Por que a PEC da segurança ficou travada tanto tempo no governo?


Texto foi enviado em junho à Casa Civil e será apresentado por Lula aos governadores nesta quinta-feira

Por Paula Ferreira e Guilherme Caetano
Atualização:

BRASÍLIA – A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que pretende alterar a estrutura da segurança pública será apresentada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva a governadores nesta quinta-feira, 31. O tema, no entanto, estava emperrado no governo desde junho. Preocupação com as eleições, receio de trazer o problema para o colo de Lula e resistência em ampliar as atribuições da Polícia Federal compõem a equação que travou o andamento da PEC no governo.

A PEC da Segurança, elaborada pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, quer incluir na Constituição o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), uma espécie de “SUS” da área. A intenção do ministro Ricardo Lewandowski é criar base legal para que a União possa emitir diretrizes para todo o sistema de segurança, integrar dados e promover atuação conjunta das polícias estaduais e da PF. Atualmente, a Constituição atribui aos Estados a responsabilidade sobre a segurança pública.

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O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, enviou ao presidente Lula proposta de emenda constitucional sobre segurança pública Foto: wilton junior/Estadão

Apesar da urgência do tema, a PEC ficou cerca de quatro meses na Casa Civil. Segundo fontes do Planalto, havia uma avaliação de que era preciso evitar o tema antes das eleições municipais por se tratar de um assunto polêmico e complexo, que poderia trazer impactos negativos. Somou-se a isso o fato de que desde o início, Lula havia manifestado a intenção de discutir a questão com todos os governadores antes de sacramentar a proposta a ser enviada ao congresso. O tema foi retomado pelo presidente nesta quinta, quatro dias após o segundo turno das eleições.

Além da falta de timing político, segundo fontes, havia uma avaliação do Planalto de que a PEC poderia trazer para o colo de Lula um problema que hoje é oficialmente dos Estados. Por outro lado, membros do governo favoráveis ao texto argumentavam que o problema já está posto.

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Desde o início do mandato, Lula tem sido mal avaliado por sua atuação na área da segurança pública. Pesquisa AtlasIntel realizada em agosto mostrou que a área era avaliada como ruim ou péssima por 55% dos eleitores brasileiros. A área está entre os piores desempenhos da gestão petista, na opinião da população. A queda de braço em torno da PEC foi mais um elemento de tensão entre Lewandowski e o ministro da Casa Civil, Rui Costa.

Outro ponto sensível da discussão seria o fato de a PEC autorizar que a PF possa agir em qualquer tipo de caso onde haja atuação do mesmo grupo criminoso (incluindo milícias privadas) em mais de um Estado, assim a corporação não ficaria restrita a crimes de competência federal. De acordo com fontes, Na Casa Civil, haveria receio de ampliar demais os poderes da PF.

Em nota ao Estadão, a pasta negou a divergência sobre as atribuições da PF. A Casa Civil afirmou ainda que “não é verdadeira a informação de que o tema está parado na Casa Civil desde junho.” E argumentou que a proposta está em análise, sendo tema de reuniões de equipes técnicas ao longo dos meses. “Os temas contemplados na PEC têm complexidades que exigem análise aprofundada”, disse.

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Nos bastidores, um dos exemplos citados para justificar a necessidade de maior abragência da Polícia Federal é a investigação do assassinato da vereadora Marielle Franco e seu motorista Anderson Gomes. A procuradora-geral da República na época, Raquel Dodge, chegou a pedir a federalização do caso, o que foi negado pela Justiça.

O caso só veio para a alçada da PF durante o governo Lula, quando o então ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, determinou à PF que abrissem um inquérito sobre o caso com o argumento de “ampliar a colaboração federal”. Depois, o caso acabou sendo federalizado após delação do ex-PM Ronnie Lessa, acusado de executar a vereadora e seu motorista, que apontou o deputado federal Chiquinho Brazão como um dos mandantes do crime. A entrada da PF no caso começou a desenrolar um dos principais entraves do caso: a apuração sobre quem mandou matar a vereadora. Há uma percepção de que uma maior capilarização da PF poderia auxiliar em casos complexos e desbaratar quadrilhas que atuam em mais de um Estado.

Crivo dos governadores

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O aumento do escopo da PF é visto pelos membros do governo como um dos pontos mais sensíveis da proposta e que pode gerar contrariedade entre alguns governadores na reunião desta quinta-feira. Eles poderiam encarar a medida como um enfraquecimento das polícias militares, sob comando dos Estados. O governo federal pretende adotar um tom de conciliação e mostrar disposição em analisar as sugestões que venham dos gestores estaduais.

Entre alguns governadores, como a de Pernambuco, Raquel Lyra (PSDB), e do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB), existe uma pré-disposição favorável ao projeto, principalmente em relação à ampliação das competências da PF e da PRF. Eles entendem ser necessário maior presença de forças federais no combate ao crime organizado. Fátima Bezerra (PT-RN) chama a conversa de oportuna e diz ser fundamental integrar o Sistema Único de Segurança Público à Constituição.

“Para termos um enfrentamento eficaz (ao crime organizado), é imperativo muita integração, sinergia e cooperação entre as forças de segurança nos planos estadual, regional e nacional, respeitando a autonomia prevista em lei”, afirmou ao Estadão.

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Outros mandatários, porém, não devem ter o mesmo entendimento. O governo Lula tem tido dificuldade em estabelecer diálogo com Santa Catarina, por exemplo, na área da segurança pública.

O governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União), confirmou sua ida ao encontro, mas disse ser contra a proposta. “Sou contra, até porque até hoje nunca publicaram o texto da PEC. Fica evidente e claro o interesse de intervenção nos Estados. (Lula) quer fazer reunião para dizer que todos concordam com a ideia e depois vem com o texto. Esperteza”, declarou ao Estadão. “Se for pra propor uma PEC que seja para transferir aos Estados as prerrogativas de legislar sobre legislação penal e penitenciária”.

O Consórcio do Nordeste, que reúne os nove governadores da região, devem se reunir nesta quinta-feira antes do encontro com Lula para deliberar uma posição conjunta. O bloco é liderado por Fátima Bezerra (RN).

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O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) se antecipou para desgastar o projeto junto ao seu público. Na segunda-feira, ele publicou nas redes sociais que a PEC, se aprovada, vai impedir as Polícias Militares de combater o crime — o que está fora do escopo do texto, que não prevê interferência nas atribuições estaduais.

A equipe do ministro Lewandowski considera fundamental que a PEC garanta meios para que haja integração entre os Estados e a União no combate ao crime. Isso inclui não só maior participação da PF, mas também integração dos sistemas de dados das polícias. A medida viabilizará a uniformização de boletins de ocorrência e certidões emitidas pelo sistema. Uma das preocupações é que atualmente uma pessoa pode emitir, por exemplo, um atestado de nada consta que desconsidere crimes cometidos em outros Estados.

Tornar o SUSP Constitucional permitiria ao governo, por exemplo, estabelecer diretrizes sobre a política penitenciária no Brasil, a exemplo dos protocolos fixados pelo Ministério da Saúde no âmbito SUS, de modo que as medidas tenham que ser seguidas pelos entes.

Como o Estadão mostrou, o governo quer ainda que a Polícia Rodoviária Federal (PRF) atue no patrulhamento de hidrovias e ferrovias. Outro ponto de interesse é ter respaldo para unificar dados sobre homicídios e apreensão de drogas. Atualmente, não há um dado nacional calculado pelo Executivo. Entre as principais estatísticas utilizadas estão os dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública.

A PEC cria ainda um fundo para a área a partir da unificação do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP) e do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen), com a determinação de que os recursos não poderão ser contingenciados.

BRASÍLIA – A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que pretende alterar a estrutura da segurança pública será apresentada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva a governadores nesta quinta-feira, 31. O tema, no entanto, estava emperrado no governo desde junho. Preocupação com as eleições, receio de trazer o problema para o colo de Lula e resistência em ampliar as atribuições da Polícia Federal compõem a equação que travou o andamento da PEC no governo.

A PEC da Segurança, elaborada pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, quer incluir na Constituição o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), uma espécie de “SUS” da área. A intenção do ministro Ricardo Lewandowski é criar base legal para que a União possa emitir diretrizes para todo o sistema de segurança, integrar dados e promover atuação conjunta das polícias estaduais e da PF. Atualmente, a Constituição atribui aos Estados a responsabilidade sobre a segurança pública.

O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, enviou ao presidente Lula proposta de emenda constitucional sobre segurança pública Foto: wilton junior/Estadão

Apesar da urgência do tema, a PEC ficou cerca de quatro meses na Casa Civil. Segundo fontes do Planalto, havia uma avaliação de que era preciso evitar o tema antes das eleições municipais por se tratar de um assunto polêmico e complexo, que poderia trazer impactos negativos. Somou-se a isso o fato de que desde o início, Lula havia manifestado a intenção de discutir a questão com todos os governadores antes de sacramentar a proposta a ser enviada ao congresso. O tema foi retomado pelo presidente nesta quinta, quatro dias após o segundo turno das eleições.

Além da falta de timing político, segundo fontes, havia uma avaliação do Planalto de que a PEC poderia trazer para o colo de Lula um problema que hoje é oficialmente dos Estados. Por outro lado, membros do governo favoráveis ao texto argumentavam que o problema já está posto.

Desde o início do mandato, Lula tem sido mal avaliado por sua atuação na área da segurança pública. Pesquisa AtlasIntel realizada em agosto mostrou que a área era avaliada como ruim ou péssima por 55% dos eleitores brasileiros. A área está entre os piores desempenhos da gestão petista, na opinião da população. A queda de braço em torno da PEC foi mais um elemento de tensão entre Lewandowski e o ministro da Casa Civil, Rui Costa.

Outro ponto sensível da discussão seria o fato de a PEC autorizar que a PF possa agir em qualquer tipo de caso onde haja atuação do mesmo grupo criminoso (incluindo milícias privadas) em mais de um Estado, assim a corporação não ficaria restrita a crimes de competência federal. De acordo com fontes, Na Casa Civil, haveria receio de ampliar demais os poderes da PF.

Em nota ao Estadão, a pasta negou a divergência sobre as atribuições da PF. A Casa Civil afirmou ainda que “não é verdadeira a informação de que o tema está parado na Casa Civil desde junho.” E argumentou que a proposta está em análise, sendo tema de reuniões de equipes técnicas ao longo dos meses. “Os temas contemplados na PEC têm complexidades que exigem análise aprofundada”, disse.

Nos bastidores, um dos exemplos citados para justificar a necessidade de maior abragência da Polícia Federal é a investigação do assassinato da vereadora Marielle Franco e seu motorista Anderson Gomes. A procuradora-geral da República na época, Raquel Dodge, chegou a pedir a federalização do caso, o que foi negado pela Justiça.

O caso só veio para a alçada da PF durante o governo Lula, quando o então ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, determinou à PF que abrissem um inquérito sobre o caso com o argumento de “ampliar a colaboração federal”. Depois, o caso acabou sendo federalizado após delação do ex-PM Ronnie Lessa, acusado de executar a vereadora e seu motorista, que apontou o deputado federal Chiquinho Brazão como um dos mandantes do crime. A entrada da PF no caso começou a desenrolar um dos principais entraves do caso: a apuração sobre quem mandou matar a vereadora. Há uma percepção de que uma maior capilarização da PF poderia auxiliar em casos complexos e desbaratar quadrilhas que atuam em mais de um Estado.

Crivo dos governadores

O aumento do escopo da PF é visto pelos membros do governo como um dos pontos mais sensíveis da proposta e que pode gerar contrariedade entre alguns governadores na reunião desta quinta-feira. Eles poderiam encarar a medida como um enfraquecimento das polícias militares, sob comando dos Estados. O governo federal pretende adotar um tom de conciliação e mostrar disposição em analisar as sugestões que venham dos gestores estaduais.

Entre alguns governadores, como a de Pernambuco, Raquel Lyra (PSDB), e do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB), existe uma pré-disposição favorável ao projeto, principalmente em relação à ampliação das competências da PF e da PRF. Eles entendem ser necessário maior presença de forças federais no combate ao crime organizado. Fátima Bezerra (PT-RN) chama a conversa de oportuna e diz ser fundamental integrar o Sistema Único de Segurança Público à Constituição.

“Para termos um enfrentamento eficaz (ao crime organizado), é imperativo muita integração, sinergia e cooperação entre as forças de segurança nos planos estadual, regional e nacional, respeitando a autonomia prevista em lei”, afirmou ao Estadão.

Outros mandatários, porém, não devem ter o mesmo entendimento. O governo Lula tem tido dificuldade em estabelecer diálogo com Santa Catarina, por exemplo, na área da segurança pública.

O governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União), confirmou sua ida ao encontro, mas disse ser contra a proposta. “Sou contra, até porque até hoje nunca publicaram o texto da PEC. Fica evidente e claro o interesse de intervenção nos Estados. (Lula) quer fazer reunião para dizer que todos concordam com a ideia e depois vem com o texto. Esperteza”, declarou ao Estadão. “Se for pra propor uma PEC que seja para transferir aos Estados as prerrogativas de legislar sobre legislação penal e penitenciária”.

O Consórcio do Nordeste, que reúne os nove governadores da região, devem se reunir nesta quinta-feira antes do encontro com Lula para deliberar uma posição conjunta. O bloco é liderado por Fátima Bezerra (RN).

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) se antecipou para desgastar o projeto junto ao seu público. Na segunda-feira, ele publicou nas redes sociais que a PEC, se aprovada, vai impedir as Polícias Militares de combater o crime — o que está fora do escopo do texto, que não prevê interferência nas atribuições estaduais.

A equipe do ministro Lewandowski considera fundamental que a PEC garanta meios para que haja integração entre os Estados e a União no combate ao crime. Isso inclui não só maior participação da PF, mas também integração dos sistemas de dados das polícias. A medida viabilizará a uniformização de boletins de ocorrência e certidões emitidas pelo sistema. Uma das preocupações é que atualmente uma pessoa pode emitir, por exemplo, um atestado de nada consta que desconsidere crimes cometidos em outros Estados.

Tornar o SUSP Constitucional permitiria ao governo, por exemplo, estabelecer diretrizes sobre a política penitenciária no Brasil, a exemplo dos protocolos fixados pelo Ministério da Saúde no âmbito SUS, de modo que as medidas tenham que ser seguidas pelos entes.

Como o Estadão mostrou, o governo quer ainda que a Polícia Rodoviária Federal (PRF) atue no patrulhamento de hidrovias e ferrovias. Outro ponto de interesse é ter respaldo para unificar dados sobre homicídios e apreensão de drogas. Atualmente, não há um dado nacional calculado pelo Executivo. Entre as principais estatísticas utilizadas estão os dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública.

A PEC cria ainda um fundo para a área a partir da unificação do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP) e do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen), com a determinação de que os recursos não poderão ser contingenciados.

BRASÍLIA – A Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que pretende alterar a estrutura da segurança pública será apresentada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva a governadores nesta quinta-feira, 31. O tema, no entanto, estava emperrado no governo desde junho. Preocupação com as eleições, receio de trazer o problema para o colo de Lula e resistência em ampliar as atribuições da Polícia Federal compõem a equação que travou o andamento da PEC no governo.

A PEC da Segurança, elaborada pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública, quer incluir na Constituição o Sistema Único de Segurança Pública (SUSP), uma espécie de “SUS” da área. A intenção do ministro Ricardo Lewandowski é criar base legal para que a União possa emitir diretrizes para todo o sistema de segurança, integrar dados e promover atuação conjunta das polícias estaduais e da PF. Atualmente, a Constituição atribui aos Estados a responsabilidade sobre a segurança pública.

O ministro da Justiça, Ricardo Lewandowski, enviou ao presidente Lula proposta de emenda constitucional sobre segurança pública Foto: wilton junior/Estadão

Apesar da urgência do tema, a PEC ficou cerca de quatro meses na Casa Civil. Segundo fontes do Planalto, havia uma avaliação de que era preciso evitar o tema antes das eleições municipais por se tratar de um assunto polêmico e complexo, que poderia trazer impactos negativos. Somou-se a isso o fato de que desde o início, Lula havia manifestado a intenção de discutir a questão com todos os governadores antes de sacramentar a proposta a ser enviada ao congresso. O tema foi retomado pelo presidente nesta quinta, quatro dias após o segundo turno das eleições.

Além da falta de timing político, segundo fontes, havia uma avaliação do Planalto de que a PEC poderia trazer para o colo de Lula um problema que hoje é oficialmente dos Estados. Por outro lado, membros do governo favoráveis ao texto argumentavam que o problema já está posto.

Desde o início do mandato, Lula tem sido mal avaliado por sua atuação na área da segurança pública. Pesquisa AtlasIntel realizada em agosto mostrou que a área era avaliada como ruim ou péssima por 55% dos eleitores brasileiros. A área está entre os piores desempenhos da gestão petista, na opinião da população. A queda de braço em torno da PEC foi mais um elemento de tensão entre Lewandowski e o ministro da Casa Civil, Rui Costa.

Outro ponto sensível da discussão seria o fato de a PEC autorizar que a PF possa agir em qualquer tipo de caso onde haja atuação do mesmo grupo criminoso (incluindo milícias privadas) em mais de um Estado, assim a corporação não ficaria restrita a crimes de competência federal. De acordo com fontes, Na Casa Civil, haveria receio de ampliar demais os poderes da PF.

Em nota ao Estadão, a pasta negou a divergência sobre as atribuições da PF. A Casa Civil afirmou ainda que “não é verdadeira a informação de que o tema está parado na Casa Civil desde junho.” E argumentou que a proposta está em análise, sendo tema de reuniões de equipes técnicas ao longo dos meses. “Os temas contemplados na PEC têm complexidades que exigem análise aprofundada”, disse.

Nos bastidores, um dos exemplos citados para justificar a necessidade de maior abragência da Polícia Federal é a investigação do assassinato da vereadora Marielle Franco e seu motorista Anderson Gomes. A procuradora-geral da República na época, Raquel Dodge, chegou a pedir a federalização do caso, o que foi negado pela Justiça.

O caso só veio para a alçada da PF durante o governo Lula, quando o então ministro da Justiça e Segurança Pública, Flávio Dino, determinou à PF que abrissem um inquérito sobre o caso com o argumento de “ampliar a colaboração federal”. Depois, o caso acabou sendo federalizado após delação do ex-PM Ronnie Lessa, acusado de executar a vereadora e seu motorista, que apontou o deputado federal Chiquinho Brazão como um dos mandantes do crime. A entrada da PF no caso começou a desenrolar um dos principais entraves do caso: a apuração sobre quem mandou matar a vereadora. Há uma percepção de que uma maior capilarização da PF poderia auxiliar em casos complexos e desbaratar quadrilhas que atuam em mais de um Estado.

Crivo dos governadores

O aumento do escopo da PF é visto pelos membros do governo como um dos pontos mais sensíveis da proposta e que pode gerar contrariedade entre alguns governadores na reunião desta quinta-feira. Eles poderiam encarar a medida como um enfraquecimento das polícias militares, sob comando dos Estados. O governo federal pretende adotar um tom de conciliação e mostrar disposição em analisar as sugestões que venham dos gestores estaduais.

Entre alguns governadores, como a de Pernambuco, Raquel Lyra (PSDB), e do Espírito Santo, Renato Casagrande (PSB), existe uma pré-disposição favorável ao projeto, principalmente em relação à ampliação das competências da PF e da PRF. Eles entendem ser necessário maior presença de forças federais no combate ao crime organizado. Fátima Bezerra (PT-RN) chama a conversa de oportuna e diz ser fundamental integrar o Sistema Único de Segurança Público à Constituição.

“Para termos um enfrentamento eficaz (ao crime organizado), é imperativo muita integração, sinergia e cooperação entre as forças de segurança nos planos estadual, regional e nacional, respeitando a autonomia prevista em lei”, afirmou ao Estadão.

Outros mandatários, porém, não devem ter o mesmo entendimento. O governo Lula tem tido dificuldade em estabelecer diálogo com Santa Catarina, por exemplo, na área da segurança pública.

O governador de Goiás, Ronaldo Caiado (União), confirmou sua ida ao encontro, mas disse ser contra a proposta. “Sou contra, até porque até hoje nunca publicaram o texto da PEC. Fica evidente e claro o interesse de intervenção nos Estados. (Lula) quer fazer reunião para dizer que todos concordam com a ideia e depois vem com o texto. Esperteza”, declarou ao Estadão. “Se for pra propor uma PEC que seja para transferir aos Estados as prerrogativas de legislar sobre legislação penal e penitenciária”.

O Consórcio do Nordeste, que reúne os nove governadores da região, devem se reunir nesta quinta-feira antes do encontro com Lula para deliberar uma posição conjunta. O bloco é liderado por Fátima Bezerra (RN).

O ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) se antecipou para desgastar o projeto junto ao seu público. Na segunda-feira, ele publicou nas redes sociais que a PEC, se aprovada, vai impedir as Polícias Militares de combater o crime — o que está fora do escopo do texto, que não prevê interferência nas atribuições estaduais.

A equipe do ministro Lewandowski considera fundamental que a PEC garanta meios para que haja integração entre os Estados e a União no combate ao crime. Isso inclui não só maior participação da PF, mas também integração dos sistemas de dados das polícias. A medida viabilizará a uniformização de boletins de ocorrência e certidões emitidas pelo sistema. Uma das preocupações é que atualmente uma pessoa pode emitir, por exemplo, um atestado de nada consta que desconsidere crimes cometidos em outros Estados.

Tornar o SUSP Constitucional permitiria ao governo, por exemplo, estabelecer diretrizes sobre a política penitenciária no Brasil, a exemplo dos protocolos fixados pelo Ministério da Saúde no âmbito SUS, de modo que as medidas tenham que ser seguidas pelos entes.

Como o Estadão mostrou, o governo quer ainda que a Polícia Rodoviária Federal (PRF) atue no patrulhamento de hidrovias e ferrovias. Outro ponto de interesse é ter respaldo para unificar dados sobre homicídios e apreensão de drogas. Atualmente, não há um dado nacional calculado pelo Executivo. Entre as principais estatísticas utilizadas estão os dados do Anuário Brasileiro de Segurança Pública.

A PEC cria ainda um fundo para a área a partir da unificação do Fundo Nacional de Segurança Pública (FNSP) e do Fundo Penitenciário Nacional (Funpen), com a determinação de que os recursos não poderão ser contingenciados.

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