Nunes bate o recorde em liberação de emendas, mas parte do orçamento fica secreta


Prefeito de São Paulo autorizou, em 2022, a execução de R$ 263,7 milhões em ações definidas pela Câmara Municipal; Casa Civil não divulga como 6% do total foram aplicados

Por Adriana Ferraz e Natália Santos
Atualização:

O volume de emendas parlamentares liberadas pelo prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), bateu recorde. Foram R$ 263,7 milhões em 2022 – o maior montante destinado a vereadores em sete anos –, de acordo com levantamento do Estadão. Parte das verbas constitui um orçamento secreto, que, segundo a descrição divulgada pela Prefeitura, foi destinada a “obras”, “melhorias nos bairros”, “eventos” e “aquisição de insumos”, entre outras rubricas. Não é possível saber, no entanto, quais “obras”, “melhorias”, “eventos” ou “aquisições” foram feitas com as emendas dos vereadores.

O aumento em relação a 2021, quando foram autorizados R$ 200,4 milhões, é de 30%. Ocupantes das 55 cadeiras da Câmara Municipal costumam divulgar os feitos em redutos eleitorais. Os vereadores usam faixas, cartazes ou folders eletrônicos, em redes sociais, com menção à destinação das emendas para uma determinada ação nos bairros. Porém, falta clareza na forma como as verbas são investidas, o que dificulta o acompanhamento pelos cidadãos do uso do dinheiro público.

Prefeito Ricardo Nunes (MDB), no centro, levanta documento de sanção de projeto de lei aprovado por vereadores rodeado de alguns deles em agenda na capital Foto: ANDRE BUENO / REDE CÂMARA SP
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O Estadão detectou que 6% do total das emendas liberadas no ano passado – R$ 26,9 milhões – caiu em uma espécie de limbo da transparência. Oriundo da Câmara, onde exerceu dois mandatos antes de assumir a Prefeitura após a morte de Bruno Covas (PSDB), em 2021, Nunes cumpre à risca a liberação das emendas, mesmo sem execução obrigatória na capital. O atual governo é chamado de “gestão parlamentarista”. A Prefeitura diz, em nota, cumprir a lei, de forma transparente.

No entanto, para descobrir como foi usado o recurso destinado a “eventos”, por exemplo, a orientação oficial da gestão Nunes é para que o munícipe registre um pedido por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI) na internet, processo que pode demorar até 30 dias. Porém, a via-sacra pelo dado começa antes, na busca pelo código da emenda, número cadastrado no Sistema Eletrônico de Informações (SEI) da Prefeitura.

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Para se chegar até o SEI, o caminho é acessar o site da Secretaria da Casa Civil, que, por sua vez, não tem nenhum link direto para a área relativa às emendas parlamentares. Nessa altura da pesquisa, pode-se fazer uma busca pela palavra ou abrir cada aba para descobrir emendas sob o guarda-chuva da Coordenadoria de Ações Municipais (CAM). Na sequência, listas por ano mostram os empenhos liberados, mas sem a possibilidade de pesquisa avançada por partido ou parlamentar.

Vitrine

Enquanto há obstáculos para acompanhar a aplicação dos R$ 5 milhões anuais aos quais os vereadores têm direito de manejar no orçamento com custeio de equipamentos públicos, ações de zeladoria e contratações artísticas, entre outras dotações possíveis, há vereadores que divulgam todas as agendas externas nas redes sociais. É o caso de Edir Sales (PSD).

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A vereadora Edir Sales (PSD), no centro, participa da festa de aniversário do bairro Teotônio Vilela, na zona sul da capital, em setembro de 2022. Foto: Reproducao - Facebook Edir Sales

Em 2022, a parlamentar destinou quase R$ 600 mil para “apoio à realização de eventos na cidade de São Paulo”. Nem a vereadora nem a Prefeitura explicam de maneira transparente como a verba foi gasta. Sem ter acesso a uma lista detalhada das emendas, a reportagem questionou a assessoria da vereadora sobre a festa de aniversário do bairro Teotônio Vilela, na zona sul. Nas fotos, ela posa diante de uma faixa de apoio estendida na entrada do mercado municipal, mas, segundo seu gabinete, o evento não contou com emenda.

Outros R$ 2,1 milhões foram usados em infraestrutura do esporte amador, campeonatos de skate e luta-livre e equipamentos de ginástica. Como já revelado em 2020 pelo Estadão, o investimento prioritário dos vereadores tem sido o custeio de eventos esportivos, culturais e festas de bairro. No ano passado, praticamente todos os colegas da vereadora destinaram recursos para “revitalização de campo de futebol”, “ampliação de atendimento do SUS” e outros tantos gastos secretos.

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O repasse se acentuou e chegou a quase R$ 200 milhões em 2021 e 2022 às mais variadas competições, shows musicais, produções audiovisuais, desfiles de moda e até mesmo locação de autódromo, entre eles o de Interlagos, para a promoção de eventos privados. É o que fez, de forma recorrente, o vereador Sidney Cruz (Solidariedade), no ano passado. Foram R$ 325 mil em nove aluguéis. A maior parte dos vereadores propagandeia, assim como Edir, as realizações dos mandatos. De acordo com eles, a publicidade dá transparência à função, além de servir como uma espécie de prestação de contas.

No quesito falta de transparência, há exceções. Segundo o site da Casa Civil, o vereador Fernando Holiday (Novo) é um dos poucos que especificam para onde vai o dinheiro das emendas. O parlamentar inclui até o CNPJ da instituição contemplada, como o da Fundação Oswaldo Cruz, responsável pela gestão do Hospital do Rim e contemplada com R$ 500 mil para a aquisição de equipamentos. Já Bombeiro Major Palumbo (PP) chega a citar o termo de convênio com o Corpo de Bombeiros que resultou no repasse de R$ 2 milhões em emendas para compra de veículos novos.

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‘Parlamentarismo’

Pelas regras, os parlamentares podem dividir a cota milionária como desejarem. Há quem opte por priorizar a execução de uma ação específica, mais cara, e outros pulverizam os valores. Em 2022, por exemplo, Gilson Barreto (PSDB) destinou R$ 3 milhões para a compra de equipamentos para ampliar a capacidade de atendimento da Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD). Foi a emenda mais alta liberada pela Prefeitura, mas sem o detalhamento de quais produtos foram adquiridos nem para qual unidade da rede.

Com estratégia oposta, o vereador Toninho Vespoli (PSOL) aprovou a indicação de R$ 1,5 mil para ajudar a pagar a festa de 30 anos do Grêmio Vila Industrial. Seus colegas de partido costumam adotar a mesma prática: reduzir o valor da emenda para atender a um número maior de demandas. Assim como os parlamentares de outros partidos, os vereadores do PSOL, que fazem oposição a Nunes, têm sido atendidos. “Mas, no nosso caso, o que percebemos é que as emendas demoram mais a serem executadas”, disse Silvia Ferraro (PSOL).

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Faixa de agradecimento ao vereador Antonio Donato (PT) em frente à obra paga com emenda do parlamentar, hoje deputado estadual, no Parque São Domingos, na zona norte de SP Foto: Reproducao -Facebook Antonio Donato

Na comparação com os dois primeiros anos da gestão passada (João Doria/Covas), o atual governo aumentou em 40% a liberação de verbas parlamentares. Segundo especialistas, os dados mostram a influência da Câmara no dia a dia da cidade e, ao mesmo tempo, a dependência do Executivo em relação ao apoio do Legislativo.

“Como ex-vereador, Nunes sabe o impacto das emendas para os parlamentares em seus redutos e também sabe que é esse apoio que pode ajudá-lo a se tornar mais conhecido entre os eleitores. Mais do que qualquer outro, ele precisa dessa visibilidade agora”, disse o cientista político Rodrigo Prando, da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Já o presidente da Câmara, Milton Leite (União Brasil), afirmou que a construção do orçamento é tarefa conjunta entre Legislativo e Executivo. “Esse mecanismo de destinar recursos por meio das emendas é, além dos projetos de lei, uma forma que os parlamentares têm de transformar as realidades locais. Portanto, ao cumprir o que foi definido no orçamento, o prefeito, que é ex-vereador, também reconhece a importância do papel da Câmara na definição das prioridades da cidade”, afirmou.

Discricionariedade

Em nota, a gestão Nunes afirmou que cumpre a legislação. Segundo a Prefeitura, “é justamente a discricionariedade de escolha do legislador – que pode alocar recursos para uma ação muito específica, como a reforma de uma praça, ou abrangente, como destinar recursos a políticas de segurança alimentar – que levam a uma ausência de padronização no nível de detalhamento, sempre constando o objeto ao qual se destina o recurso”.

De acordo com a administração municipal, “todo o processo de emenda é transparente e acessível”. No caso de a emenda ter sido classificada como atendimento a eventos ou obras, a Prefeitura afirmou que sua execução específica pode ser solicitada por meio do E-SIC, o portal eletrônico usado pela administração para o registro e tratamentos dos pedidos de acesso à informação. Após questionamento do Estadão sobre os dados deste ano, a Prefeitura publicou a lista de emendas liberadas desde janeiro. O total está em R$ 83 milhões e, assim como nos anos anteriores, parte das informações segue sem detalhamento.

O volume de emendas parlamentares liberadas pelo prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), bateu recorde. Foram R$ 263,7 milhões em 2022 – o maior montante destinado a vereadores em sete anos –, de acordo com levantamento do Estadão. Parte das verbas constitui um orçamento secreto, que, segundo a descrição divulgada pela Prefeitura, foi destinada a “obras”, “melhorias nos bairros”, “eventos” e “aquisição de insumos”, entre outras rubricas. Não é possível saber, no entanto, quais “obras”, “melhorias”, “eventos” ou “aquisições” foram feitas com as emendas dos vereadores.

O aumento em relação a 2021, quando foram autorizados R$ 200,4 milhões, é de 30%. Ocupantes das 55 cadeiras da Câmara Municipal costumam divulgar os feitos em redutos eleitorais. Os vereadores usam faixas, cartazes ou folders eletrônicos, em redes sociais, com menção à destinação das emendas para uma determinada ação nos bairros. Porém, falta clareza na forma como as verbas são investidas, o que dificulta o acompanhamento pelos cidadãos do uso do dinheiro público.

Prefeito Ricardo Nunes (MDB), no centro, levanta documento de sanção de projeto de lei aprovado por vereadores rodeado de alguns deles em agenda na capital Foto: ANDRE BUENO / REDE CÂMARA SP

O Estadão detectou que 6% do total das emendas liberadas no ano passado – R$ 26,9 milhões – caiu em uma espécie de limbo da transparência. Oriundo da Câmara, onde exerceu dois mandatos antes de assumir a Prefeitura após a morte de Bruno Covas (PSDB), em 2021, Nunes cumpre à risca a liberação das emendas, mesmo sem execução obrigatória na capital. O atual governo é chamado de “gestão parlamentarista”. A Prefeitura diz, em nota, cumprir a lei, de forma transparente.

No entanto, para descobrir como foi usado o recurso destinado a “eventos”, por exemplo, a orientação oficial da gestão Nunes é para que o munícipe registre um pedido por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI) na internet, processo que pode demorar até 30 dias. Porém, a via-sacra pelo dado começa antes, na busca pelo código da emenda, número cadastrado no Sistema Eletrônico de Informações (SEI) da Prefeitura.

Para se chegar até o SEI, o caminho é acessar o site da Secretaria da Casa Civil, que, por sua vez, não tem nenhum link direto para a área relativa às emendas parlamentares. Nessa altura da pesquisa, pode-se fazer uma busca pela palavra ou abrir cada aba para descobrir emendas sob o guarda-chuva da Coordenadoria de Ações Municipais (CAM). Na sequência, listas por ano mostram os empenhos liberados, mas sem a possibilidade de pesquisa avançada por partido ou parlamentar.

Vitrine

Enquanto há obstáculos para acompanhar a aplicação dos R$ 5 milhões anuais aos quais os vereadores têm direito de manejar no orçamento com custeio de equipamentos públicos, ações de zeladoria e contratações artísticas, entre outras dotações possíveis, há vereadores que divulgam todas as agendas externas nas redes sociais. É o caso de Edir Sales (PSD).

A vereadora Edir Sales (PSD), no centro, participa da festa de aniversário do bairro Teotônio Vilela, na zona sul da capital, em setembro de 2022. Foto: Reproducao - Facebook Edir Sales

Em 2022, a parlamentar destinou quase R$ 600 mil para “apoio à realização de eventos na cidade de São Paulo”. Nem a vereadora nem a Prefeitura explicam de maneira transparente como a verba foi gasta. Sem ter acesso a uma lista detalhada das emendas, a reportagem questionou a assessoria da vereadora sobre a festa de aniversário do bairro Teotônio Vilela, na zona sul. Nas fotos, ela posa diante de uma faixa de apoio estendida na entrada do mercado municipal, mas, segundo seu gabinete, o evento não contou com emenda.

Outros R$ 2,1 milhões foram usados em infraestrutura do esporte amador, campeonatos de skate e luta-livre e equipamentos de ginástica. Como já revelado em 2020 pelo Estadão, o investimento prioritário dos vereadores tem sido o custeio de eventos esportivos, culturais e festas de bairro. No ano passado, praticamente todos os colegas da vereadora destinaram recursos para “revitalização de campo de futebol”, “ampliação de atendimento do SUS” e outros tantos gastos secretos.

O repasse se acentuou e chegou a quase R$ 200 milhões em 2021 e 2022 às mais variadas competições, shows musicais, produções audiovisuais, desfiles de moda e até mesmo locação de autódromo, entre eles o de Interlagos, para a promoção de eventos privados. É o que fez, de forma recorrente, o vereador Sidney Cruz (Solidariedade), no ano passado. Foram R$ 325 mil em nove aluguéis. A maior parte dos vereadores propagandeia, assim como Edir, as realizações dos mandatos. De acordo com eles, a publicidade dá transparência à função, além de servir como uma espécie de prestação de contas.

No quesito falta de transparência, há exceções. Segundo o site da Casa Civil, o vereador Fernando Holiday (Novo) é um dos poucos que especificam para onde vai o dinheiro das emendas. O parlamentar inclui até o CNPJ da instituição contemplada, como o da Fundação Oswaldo Cruz, responsável pela gestão do Hospital do Rim e contemplada com R$ 500 mil para a aquisição de equipamentos. Já Bombeiro Major Palumbo (PP) chega a citar o termo de convênio com o Corpo de Bombeiros que resultou no repasse de R$ 2 milhões em emendas para compra de veículos novos.

‘Parlamentarismo’

Pelas regras, os parlamentares podem dividir a cota milionária como desejarem. Há quem opte por priorizar a execução de uma ação específica, mais cara, e outros pulverizam os valores. Em 2022, por exemplo, Gilson Barreto (PSDB) destinou R$ 3 milhões para a compra de equipamentos para ampliar a capacidade de atendimento da Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD). Foi a emenda mais alta liberada pela Prefeitura, mas sem o detalhamento de quais produtos foram adquiridos nem para qual unidade da rede.

Com estratégia oposta, o vereador Toninho Vespoli (PSOL) aprovou a indicação de R$ 1,5 mil para ajudar a pagar a festa de 30 anos do Grêmio Vila Industrial. Seus colegas de partido costumam adotar a mesma prática: reduzir o valor da emenda para atender a um número maior de demandas. Assim como os parlamentares de outros partidos, os vereadores do PSOL, que fazem oposição a Nunes, têm sido atendidos. “Mas, no nosso caso, o que percebemos é que as emendas demoram mais a serem executadas”, disse Silvia Ferraro (PSOL).

Faixa de agradecimento ao vereador Antonio Donato (PT) em frente à obra paga com emenda do parlamentar, hoje deputado estadual, no Parque São Domingos, na zona norte de SP Foto: Reproducao -Facebook Antonio Donato

Na comparação com os dois primeiros anos da gestão passada (João Doria/Covas), o atual governo aumentou em 40% a liberação de verbas parlamentares. Segundo especialistas, os dados mostram a influência da Câmara no dia a dia da cidade e, ao mesmo tempo, a dependência do Executivo em relação ao apoio do Legislativo.

“Como ex-vereador, Nunes sabe o impacto das emendas para os parlamentares em seus redutos e também sabe que é esse apoio que pode ajudá-lo a se tornar mais conhecido entre os eleitores. Mais do que qualquer outro, ele precisa dessa visibilidade agora”, disse o cientista político Rodrigo Prando, da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Já o presidente da Câmara, Milton Leite (União Brasil), afirmou que a construção do orçamento é tarefa conjunta entre Legislativo e Executivo. “Esse mecanismo de destinar recursos por meio das emendas é, além dos projetos de lei, uma forma que os parlamentares têm de transformar as realidades locais. Portanto, ao cumprir o que foi definido no orçamento, o prefeito, que é ex-vereador, também reconhece a importância do papel da Câmara na definição das prioridades da cidade”, afirmou.

Discricionariedade

Em nota, a gestão Nunes afirmou que cumpre a legislação. Segundo a Prefeitura, “é justamente a discricionariedade de escolha do legislador – que pode alocar recursos para uma ação muito específica, como a reforma de uma praça, ou abrangente, como destinar recursos a políticas de segurança alimentar – que levam a uma ausência de padronização no nível de detalhamento, sempre constando o objeto ao qual se destina o recurso”.

De acordo com a administração municipal, “todo o processo de emenda é transparente e acessível”. No caso de a emenda ter sido classificada como atendimento a eventos ou obras, a Prefeitura afirmou que sua execução específica pode ser solicitada por meio do E-SIC, o portal eletrônico usado pela administração para o registro e tratamentos dos pedidos de acesso à informação. Após questionamento do Estadão sobre os dados deste ano, a Prefeitura publicou a lista de emendas liberadas desde janeiro. O total está em R$ 83 milhões e, assim como nos anos anteriores, parte das informações segue sem detalhamento.

O volume de emendas parlamentares liberadas pelo prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), bateu recorde. Foram R$ 263,7 milhões em 2022 – o maior montante destinado a vereadores em sete anos –, de acordo com levantamento do Estadão. Parte das verbas constitui um orçamento secreto, que, segundo a descrição divulgada pela Prefeitura, foi destinada a “obras”, “melhorias nos bairros”, “eventos” e “aquisição de insumos”, entre outras rubricas. Não é possível saber, no entanto, quais “obras”, “melhorias”, “eventos” ou “aquisições” foram feitas com as emendas dos vereadores.

O aumento em relação a 2021, quando foram autorizados R$ 200,4 milhões, é de 30%. Ocupantes das 55 cadeiras da Câmara Municipal costumam divulgar os feitos em redutos eleitorais. Os vereadores usam faixas, cartazes ou folders eletrônicos, em redes sociais, com menção à destinação das emendas para uma determinada ação nos bairros. Porém, falta clareza na forma como as verbas são investidas, o que dificulta o acompanhamento pelos cidadãos do uso do dinheiro público.

Prefeito Ricardo Nunes (MDB), no centro, levanta documento de sanção de projeto de lei aprovado por vereadores rodeado de alguns deles em agenda na capital Foto: ANDRE BUENO / REDE CÂMARA SP

O Estadão detectou que 6% do total das emendas liberadas no ano passado – R$ 26,9 milhões – caiu em uma espécie de limbo da transparência. Oriundo da Câmara, onde exerceu dois mandatos antes de assumir a Prefeitura após a morte de Bruno Covas (PSDB), em 2021, Nunes cumpre à risca a liberação das emendas, mesmo sem execução obrigatória na capital. O atual governo é chamado de “gestão parlamentarista”. A Prefeitura diz, em nota, cumprir a lei, de forma transparente.

No entanto, para descobrir como foi usado o recurso destinado a “eventos”, por exemplo, a orientação oficial da gestão Nunes é para que o munícipe registre um pedido por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI) na internet, processo que pode demorar até 30 dias. Porém, a via-sacra pelo dado começa antes, na busca pelo código da emenda, número cadastrado no Sistema Eletrônico de Informações (SEI) da Prefeitura.

Para se chegar até o SEI, o caminho é acessar o site da Secretaria da Casa Civil, que, por sua vez, não tem nenhum link direto para a área relativa às emendas parlamentares. Nessa altura da pesquisa, pode-se fazer uma busca pela palavra ou abrir cada aba para descobrir emendas sob o guarda-chuva da Coordenadoria de Ações Municipais (CAM). Na sequência, listas por ano mostram os empenhos liberados, mas sem a possibilidade de pesquisa avançada por partido ou parlamentar.

Vitrine

Enquanto há obstáculos para acompanhar a aplicação dos R$ 5 milhões anuais aos quais os vereadores têm direito de manejar no orçamento com custeio de equipamentos públicos, ações de zeladoria e contratações artísticas, entre outras dotações possíveis, há vereadores que divulgam todas as agendas externas nas redes sociais. É o caso de Edir Sales (PSD).

A vereadora Edir Sales (PSD), no centro, participa da festa de aniversário do bairro Teotônio Vilela, na zona sul da capital, em setembro de 2022. Foto: Reproducao - Facebook Edir Sales

Em 2022, a parlamentar destinou quase R$ 600 mil para “apoio à realização de eventos na cidade de São Paulo”. Nem a vereadora nem a Prefeitura explicam de maneira transparente como a verba foi gasta. Sem ter acesso a uma lista detalhada das emendas, a reportagem questionou a assessoria da vereadora sobre a festa de aniversário do bairro Teotônio Vilela, na zona sul. Nas fotos, ela posa diante de uma faixa de apoio estendida na entrada do mercado municipal, mas, segundo seu gabinete, o evento não contou com emenda.

Outros R$ 2,1 milhões foram usados em infraestrutura do esporte amador, campeonatos de skate e luta-livre e equipamentos de ginástica. Como já revelado em 2020 pelo Estadão, o investimento prioritário dos vereadores tem sido o custeio de eventos esportivos, culturais e festas de bairro. No ano passado, praticamente todos os colegas da vereadora destinaram recursos para “revitalização de campo de futebol”, “ampliação de atendimento do SUS” e outros tantos gastos secretos.

O repasse se acentuou e chegou a quase R$ 200 milhões em 2021 e 2022 às mais variadas competições, shows musicais, produções audiovisuais, desfiles de moda e até mesmo locação de autódromo, entre eles o de Interlagos, para a promoção de eventos privados. É o que fez, de forma recorrente, o vereador Sidney Cruz (Solidariedade), no ano passado. Foram R$ 325 mil em nove aluguéis. A maior parte dos vereadores propagandeia, assim como Edir, as realizações dos mandatos. De acordo com eles, a publicidade dá transparência à função, além de servir como uma espécie de prestação de contas.

No quesito falta de transparência, há exceções. Segundo o site da Casa Civil, o vereador Fernando Holiday (Novo) é um dos poucos que especificam para onde vai o dinheiro das emendas. O parlamentar inclui até o CNPJ da instituição contemplada, como o da Fundação Oswaldo Cruz, responsável pela gestão do Hospital do Rim e contemplada com R$ 500 mil para a aquisição de equipamentos. Já Bombeiro Major Palumbo (PP) chega a citar o termo de convênio com o Corpo de Bombeiros que resultou no repasse de R$ 2 milhões em emendas para compra de veículos novos.

‘Parlamentarismo’

Pelas regras, os parlamentares podem dividir a cota milionária como desejarem. Há quem opte por priorizar a execução de uma ação específica, mais cara, e outros pulverizam os valores. Em 2022, por exemplo, Gilson Barreto (PSDB) destinou R$ 3 milhões para a compra de equipamentos para ampliar a capacidade de atendimento da Associação de Assistência à Criança Deficiente (AACD). Foi a emenda mais alta liberada pela Prefeitura, mas sem o detalhamento de quais produtos foram adquiridos nem para qual unidade da rede.

Com estratégia oposta, o vereador Toninho Vespoli (PSOL) aprovou a indicação de R$ 1,5 mil para ajudar a pagar a festa de 30 anos do Grêmio Vila Industrial. Seus colegas de partido costumam adotar a mesma prática: reduzir o valor da emenda para atender a um número maior de demandas. Assim como os parlamentares de outros partidos, os vereadores do PSOL, que fazem oposição a Nunes, têm sido atendidos. “Mas, no nosso caso, o que percebemos é que as emendas demoram mais a serem executadas”, disse Silvia Ferraro (PSOL).

Faixa de agradecimento ao vereador Antonio Donato (PT) em frente à obra paga com emenda do parlamentar, hoje deputado estadual, no Parque São Domingos, na zona norte de SP Foto: Reproducao -Facebook Antonio Donato

Na comparação com os dois primeiros anos da gestão passada (João Doria/Covas), o atual governo aumentou em 40% a liberação de verbas parlamentares. Segundo especialistas, os dados mostram a influência da Câmara no dia a dia da cidade e, ao mesmo tempo, a dependência do Executivo em relação ao apoio do Legislativo.

“Como ex-vereador, Nunes sabe o impacto das emendas para os parlamentares em seus redutos e também sabe que é esse apoio que pode ajudá-lo a se tornar mais conhecido entre os eleitores. Mais do que qualquer outro, ele precisa dessa visibilidade agora”, disse o cientista político Rodrigo Prando, da Universidade Presbiteriana Mackenzie.

Já o presidente da Câmara, Milton Leite (União Brasil), afirmou que a construção do orçamento é tarefa conjunta entre Legislativo e Executivo. “Esse mecanismo de destinar recursos por meio das emendas é, além dos projetos de lei, uma forma que os parlamentares têm de transformar as realidades locais. Portanto, ao cumprir o que foi definido no orçamento, o prefeito, que é ex-vereador, também reconhece a importância do papel da Câmara na definição das prioridades da cidade”, afirmou.

Discricionariedade

Em nota, a gestão Nunes afirmou que cumpre a legislação. Segundo a Prefeitura, “é justamente a discricionariedade de escolha do legislador – que pode alocar recursos para uma ação muito específica, como a reforma de uma praça, ou abrangente, como destinar recursos a políticas de segurança alimentar – que levam a uma ausência de padronização no nível de detalhamento, sempre constando o objeto ao qual se destina o recurso”.

De acordo com a administração municipal, “todo o processo de emenda é transparente e acessível”. No caso de a emenda ter sido classificada como atendimento a eventos ou obras, a Prefeitura afirmou que sua execução específica pode ser solicitada por meio do E-SIC, o portal eletrônico usado pela administração para o registro e tratamentos dos pedidos de acesso à informação. Após questionamento do Estadão sobre os dados deste ano, a Prefeitura publicou a lista de emendas liberadas desde janeiro. O total está em R$ 83 milhões e, assim como nos anos anteriores, parte das informações segue sem detalhamento.

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