BRASÍLIA- Se a falta de impacto das enchentes no resultado das eleições de Porto Alegre chamou atenção, o mesmo não aconteceu em algumas cidades do interior do Estado, no Vale do Taquari. Municípios duramente atingidos pelas chuvas, como Estrela, Arroio do Meio e Roca Sales, viram os atuais prefeitos ou candidatos apoiados por eles não se elegerem no pleito de domingo.
Entre os derrotados, a visão é de que a catástrofe que assolou os municípios gaúchos teve influência decisiva em parte do eleitorado, que encarou como ineficiente a resposta à situação. De acordo com analistas, uma possível explicação para o comportamento está na hipótese de que o eleitor considerou mais a postura diante da crise do que o planejamento para evitá-la.
Uma das cidades mais afetadas pelas enchentes, Arroio do Meio não reelegeu o prefeito Danilo Bruxel (PP). O atual gestor recebeu apenas 33,21% dos votos e perdeu para o candidato Sidnei Eckert (MDB), que obteve 48,62%. A enxurrada de maio devastou bairros inteiros, derrubou pontes, e dificultou o acesso à cidade de 20 mil habitantes.
Cinco meses depois, ainda há cerca de 100 pessoas em abrigos e foram construídas, segundo o prefeito, 60 casas provisórias. As habitações permanentes, financiadas pelo “Minha Casa, Minha Vida”, ainda estão longe de serem entregues. Na visão de Bruxel, prefeito derrotado nas urnas, a população não entende a demora dos trâmites, o que acabou selando seu destino na eleição.
“Para ser oposição não tinha coisa mais fácil, porque muita coisa não foi resolvida ainda, está só encaminhada. Tenho certeza absoluta que isso (a chuva) influenciou muito nessa eleição”, afirmou Bruxel.
O prefeito afirmou que a cidade receberá 800 novas casas, mas a construção ainda não foi iniciada. Por enquanto, as famílias estão em moradias provisórias e abrigos. Além disso, a cidade ainda enfrenta dificuldades na reconstrução das pontes que foram derrubadas pela enchente.
“Falaram que se estivessem como prefeito já tinham dado casa para as famílias, as pontes já estariam reconstruídas. Foi muito difícil fazer a campanha e precisar justificar que estava encaminhado, que iria acontecer, mas as pessoas são muito imediatistas”, lamentou.
Em seu terceiro mandato, Bruxel não conseguiu vencer a chuva para ir à quarta gestão. Ele afirma que a prefeitura mantém o pagamento de aluguel social para algumas famílias, o que não tem sido suficiente. “Nenhuma casa na região foi construída. Quem mais tem moradias provisórias somos nós. E mesmo assim as pessoas querem as casas definitivas”, diz.
Em Estrela, no Vale do Taquari, o prefeito Elmar Schneider (MDB) também não conseguiu ser reeleito. Ele teve 27,32% dos votos e acabou sendo derrotado por Carine Schwingel (UNIÃO), que somou 35,87%. Segundo moradores, as ações de reconstrução da cidade deixaram a desejar. A cidade tem como um de seus alicerces a atividade agropecuária, que foi prejudicada pelas enchentes, fazendo com que muitas famílias perdessem o sustento.
Presidente do Sindicato dos Trabalhadores Rurais de Estrela, Rogério Heemann, afirma que os agricultores da cidade ainda sofrem com para recuperar suas terras para plantio. Segundo ele, a prefeitura não tem atendido à demanda por máquinas para limpeza dos terrenos.
“A prefeitura deu as costas para os agricultores, deixa muito a desejar na parte rural”, disse. “Tem muitas dunas de areia, o pessoal não consegue trabalhar, entrar com as máquinas, afunda. Tem muito resto de material de construção, que ficou nas estradas.”
O Estadão entrou em contato com o prefeito Elmar Schneider, mas não conseguiu falar até o momento.
Na mesma região, em Roca Sales o prefeito Amilton Fontana (MDB) não conseguiu eleger seu sucessor. O prefeito apoiou o candidato Bayard (MDB) que conquistou 34,93%, perdendo para Mazinho (PP), que obteve 52,43%.
Assim como Arroio do Meio e Estrela, Roca Sales teve parte da cidade devastada pelas chuvas, fazendo com que muitas famílias perdessem tudo pela segunda vez. Roca Sales registrou o segundo maior número de mortes nas enchentes de maio, com 14 óbitos, atrás apenas de Canoas (31). Antes da enchente de maio, a cidade já tinha sofrido com temporais em setembro do ano passado, quando outras 13 pessoas morreram.
“Acredito que tudo isso prejudicou muito, porque o tempo das pessoas não é o mesmo que o poder público tem. Todo mundo precisa para ontem e o município tem a questão burocrática, então a gente não consegue atender no tempo que as pessoas precisam”, afirma o prefeito Amilton Fontana, acrescentando que até o momento nenhuma casa foi entregue, apenas moradias provisórias.
Embora alguns municípios tenham barrado a reeleição de seus prefeitos ou a eleição de candidatos apoiados pelos atuais gestores, houve casos em que o atual mandatário teve ampla maioria de votos. Foi o que aconteceu em Muçum, também no Vale do Taquari, que também sofreu com três enchentes desde o ano passado. Na primeira, em setembro de 2023, foram 18 mortos.
O atual prefeito da cidade, Mateus Trojan (MDB) foi reeleito com 80,82% dos votos, deixando para trás o adversário Marcos Bastiani (PSDB), que obteve 19,18% da preferência. Ao Estadão, Mateus explicou que a agilidade em oferecer soluções à questão da moradia foi importante na resposta à crise no município.
“Adotamos a política do aluguel social, o que nos fez zerar os abrigos rapidamente, e estamos com três áreas para loteamentos habitacionais em obras, além de ter uma quarta área em negociação de desapropriação”, disse.
Ele afirma que a cidade já iniciou a construção das casas definitivas e que as primeiras 63 devem ser entregues a partir de janeiro. No total, serão 360 casas para atender às pessoas que vivem na mancha de inundação.
Cientista político e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS), Paulo Peres levanta algumas hipóteses para explicar o comportamento do eleitorado diante da tragédia climática no Estado.
“Uma possível explicação é o fato de que os eleitores, em geral, talvez tenham valorizado mais como o prefeito agiu no momento da crise do que olhar para trás e culpar responsabilidade por ter chegado ali”, explica. “ Se os prefeitos conseguiram fazer uma comunicação no sentido de mostrar que estavam ali, agindo, presentes, apareciam nos lugares, deram entrevistas, os eleitores tiveram essa percepção de que na tragédia contaram com o prefeito.”
Em Porto Alegre, rejeição à oposição atrapalhou discurso
Na região metropolitana, o comportamento do eleitor teve características variadas. Em Eldorado do Sul, a cidade que foi mais atingida proporcionalmente pelas cheias, foi eleita Juliana Carvalho (PSDB) com 50,91%. Ela bateu Fabiano Pires (MDB), apoiado pelo partido do atual prefeito Ernani Gonçalves (PDT).
Já em Porto Alegre, o atual prefeito, Sebastião Melo (MDB), quase levou a eleição no 1º turno, com 49,72% dos votos. O desempenho chamou atenção sobretudo pelo fato de a cidade ter sido fortemente atingida pelas enchentes, fato que poderia ter se revertido em rejeição a Melo nas urnas, o que não aconteceu.
Na época, o sistema de bombas da cidade colapsou, o que foi atribuído à falta de manutenção por parte da prefeitura. No pico da crise, apenas quatro das 23 casas de bomba da cidade funcionavam. Bairros inteiros ficaram sob as águas, incluindo a interdição do aeroporto Salgado Filho, principal do Estado.
Na época, o Estadão mostrou que no próprio Plano de Metas, a prefeitura de Porto Alegre reconhecia que o sistema opera abaixo da capacidade, com a meta de apenas mantê-lo no padrão do início da gestão, de 85%.
O Sociólogo e professor de Direito da PUC-RS, Rodrigo Azevedo, analisa que outros fatores colaboraram para que a crise não respingasse na imagem de Sebastião Melo, como a falta de credibilidade de sua adversária direta, Maria do Rosário (PT), junto aos eleitores da capital. Ele afirma que houve dificuldade por parte dos opositores de convencer os eleitores a respeito da responsabilidade de Melo nesse cenário.
“Talvez tenha ficado parecendo para o eleitorado algo muito oportunista tentar impor ao prefeito responsabilidade que era, de uma certa forma, incontrolável pela dimensão que teve em termos naturais. Talvez isso pudesse ser melhor discutido se houvesse mais tempo, se os debates fossem mais aprofundados, mas a dinâmica eleitoral não permite isso e fica parecendo uma disputa entre narrativas opostas. E nesse sentido, por parte da esquerda, existe baixa credibilidade e alta rejeição”, disse.
Além da dificuldade da esquerda em emplacar a narrativa, Azevedo afirma que a campanha de Sebastião Melo foi eficiente em mostrar serviço após as enchentes. Mesmo nas áreas onde houve falhas claras da prefeitura, como no caso do sistema de bombas, a rejeição não colou.
“A campanha foi muito competente no sentido de demonstrar que tudo que estava ao alcance dele foi feito, especialmente depois da calamidade. Isso talvez tenha impactado esse eleitorado das regiões mais afetadas, porque ele estava presente, tinha recursos”, explica.