presentes na planta.

Enquanto a regulamentação federal da cannabis medicinal não sai, Estados e municípios se mobilizam para analisar as demandas localmente. No Distrito Federal, que tem a maior taxa do País de pacientes cadastrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para importação de cannabis medicinal – são 35 autorizações a cada 100 mil habitantes –, há distribuição gratuita de medicamentos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para casos de epilepsia.

O Projeto de Lei 2899/2022, o mais recente da capital federal, prevê a regulamentação de plantio, armazenamento e transporte da planta para fins medicinais e científicos. De autoria do deputado distrital Leandro Grass (PV-DF) e redigido, em grande parte, pelo advogado Rodrigo Mesquita, o PL foi registrado há pouco mais de um mês. “Foi preciso criar essa lei ante a omissão dolosa da União no dever de regulamentar”, disse Mesquita.

Em São Paulo foi criada, em outubro do ano passado, a primeira Frente Parlamentar em Defesa da Cannabis Medicinal e do Cânhamo Industrial do Brasil, composta por 21 deputados estaduais de 12 partidos de espectros políticos diferentes, como o Novo e o PT.

O deputado estadual Sérgio Victor (Novo-SP), presidente da Frente, disse que, primeiro, se aproximou do tema cannabis com interesse de oportunidades de inovação e investimentos, por meio dos sócios da The Green Hub, aceleradora de startups canábicas. Em seguida, conheceu famílias de pacientes e se aprofundou no assunto, que, segundo ele, é alvo de muita desinformação.

Também em São Paulo tramita o Projeto de Lei 1180/2019, de autoria do deputado estadual Caio França (PSB-SP), que pretende garantir a distribuição gratuita de medicamentos à base de cannabis pelo SUS. De acordo com ele, até agora já foram gastos mais de R$ 39 milhões para esse fim, só que por via judicial.

“Se o Estado já paga e é um medicamento autorizado pela Anvisa, temos que incluir isso no SUS pela forma correta, com concorrência, licitação e mais controle”, argumentou. França esperava a aprovação de seu projeto na última sessão da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo antes do recesso, mas a discussão foi suspensa por um pedido de vistas da deputada Janaina Paschoal (PRTB-SP).

A interrupção frustrou famílias que aguardam a aprovação da proposta para conseguir o tratamento gratuito com cannabis por meio da rede pública de saúde. Janaina disse manter contato com essas famílias, mas afirmou que não está convencida de que a distribuição pelo SUS seja o caminho. “Na hora que tiver autorizado, não vai ter nem o crivo do Judiciário para saber se é um caso grave ou não”, disse a deputado, que defendeu uma discussão aberta e aprofundada.

Janaina afirmou que muitos parlamentares estão a favor e poucos são contra o projeto. No entanto, nem todos os favoráveis falam em público sobre o seu apoio ao tema por medo de perder votos, em ano eleitoral.

Para mapear o posicionamento dos parlamentares sobre o assunto, o canal Informacann, em parceria com a Cannabis&Saúde, revista eletrônica especializada na cobertura do tema, está entrevistando todos os 513 deputados federais. Até agora, a jornalista Manuela Borges, responsável pelo projeto, ouviu 64 deles – apenas quatro responderam ser contra e outros 13 disseram não conhecer o assunto ou que votam de acordo com a orientação do partido. O resultado completo deve ficar pronto até o fim deste mês.

Outro elemento presente no Projeto de Lei 399 é o cânhamo. Ele também será levado para dentro do Congresso. Manuela está preparando uma exposição sobre as mais de 25 mil possibilidades de uso industrial do cânhamo para apresentar ao Parlamento. Segundo a jornalista, a ideia é desmistificar o cânhamo e os usos da substância. “Para os parlamentares, é algo muito abstrato ainda.”

Países têm políticas públicas e expandem ‘mercado canábico’

Nem de esquerda, nem de direita, a cannabis tem sido abraçada por correntes políticas opostas em vários países ao redor do mundo. Entre as nações onde a cannabis já é legalizada em sua totalidade – ou quase – e naquelas onde o processo caminha rapidamente, há o que se pode chamar de consenso da classe política sobre os benefícios da planta nas áreas da saúde e da economia.

Na Colômbia, ambos os candidatos – de direita e de esquerda – que disputaram o segundo turno das eleições, tinham propostas para o avanço da legislação, inclusive do uso adulto da substância.

No país, que elegeu seu primeiro governo de esquerda da história, os mercados medicinal e industrial da cannabis já estavam regulamentados quando Gustavo Petro assumiu a presidência. Seu antecessor, Iván Duque, tinha certa ressalva ao tema no início do mandato, mas se abriu a propostas e se tornou o presidente que mais assinou leis em favor do setor.

O próximo país europeu a abrir mercados canábicos será a Alemanha, com previsões para que isso ocorra no ano que vem. Também por lá, tanto os partidos de direita quanto os de esquerda apresentaram planos de governo que incluíram políticas públicas para a cannabis durante as prévias da última eleição, no fim do ano passado. Países como Malta, Suíça e Luxemburgo têm movimentos políticos para avançar substancialmente no caminho pela regulamentação da cannabis. A Espanha ganhou, há poucos meses, o partido político Luz Verde, pela defesa do tema.

Até na Tailândia, onde o porte, o uso e o comércio de cannabis levavam à prisão e até à pena de morte, a coisa mudou de figura. A planta deixou de ser criminalizada para ser fomentada, inclusive pelo próprio governo, que passou a distribuir mudas de cannabis entre a população, e lançou comunicados oficiais incentivando o cultivo do cânhamo por agricultores do país.

Situação no mundo

Colômbia

Tem os mercados medicinal e industrial da cannabis regulamentados. Ex-presidente Iván Duque foi o que mais assinou leis pró-cannabis.

Alemanha

É o próximo país europeu a abrir mercados canábicos, a partir de 2023. Nas prévias da última eleição, políticas públicas para a cannabis fizeram parte de planos de governo da direita à esquerda.

Malta, Suíça e Luxemburgo

Países caminham para avançar substancialmente na regulamentação de diversos usos da cannabis.

Tailândia

Planta deixou de ser criminalizada para ser fomentada pelo governo, que passou a incentivar o cultivo de cânhamo por agricultores.

O Projeto de Lei 399/2015, que prevê regulamentar os usos medicinal e industrial da cannabis, está parado na Câmara dos Deputados há mais de um ano. Cabe ao presidente da Casa, Arthur Lira (Progressistas-AL), colocá-lo novamente em pauta, após recurso apresentado pelo deputado Diego Garcia (Republicanos-PR), em junho do ano passado, que pede que o projeto seja votado pelo plenário da Câmara, e não siga direto para o Senado. O PL 399 já foi aprovado por comissão especial da Casa.

“Como a gente votou muitas matérias no primeiro semestre e os grupos conservadores se fecharam muito para pautas polêmicas, eu não quis desperdiçar essa matéria”, afirmou Lira, comparando a sensibilidade do projeto à do PL 2630/2020, conhecido como o PL das fake news. “Eu achei que o tema estava maduro, os líderes acenaram para isso, mas, quando foi ao plenário, (o PL 2630) não passou. Por prudência, acho melhor esperar para quando tiver condições”, disse o presidente da Câmara.

Cultivo em Nazaré, Israel; especialistas citam efeitos terapêuticos comprovados Foto: Amir Cohen/Reuters

Lira vê a possibilidade de pautar o tema para depois das eleições, mas não adiantou datas. Ele prefere não expor sua opinião pessoal sobre a regulamentação da cannabis medicinal. “As pessoas tendem a achar que vou fazer pressão para um lado ou para o outro.”

Segundo o deputado Eduardo Costa (PSD-PR), que, no início do ano, participou de uma reunião com Lira, o presidente da Câmara prometeu discutir a matéria em breve. “Ele chamaria a bancada evangélica, a mais difícil de convencer, e também pautaria um projeto em favor deles.”

Uma vez que Lira paute a discussão na Câmara, há dois cenários possíveis: se o recurso de Garcia for aceito, o texto será levado ao plenário, para análise dos 513 parlamentares. Se for negado, a proposta seguirá para o Senado. A segunda opção é a mais provável, na avaliação do deputado Paulo Teixeira (PT-SP), presidente da Comissão Especial que discutiu os medicamentos formulados com cannabis. “Acredito que o (PL) 399 será aprovado, no mais tardar, ano que vem”, disse Teixeira, que chegou a ser agredido por Garcia em maio do ano passado, durante sessão que discutia o tema. Depois, o deputado do Republicanos se desculpou.

Embora seja bastante completo em relação aos usos medicinal e industrial da cannabis, o PL 399 não contempla o autocultivo, pilar apontado como fundamental para o barateamento e a popularização do acesso ao medicamento à base de maconha. O cenário pós-eleições é considerado crucial para o avanço, ou não, da cannabis medicinal no País.

“Com Lula ganhando, a gente aprova, sem sombra de dúvidas, e integralmente”, afirmou o relator do projeto, Luciano Ducci (PSB-PR), correligionário do candidato a vice na chapa encabeçada por Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Geraldo Alckmin.

Por outro lado, caso haja um segundo mandato de Jair Bolsonaro (PL), a esperança de famílias pelo acesso popular a medicamentos à base de cannabis será posta à prova. O atual chefe do Executivo já declarou que vetaria o projeto, mesmo que o texto chegasse ao Senado e fosse aprovado na Casa. O presidente da República disse não abrir mão da pauta, cara ao seu núcleo duro de apoiadores. Com o veto, o PL 399 voltaria ao Congresso, em imbróglio praticamente interminável.

Presidente da Câmara, Arthur Lira vê a possibilidade de retomar a discussão do tema na Casa depois das eleições, mas não adiantou datas Foto: Dida Sampaio/Estadão

Para o advogado Rodrigo Mesquita, um dos especialistas no tema no Brasil, uma opção seria a utilização de outros canais da constitucionalidade, considerando que, em setembro, a ministra Rosa Weber assumirá a presidência do Supremo Tribunal Federal.

“Se houver um novo mandato de Bolsonaro e o PL continuar aprovado na Câmara, abre-se a possibilidade de disputa no STF, com a ministra Rosa Weber pautando o processo”, disse Mesquita, lembrando que, em 2023, aposentam-se a própria Rosa Weber e o ministro Ricardo Lewandowski. “Haveria uma janela de tempo bastante curta para isso.”

Na antevéspera da votação do relatório do PL 399, em junho de 2021, houve pressão do governo sobre os líderes das bancadas para que trocassem os representantes dos partidos na comissão por nomes que votassem contra a matéria. A manobra conseguiu a substituição de pelo menos três parlamentares, mas não suficiente para a rejeição do projeto, aprovado pelo placar apertado de 18 votos a 17.

“Essa troca é uma violência política fora do padrão, mas permitida no regimento”, disse o deputado Daniel Coelho (Cidadania-PE), que participou das discussões da proposta e foi substituído no dia da votação. Entretanto, tais substituições não foram exatamente fáceis de costurar.

“Mesmo nos partidos de base, foi difícil de convencer. Tem gente que tem vergonha de votar contra a cannabis medicinal, pois sabe que estamos falando de saúde”, afirmou Coelho. “Quem se diz contra é porque está dentro de um contexto de manipulação.”

O deputado Capitão Augusto (PL-SP), líder da bancada da bala na Câmara, apoiou as trocas dos parlamentares favoráveis à cannabis medicinal. “Aqueles que não queiram votar contra e sejam da base do governo têm que ser trocados mesmo”, declarou o parlamentar. Capitão Augusto se disse favorável ao uso medicinal da substância, mas criticou “a possibilidade de facilitar o uso de drogas”.

Esse é o principal argumento da base governista no Congresso contra o PL 399. Médico e ex-ministro da Cidadania de Bolsonaro, o deputado Osmar Terra (MDB-RS) reconhece as propriedades terapêuticas do CBD e questiona as do THC – ambas as substâncias são extraídas da cannabis. O THC, no entanto, já tem comprovados efeitos terapêuticos para certas patologias. Além disso, há consolidado entendimento científico sobre o “efeito comitiva” – ou entourage –, que trata da potencialização do medicamento full spectrum, que é quando se utilizam diversas das mais de 600 substâncias presentes na planta.

Enquanto a regulamentação federal da cannabis medicinal não sai, Estados e municípios se mobilizam para analisar as demandas localmente. No Distrito Federal, que tem a maior taxa do País de pacientes cadastrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para importação de cannabis medicinal – são 35 autorizações a cada 100 mil habitantes –, há distribuição gratuita de medicamentos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) para casos de epilepsia.

O Projeto de Lei 2899/2022, o mais recente da capital federal, prevê a regulamentação de plantio, armazenamento e transporte da planta para fins medicinais e científicos. De autoria do deputado distrital Leandro Grass (PV-DF) e redigido, em grande parte, pelo advogado Rodrigo Mesquita, o PL foi registrado há pouco mais de um mês. “Foi preciso criar essa lei ante a omissão dolosa da União no dever de regulamentar”, disse Mesquita.

Em São Paulo foi criada, em outubro do ano passado, a primeira Frente Parlamentar em Defesa da Cannabis Medicinal e do Cânhamo Industrial do Brasil, composta por 21 deputados estaduais de 12 partidos de espectros políticos diferentes, como o Novo e o PT.

O deputado estadual Sérgio Victor (Novo-SP), presidente da Frente, disse que, primeiro, se aproximou do tema cannabis com interesse de oportunidades de inovação e investimentos, por meio dos sócios da The Green Hub, aceleradora de startups canábicas. Em seguida, conheceu famílias de pacientes e se aprofundou no assunto, que, segundo ele, é alvo de muita desinformação.

Também em São Paulo tramita o Projeto de Lei 1180/2019, de autoria do deputado estadual Caio França (PSB-SP), que pretende garantir a distribuição gratuita de medicamentos à base de cannabis pelo SUS. De acordo com ele, até agora já foram gastos mais de R$ 39 milhões para esse fim, só que por via judicial.

“Se o Estado já paga e é um medicamento autorizado pela Anvisa, temos que incluir isso no SUS pela forma correta, com concorrência, licitação e mais controle”, argumentou. França esperava a aprovação de seu projeto na última sessão da Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo antes do recesso, mas a discussão foi suspensa por um pedido de vistas da deputada Janaina Paschoal (PRTB-SP).

A interrupção frustrou famílias que aguardam a aprovação da proposta para conseguir o tratamento gratuito com cannabis por meio da rede pública de saúde. Janaina disse manter contato com essas famílias, mas afirmou que não está convencida de que a distribuição pelo SUS seja o caminho. “Na hora que tiver autorizado, não vai ter nem o crivo do Judiciário para saber se é um caso grave ou não”, disse a deputado, que defendeu uma discussão aberta e aprofundada.

Janaina afirmou que muitos parlamentares estão a favor e poucos são contra o projeto. No entanto, nem todos os favoráveis falam em público sobre o seu apoio ao tema por medo de perder votos, em ano eleitoral.

Para mapear o posicionamento dos parlamentares sobre o assunto, o canal Informacann, em parceria com a Cannabis&Saúde, revista eletrônica especializada na cobertura do tema, está entrevistando todos os 513 deputados federais. Até agora, a jornalista Manuela Borges, responsável pelo projeto, ouviu 64 deles – apenas quatro responderam ser contra e outros 13 disseram não conhecer o assunto ou que votam de acordo com a orientação do partido. O resultado completo deve ficar pronto até o fim deste mês.

Outro elemento presente no Projeto de Lei 399 é o cânhamo. Ele também será levado para dentro do Congresso. Manuela está preparando uma exposição sobre as mais de 25 mil possibilidades de uso industrial do cânhamo para apresentar ao Parlamento. Segundo a jornalista, a ideia é desmistificar o cânhamo e os usos da substância. “Para os parlamentares, é algo muito abstrato ainda.”

Países têm políticas públicas e expandem ‘mercado canábico’

Nem de esquerda, nem de direita, a cannabis tem sido abraçada por correntes políticas opostas em vários países ao redor do mundo. Entre as nações onde a cannabis já é legalizada em sua totalidade – ou quase – e naquelas onde o processo caminha rapidamente, há o que se pode chamar de consenso da classe política sobre os benefícios da planta nas áreas da saúde e da economia.

Na Colômbia, ambos os candidatos – de direita e de esquerda – que disputaram o segundo turno das eleições, tinham propostas para o avanço da legislação, inclusive do uso adulto da substância.

No país, que elegeu seu primeiro governo de esquerda da história, os mercados medicinal e industrial da cannabis já estavam regulamentados quando Gustavo Petro assumiu a presidência. Seu antecessor, Iván Duque, tinha certa ressalva ao tema no início do mandato, mas se abriu a propostas e se tornou o presidente que mais assinou leis em favor do setor.

O próximo país europeu a abrir mercados canábicos será a Alemanha, com previsões para que isso ocorra no ano que vem. Também por lá, tanto os partidos de direita quanto os de esquerda apresentaram planos de governo que incluíram políticas públicas para a cannabis durante as prévias da última eleição, no fim do ano passado. Países como Malta, Suíça e Luxemburgo têm movimentos políticos para avançar substancialmente no caminho pela regulamentação da cannabis. A Espanha ganhou, há poucos meses, o partido político Luz Verde, pela defesa do tema.

Até na Tailândia, onde o porte, o uso e o comércio de cannabis levavam à prisão e até à pena de morte, a coisa mudou de figura. A planta deixou de ser criminalizada para ser fomentada, inclusive pelo próprio governo, que passou a distribuir mudas de cannabis entre a população, e lançou comunicados oficiais incentivando o cultivo do cânhamo por agricultores do país.

Situação no mundo

Colômbia

Tem os mercados medicinal e industrial da cannabis regulamentados. Ex-presidente Iván Duque foi o que mais assinou leis pró-cannabis.

Alemanha

É o próximo país europeu a abrir mercados canábicos, a partir de 2023. Nas prévias da última eleição, políticas públicas para a cannabis fizeram parte de planos de governo da direita à esquerda.

Malta, Suíça e Luxemburgo

Países caminham para avançar substancialmente na regulamentação de diversos usos da cannabis.

Tailândia

Planta deixou de ser criminalizada para ser fomentada pelo governo, que passou a incentivar o cultivo de cânhamo por agricultores.

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