Prefeitos do ES e MG batem boca em grupo de WhatsApp por acordo de Mariana; ouça áudio


Ação em Londres coloca pressão para que poder público brasileiro chegue a novo entendimento com as mineradoras para reparar danos do rompimento da barragem ocorrido em 2015

Por Pedro Augusto Figueiredo
Atualização:

Quase oito anos após o rompimento da barragem de Fundão, que matou 19 pessoas em Mariana (MG), os danos ambientais e sociais causados pelos rejeitos de minério ainda não foram reparados. O acordo firmado em 2016 com as mineradoras, que criou a Fundação Renova para executar a reparação, foi insuficiente e agora o poder público discute novos termos e a destinação de mais de R$ 100 bilhões para financiar novas ações.

Na reta final da negociação, prevista para ser concluída até 5 de dezembro, áudios obtidos pelo Estadão mostram que um grupo de municípios impactados pela lama em Minas Gerais e no Espírito Santo rachou e os prefeitos trocaram ofensas, xingamentos e acusações no WhatsApp.

No Brasil, o governo federal e os dois Estados discutem a repactuação do acordo com as mineradoras Samarco e suas acionistas, Vale e BHP Billiton. O valor debatido não é revelado oficialmente, mas a indenização deve variar entre R$ 110 bilhões e R$ 120 bilhões. Para representar as cidades atingidas, foi criado o Consórcio Público para Defesa e Revitalização do Rio Doce (Coridoce), que representa 45 prefeituras mineiras e 7 prefeituras capixabas. A mediação do acordo é feita pelo Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6).

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Cena do desastre em Bento Rodrigues, distrito que foi destruído depois do rompimento da barragem da mineradora Samarco, em 2015. Foto: Márcio Fernandes / Estadão

Porém, diante da demora do processo no Brasil — somente a repactuação é discutida há quase três anos —, 46 municípios, 700 mil pessoas atingidas e 2.500 empresas, autarquias e instituições religiosas entraram com uma ação coletiva na Justiça do Reino Unido, em Londres, na qual pedem indenização de R$ 230 bilhões.

O julgamento está marcado para outubro de 2024, mas o advogado Tom Goodhead, CEO do escritório que representa os atingidos, afirma que é possível um acordo em março de 2024, o que pressiona o poder público brasileiro a chegar a uma solução antes disso.

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‘B... lá do Espírito Santo’, ‘vai tomar no c.’ e acusação de acordo particular com Zema

Este é o pano de fundo que levou à briga no grupo de WhatsApp do Coridoce. O Estadão obteve acesso a áudios no qual o prefeito de Baixo Guandu (ES), Lastênio Cardoso (Solidariedade), acusou o presidente da entidade, o prefeito de São José de Goiabal (MG), José Roberto Gariff Guimarães (PSB), o Beto, de tentar enfraquecer a ação na Justiça britânica a pedido do governo de Romeu Zema (Novo-MG).

O governo de Minas não é parte no processo em Londres e, portanto, não receberia recursos oriundos de um eventual acordo firmado na Inglaterra. O governo do Espírito Santo e o federal também não.

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“Ô seu Beto, pelo amor de Deus, você está entre o capeta ou Deus? Você ficar levando o pessoal para uma situação que você tem esse compromisso particular seu, que a gente não sabe qual é, junto com o governador, com deputado federal, tirando os prefeitos da ação inglesa, acho falta de respeito com todo mundo”, diz Lastênio no áudio.

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“Na ação inglesa, o povo vai receber. São 700 mil pessoas que vão receber. Essa repactuação hoje no Brasil, essa p…. que não funciona e não vai acontecer nunca, o povo não recebe um real. Nós estamos do lado do povo. Se você tiver contra o povo, problema de vocês. Mas todo mundo vai saber disso e eu vou divulgar em todos os municípios desse Vale do Rio Doce o prefeito que está contra o próprio povo”, continuou o prefeito de Baixo Guandu.

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O prefeito de Baixo Guandu (ES), Lastênio Cardoso (PSB), em reunião do Coridoce Foto: ASCOM/Prefeitura de Baixo Guandu

Beto respondeu que a reunião com os prefeitos da qual Lastênio se queixou foi convocada pelo advogado Tom Goodhead, que atua no Reino Unido e usou palavrões contra o congênere capixaba. O argumento implícito é que não faria sentido a acusação de que o prefeito de São José de Goiabal estaria atuando para minar a ação judicial no exterior.

“Outra coisa, Lastênio, vai tomar no seu c..., rapaz. Eu não sou esse tipo de homem que você pensa que eu sou não. Vai à m..., vai pra p… que te pariu. Você e seu olheiro. Tô de saco cheio. Tem dois anos que eu trabalho em função de todos, de todos, de todos no Coridoce, inclusive de Baixo Guandu, que não paga o consórcio, aliás. Então, meu amigo, lava sua boca para insinuar a meu respeito. Falou?”, continuou Beto no áudio também obtido pelo Estadão.

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Os prefeitos de São José do Goiabal, Beto Guimarães (Solidariedade-MG) e de Coronel Fabriciano, Marcos Vinícius Bizarro (PSDB-MG) Foto: Reprodução/Facebook José Roberto Gariff Guimarães

Prefeito de Coronel Fabriciano (MG) e presidente da Associação Mineira de Municípios (AMM), Marcos Vinicius Bizarro (PSDB), saiu em defesa de Beto e questionou como a população de Baixo Guandu poderia eleger um prefeito como Lastênio, a quem chamou de “otário”. “Aí vem um b... lá do Espírito Santo falar besteira. Tem que pedir desculpa todo esse povo que não trabalha, não fez nada, e fica aí enchendo o saco da gente”, disse Bizarro também em áudio enviado no grupo de WhatsApp do Coridoce.

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A assessoria de imprensa da Prefeitura de Baixo Guandu disse que houve um “mal entendido” entre os prefeitos causado por uma “informação errada” recebida por Lastênio Cardoso e acrescentou que, ao contrário do que foi dito, está em dia com os pagamentos ao Coridoce.

“Quanto aos xingamentos e ofensas, entendemos que em alguns momentos, no calor das discussões, pode haver exaltação de quaisquer uma das partes, mas tudo já foi esclarecido e sanado. Não existe mais nenhum desentendimento entre os prefeitos. Todos estão trabalhando pelo mesmo objetivo, mas todo grupo possui opiniões diferentes, discordâncias podem acontecer”, diz a nota enviada ao Estadão.

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Em um breve contato com a reportagem, o prefeito de São José do Goiabal, Beto Guimarães, afirmou que não houve briga e sim “pessoas de bem” que divergiram. “[Os xingamentos] São uma força de expressão de indignação. Me dou muito bem com o Lastênio e já chegamos em uma situação que é pra fazer o que é melhor para todos”, acrescentou.

Chances de acordo diminuem se definição ficar para 2024, diz MPF

Procurador do Ministério Público Federal (MPF), que também está na mesa de negociação da repactuação, Carlos Bruno considera que a ação no TRF-6 é mais ampla do que a de Londres porque contempla reparação ambiental, fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS) nos municípios atingidos e saneamento básico para a bacia do Rio Doce, que foi contaminado pelos rejeitos de minério.

Ele classifica como “equívoco” a interpretação de que pessoas físicas não vão receber indenizações, pois isso está previsto no acordo debatido na Justiça brasileira. Ele menciona que parte dos bilhões pagos serão destinados para a realização de obras públicas e projetos definidos pela população local, a exemplo do que aconteceu com o acordo firmado com a Vale para reparação dos danos causados pela barragem da mineradora que se rompeu em Brumadinho (MG) em 2019.

“A data do dia 5 de dezembro para o Ministério Público Federal é quase impreterível. Se até o dia 5 de dezembro a gente não conseguir esse acordo, eu acho que realmente a viabilidade de um acordo no Brasil vai decair bastante”, disse o procurador. A data consta de cronograma definido pelo TRF-6.

O procurador da República, Carlos Bruno, durante audiência pública na Câmara dos Deputados Foto: Vinicius Loures/Câmara dos Deputados

Na visão de Bruno, um acordo no Reino Unido poderia atrapalhar o acordo no Brasil. “Supondo-se que houvesse acordo em Londres, seria natural, me parece, que as empresas dissessem que já fizeram um acordo em outra jurisdição e não gostariam de fazer o acordo aqui”, acrescentou o representante do MPF. Ele avalia, no entanto, que é pouco provável um entendimento no exterior pois a BHP Billiton, em posicionamentos já divulgados, considera a ação no Reino Unido desnecessária já que “duplica” questões que estão sendo tratadas no Brasil.

Em nota, a mineradora reforçou este posicionamento. “A BHP Brasil continua participando das negociações com entidades públicas no Brasil, como o local adequado para essas discussões, e prefere que qualquer acordo seja no Brasil. Como uma das mantenedoras da Fundação Renova, a BHP Brasil reforça as ações que já estão em andamento no Brasil, somando cerca de 430 mil pessoas indenizadas, com mais de R$ 31,61 bilhões destinados às atividades de reparação’, disse a empresa.

Tom Goodhead, advogado que representa os atingidos em Londres, discorda que um eventual acordo no Reino Unido atrapalhe as negociações em andamento no Brasil. “Essa é uma notícia falsa que aparentemente algumas forças políticas e institucionais no Brasil, bem como as próprias empresas, espalham para acelerar e justificar qualquer acordo na repactuação - mesmo que seja um acordo ruim -, e potencialmente também por razões nacionalistas”, disse ele por meio de nota.

“As duas ações são quase totalmente diferentes: as mineradoras deveriam pagar indenizações totais e integrais a todas as pessoas, municípios e empresas impactadas na ação inglesa, bem como adotar todas as medidas reparatórias sociais e corretivas previstas pela repactuação aos estados e ao governo federal”, continuou o advogado.

O advogado Tom Goodhead representa os atingidos pelo rompimento na Justiça britânica Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

União e governo de Minas dizem não irão interromper negociação após dezembro

O poder público brasileiro negocia a repactuação do acordo de Mariana há quase três anos. Em agosto de 2022, os governos de Minas Gerais e do Espírito Santo interromperam as discussões após discordarem do prazo de pagamento pedido pelas mineradoras. Após a vitória de Lula (PT) na eleição no final de outubro, houve uma corrida, malsucedida, para fechar o acordo antes que o novo governo tomasse posse.

O Palácio do Planalto demorou alguns meses até se inteirar dos termos discutidos na repactuação. Em seguida, escolheu o ministro da Casa Civil, Rui Costa (PT-BA), para coordenar o grupo responsável pelo assunto. Em junho, o Ministério do Meio Ambiente, comandado por Marina Silva (Rede-SP), criou um grupo de trabalho que terá até dezembro para analisar as medidas de reparação ambiental propostas.

“Não há qualquer perspectiva de desistência do processo conciliatório pela União após 5 de dezembro, acaso não se chegue ao entendimento até essa data. A União mantém seu entendimento de que a repactuação é a melhor solução para resolver os impasses jurídicos e acelerar a recuperação socioambiental da bacia do Rio Doce e continuará trabalhando sob esta perspectiva”, informou a Casa Civil.

O governo de Minas disse que não cogita, neste momento, interromper a negociação e que está empenhado em cumprir o cronograma que prevê a repactuação até o início de dezembro. O Executivo mineiro não comentou a acusação de Lastênio de que Beto teria um acordo com Zema.

“Reafirmamos, portanto, que o compromisso do governo é com a repactuação e com a justa reparação aos atingidos pelo rompimento da barragem. Importante ressaltar que o Governo de Minas defende, nessa negociação, os interesses da população atingida e dos municípios mineiros, com a participação inclusive do Fórum de Prefeitos nesse diálogo”, declarou o Palácio Tiradentes. O governo do Espírito Santo não comentou.

A Samarco e a Vale disseram que seguem empenhadas com a reparação integral dos impactos do rompimento da barragem em Mariana e destacaram o processo de reparação e compensação que está em andamento por meio da Fundação Renova. “Os diálogos buscam soluções para conferir celeridade, eficiência e definitividade ao processo reparatório”, acrescentou a Vale sobre a negociação mediada pelo TRF-6.

Quase oito anos após o rompimento da barragem de Fundão, que matou 19 pessoas em Mariana (MG), os danos ambientais e sociais causados pelos rejeitos de minério ainda não foram reparados. O acordo firmado em 2016 com as mineradoras, que criou a Fundação Renova para executar a reparação, foi insuficiente e agora o poder público discute novos termos e a destinação de mais de R$ 100 bilhões para financiar novas ações.

Na reta final da negociação, prevista para ser concluída até 5 de dezembro, áudios obtidos pelo Estadão mostram que um grupo de municípios impactados pela lama em Minas Gerais e no Espírito Santo rachou e os prefeitos trocaram ofensas, xingamentos e acusações no WhatsApp.

No Brasil, o governo federal e os dois Estados discutem a repactuação do acordo com as mineradoras Samarco e suas acionistas, Vale e BHP Billiton. O valor debatido não é revelado oficialmente, mas a indenização deve variar entre R$ 110 bilhões e R$ 120 bilhões. Para representar as cidades atingidas, foi criado o Consórcio Público para Defesa e Revitalização do Rio Doce (Coridoce), que representa 45 prefeituras mineiras e 7 prefeituras capixabas. A mediação do acordo é feita pelo Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6).

Cena do desastre em Bento Rodrigues, distrito que foi destruído depois do rompimento da barragem da mineradora Samarco, em 2015. Foto: Márcio Fernandes / Estadão

Porém, diante da demora do processo no Brasil — somente a repactuação é discutida há quase três anos —, 46 municípios, 700 mil pessoas atingidas e 2.500 empresas, autarquias e instituições religiosas entraram com uma ação coletiva na Justiça do Reino Unido, em Londres, na qual pedem indenização de R$ 230 bilhões.

O julgamento está marcado para outubro de 2024, mas o advogado Tom Goodhead, CEO do escritório que representa os atingidos, afirma que é possível um acordo em março de 2024, o que pressiona o poder público brasileiro a chegar a uma solução antes disso.

‘B... lá do Espírito Santo’, ‘vai tomar no c.’ e acusação de acordo particular com Zema

Este é o pano de fundo que levou à briga no grupo de WhatsApp do Coridoce. O Estadão obteve acesso a áudios no qual o prefeito de Baixo Guandu (ES), Lastênio Cardoso (Solidariedade), acusou o presidente da entidade, o prefeito de São José de Goiabal (MG), José Roberto Gariff Guimarães (PSB), o Beto, de tentar enfraquecer a ação na Justiça britânica a pedido do governo de Romeu Zema (Novo-MG).

O governo de Minas não é parte no processo em Londres e, portanto, não receberia recursos oriundos de um eventual acordo firmado na Inglaterra. O governo do Espírito Santo e o federal também não.

“Ô seu Beto, pelo amor de Deus, você está entre o capeta ou Deus? Você ficar levando o pessoal para uma situação que você tem esse compromisso particular seu, que a gente não sabe qual é, junto com o governador, com deputado federal, tirando os prefeitos da ação inglesa, acho falta de respeito com todo mundo”, diz Lastênio no áudio.

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“Na ação inglesa, o povo vai receber. São 700 mil pessoas que vão receber. Essa repactuação hoje no Brasil, essa p…. que não funciona e não vai acontecer nunca, o povo não recebe um real. Nós estamos do lado do povo. Se você tiver contra o povo, problema de vocês. Mas todo mundo vai saber disso e eu vou divulgar em todos os municípios desse Vale do Rio Doce o prefeito que está contra o próprio povo”, continuou o prefeito de Baixo Guandu.

O prefeito de Baixo Guandu (ES), Lastênio Cardoso (PSB), em reunião do Coridoce Foto: ASCOM/Prefeitura de Baixo Guandu

Beto respondeu que a reunião com os prefeitos da qual Lastênio se queixou foi convocada pelo advogado Tom Goodhead, que atua no Reino Unido e usou palavrões contra o congênere capixaba. O argumento implícito é que não faria sentido a acusação de que o prefeito de São José de Goiabal estaria atuando para minar a ação judicial no exterior.

“Outra coisa, Lastênio, vai tomar no seu c..., rapaz. Eu não sou esse tipo de homem que você pensa que eu sou não. Vai à m..., vai pra p… que te pariu. Você e seu olheiro. Tô de saco cheio. Tem dois anos que eu trabalho em função de todos, de todos, de todos no Coridoce, inclusive de Baixo Guandu, que não paga o consórcio, aliás. Então, meu amigo, lava sua boca para insinuar a meu respeito. Falou?”, continuou Beto no áudio também obtido pelo Estadão.

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Os prefeitos de São José do Goiabal, Beto Guimarães (Solidariedade-MG) e de Coronel Fabriciano, Marcos Vinícius Bizarro (PSDB-MG) Foto: Reprodução/Facebook José Roberto Gariff Guimarães

Prefeito de Coronel Fabriciano (MG) e presidente da Associação Mineira de Municípios (AMM), Marcos Vinicius Bizarro (PSDB), saiu em defesa de Beto e questionou como a população de Baixo Guandu poderia eleger um prefeito como Lastênio, a quem chamou de “otário”. “Aí vem um b... lá do Espírito Santo falar besteira. Tem que pedir desculpa todo esse povo que não trabalha, não fez nada, e fica aí enchendo o saco da gente”, disse Bizarro também em áudio enviado no grupo de WhatsApp do Coridoce.

A assessoria de imprensa da Prefeitura de Baixo Guandu disse que houve um “mal entendido” entre os prefeitos causado por uma “informação errada” recebida por Lastênio Cardoso e acrescentou que, ao contrário do que foi dito, está em dia com os pagamentos ao Coridoce.

“Quanto aos xingamentos e ofensas, entendemos que em alguns momentos, no calor das discussões, pode haver exaltação de quaisquer uma das partes, mas tudo já foi esclarecido e sanado. Não existe mais nenhum desentendimento entre os prefeitos. Todos estão trabalhando pelo mesmo objetivo, mas todo grupo possui opiniões diferentes, discordâncias podem acontecer”, diz a nota enviada ao Estadão.

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Em um breve contato com a reportagem, o prefeito de São José do Goiabal, Beto Guimarães, afirmou que não houve briga e sim “pessoas de bem” que divergiram. “[Os xingamentos] São uma força de expressão de indignação. Me dou muito bem com o Lastênio e já chegamos em uma situação que é pra fazer o que é melhor para todos”, acrescentou.

Chances de acordo diminuem se definição ficar para 2024, diz MPF

Procurador do Ministério Público Federal (MPF), que também está na mesa de negociação da repactuação, Carlos Bruno considera que a ação no TRF-6 é mais ampla do que a de Londres porque contempla reparação ambiental, fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS) nos municípios atingidos e saneamento básico para a bacia do Rio Doce, que foi contaminado pelos rejeitos de minério.

Ele classifica como “equívoco” a interpretação de que pessoas físicas não vão receber indenizações, pois isso está previsto no acordo debatido na Justiça brasileira. Ele menciona que parte dos bilhões pagos serão destinados para a realização de obras públicas e projetos definidos pela população local, a exemplo do que aconteceu com o acordo firmado com a Vale para reparação dos danos causados pela barragem da mineradora que se rompeu em Brumadinho (MG) em 2019.

“A data do dia 5 de dezembro para o Ministério Público Federal é quase impreterível. Se até o dia 5 de dezembro a gente não conseguir esse acordo, eu acho que realmente a viabilidade de um acordo no Brasil vai decair bastante”, disse o procurador. A data consta de cronograma definido pelo TRF-6.

O procurador da República, Carlos Bruno, durante audiência pública na Câmara dos Deputados Foto: Vinicius Loures/Câmara dos Deputados

Na visão de Bruno, um acordo no Reino Unido poderia atrapalhar o acordo no Brasil. “Supondo-se que houvesse acordo em Londres, seria natural, me parece, que as empresas dissessem que já fizeram um acordo em outra jurisdição e não gostariam de fazer o acordo aqui”, acrescentou o representante do MPF. Ele avalia, no entanto, que é pouco provável um entendimento no exterior pois a BHP Billiton, em posicionamentos já divulgados, considera a ação no Reino Unido desnecessária já que “duplica” questões que estão sendo tratadas no Brasil.

Em nota, a mineradora reforçou este posicionamento. “A BHP Brasil continua participando das negociações com entidades públicas no Brasil, como o local adequado para essas discussões, e prefere que qualquer acordo seja no Brasil. Como uma das mantenedoras da Fundação Renova, a BHP Brasil reforça as ações que já estão em andamento no Brasil, somando cerca de 430 mil pessoas indenizadas, com mais de R$ 31,61 bilhões destinados às atividades de reparação’, disse a empresa.

Tom Goodhead, advogado que representa os atingidos em Londres, discorda que um eventual acordo no Reino Unido atrapalhe as negociações em andamento no Brasil. “Essa é uma notícia falsa que aparentemente algumas forças políticas e institucionais no Brasil, bem como as próprias empresas, espalham para acelerar e justificar qualquer acordo na repactuação - mesmo que seja um acordo ruim -, e potencialmente também por razões nacionalistas”, disse ele por meio de nota.

“As duas ações são quase totalmente diferentes: as mineradoras deveriam pagar indenizações totais e integrais a todas as pessoas, municípios e empresas impactadas na ação inglesa, bem como adotar todas as medidas reparatórias sociais e corretivas previstas pela repactuação aos estados e ao governo federal”, continuou o advogado.

O advogado Tom Goodhead representa os atingidos pelo rompimento na Justiça britânica Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

União e governo de Minas dizem não irão interromper negociação após dezembro

O poder público brasileiro negocia a repactuação do acordo de Mariana há quase três anos. Em agosto de 2022, os governos de Minas Gerais e do Espírito Santo interromperam as discussões após discordarem do prazo de pagamento pedido pelas mineradoras. Após a vitória de Lula (PT) na eleição no final de outubro, houve uma corrida, malsucedida, para fechar o acordo antes que o novo governo tomasse posse.

O Palácio do Planalto demorou alguns meses até se inteirar dos termos discutidos na repactuação. Em seguida, escolheu o ministro da Casa Civil, Rui Costa (PT-BA), para coordenar o grupo responsável pelo assunto. Em junho, o Ministério do Meio Ambiente, comandado por Marina Silva (Rede-SP), criou um grupo de trabalho que terá até dezembro para analisar as medidas de reparação ambiental propostas.

“Não há qualquer perspectiva de desistência do processo conciliatório pela União após 5 de dezembro, acaso não se chegue ao entendimento até essa data. A União mantém seu entendimento de que a repactuação é a melhor solução para resolver os impasses jurídicos e acelerar a recuperação socioambiental da bacia do Rio Doce e continuará trabalhando sob esta perspectiva”, informou a Casa Civil.

O governo de Minas disse que não cogita, neste momento, interromper a negociação e que está empenhado em cumprir o cronograma que prevê a repactuação até o início de dezembro. O Executivo mineiro não comentou a acusação de Lastênio de que Beto teria um acordo com Zema.

“Reafirmamos, portanto, que o compromisso do governo é com a repactuação e com a justa reparação aos atingidos pelo rompimento da barragem. Importante ressaltar que o Governo de Minas defende, nessa negociação, os interesses da população atingida e dos municípios mineiros, com a participação inclusive do Fórum de Prefeitos nesse diálogo”, declarou o Palácio Tiradentes. O governo do Espírito Santo não comentou.

A Samarco e a Vale disseram que seguem empenhadas com a reparação integral dos impactos do rompimento da barragem em Mariana e destacaram o processo de reparação e compensação que está em andamento por meio da Fundação Renova. “Os diálogos buscam soluções para conferir celeridade, eficiência e definitividade ao processo reparatório”, acrescentou a Vale sobre a negociação mediada pelo TRF-6.

Quase oito anos após o rompimento da barragem de Fundão, que matou 19 pessoas em Mariana (MG), os danos ambientais e sociais causados pelos rejeitos de minério ainda não foram reparados. O acordo firmado em 2016 com as mineradoras, que criou a Fundação Renova para executar a reparação, foi insuficiente e agora o poder público discute novos termos e a destinação de mais de R$ 100 bilhões para financiar novas ações.

Na reta final da negociação, prevista para ser concluída até 5 de dezembro, áudios obtidos pelo Estadão mostram que um grupo de municípios impactados pela lama em Minas Gerais e no Espírito Santo rachou e os prefeitos trocaram ofensas, xingamentos e acusações no WhatsApp.

No Brasil, o governo federal e os dois Estados discutem a repactuação do acordo com as mineradoras Samarco e suas acionistas, Vale e BHP Billiton. O valor debatido não é revelado oficialmente, mas a indenização deve variar entre R$ 110 bilhões e R$ 120 bilhões. Para representar as cidades atingidas, foi criado o Consórcio Público para Defesa e Revitalização do Rio Doce (Coridoce), que representa 45 prefeituras mineiras e 7 prefeituras capixabas. A mediação do acordo é feita pelo Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6).

Cena do desastre em Bento Rodrigues, distrito que foi destruído depois do rompimento da barragem da mineradora Samarco, em 2015. Foto: Márcio Fernandes / Estadão

Porém, diante da demora do processo no Brasil — somente a repactuação é discutida há quase três anos —, 46 municípios, 700 mil pessoas atingidas e 2.500 empresas, autarquias e instituições religiosas entraram com uma ação coletiva na Justiça do Reino Unido, em Londres, na qual pedem indenização de R$ 230 bilhões.

O julgamento está marcado para outubro de 2024, mas o advogado Tom Goodhead, CEO do escritório que representa os atingidos, afirma que é possível um acordo em março de 2024, o que pressiona o poder público brasileiro a chegar a uma solução antes disso.

‘B... lá do Espírito Santo’, ‘vai tomar no c.’ e acusação de acordo particular com Zema

Este é o pano de fundo que levou à briga no grupo de WhatsApp do Coridoce. O Estadão obteve acesso a áudios no qual o prefeito de Baixo Guandu (ES), Lastênio Cardoso (Solidariedade), acusou o presidente da entidade, o prefeito de São José de Goiabal (MG), José Roberto Gariff Guimarães (PSB), o Beto, de tentar enfraquecer a ação na Justiça britânica a pedido do governo de Romeu Zema (Novo-MG).

O governo de Minas não é parte no processo em Londres e, portanto, não receberia recursos oriundos de um eventual acordo firmado na Inglaterra. O governo do Espírito Santo e o federal também não.

“Ô seu Beto, pelo amor de Deus, você está entre o capeta ou Deus? Você ficar levando o pessoal para uma situação que você tem esse compromisso particular seu, que a gente não sabe qual é, junto com o governador, com deputado federal, tirando os prefeitos da ação inglesa, acho falta de respeito com todo mundo”, diz Lastênio no áudio.

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“Na ação inglesa, o povo vai receber. São 700 mil pessoas que vão receber. Essa repactuação hoje no Brasil, essa p…. que não funciona e não vai acontecer nunca, o povo não recebe um real. Nós estamos do lado do povo. Se você tiver contra o povo, problema de vocês. Mas todo mundo vai saber disso e eu vou divulgar em todos os municípios desse Vale do Rio Doce o prefeito que está contra o próprio povo”, continuou o prefeito de Baixo Guandu.

O prefeito de Baixo Guandu (ES), Lastênio Cardoso (PSB), em reunião do Coridoce Foto: ASCOM/Prefeitura de Baixo Guandu

Beto respondeu que a reunião com os prefeitos da qual Lastênio se queixou foi convocada pelo advogado Tom Goodhead, que atua no Reino Unido e usou palavrões contra o congênere capixaba. O argumento implícito é que não faria sentido a acusação de que o prefeito de São José de Goiabal estaria atuando para minar a ação judicial no exterior.

“Outra coisa, Lastênio, vai tomar no seu c..., rapaz. Eu não sou esse tipo de homem que você pensa que eu sou não. Vai à m..., vai pra p… que te pariu. Você e seu olheiro. Tô de saco cheio. Tem dois anos que eu trabalho em função de todos, de todos, de todos no Coridoce, inclusive de Baixo Guandu, que não paga o consórcio, aliás. Então, meu amigo, lava sua boca para insinuar a meu respeito. Falou?”, continuou Beto no áudio também obtido pelo Estadão.

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Os prefeitos de São José do Goiabal, Beto Guimarães (Solidariedade-MG) e de Coronel Fabriciano, Marcos Vinícius Bizarro (PSDB-MG) Foto: Reprodução/Facebook José Roberto Gariff Guimarães

Prefeito de Coronel Fabriciano (MG) e presidente da Associação Mineira de Municípios (AMM), Marcos Vinicius Bizarro (PSDB), saiu em defesa de Beto e questionou como a população de Baixo Guandu poderia eleger um prefeito como Lastênio, a quem chamou de “otário”. “Aí vem um b... lá do Espírito Santo falar besteira. Tem que pedir desculpa todo esse povo que não trabalha, não fez nada, e fica aí enchendo o saco da gente”, disse Bizarro também em áudio enviado no grupo de WhatsApp do Coridoce.

A assessoria de imprensa da Prefeitura de Baixo Guandu disse que houve um “mal entendido” entre os prefeitos causado por uma “informação errada” recebida por Lastênio Cardoso e acrescentou que, ao contrário do que foi dito, está em dia com os pagamentos ao Coridoce.

“Quanto aos xingamentos e ofensas, entendemos que em alguns momentos, no calor das discussões, pode haver exaltação de quaisquer uma das partes, mas tudo já foi esclarecido e sanado. Não existe mais nenhum desentendimento entre os prefeitos. Todos estão trabalhando pelo mesmo objetivo, mas todo grupo possui opiniões diferentes, discordâncias podem acontecer”, diz a nota enviada ao Estadão.

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Em um breve contato com a reportagem, o prefeito de São José do Goiabal, Beto Guimarães, afirmou que não houve briga e sim “pessoas de bem” que divergiram. “[Os xingamentos] São uma força de expressão de indignação. Me dou muito bem com o Lastênio e já chegamos em uma situação que é pra fazer o que é melhor para todos”, acrescentou.

Chances de acordo diminuem se definição ficar para 2024, diz MPF

Procurador do Ministério Público Federal (MPF), que também está na mesa de negociação da repactuação, Carlos Bruno considera que a ação no TRF-6 é mais ampla do que a de Londres porque contempla reparação ambiental, fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS) nos municípios atingidos e saneamento básico para a bacia do Rio Doce, que foi contaminado pelos rejeitos de minério.

Ele classifica como “equívoco” a interpretação de que pessoas físicas não vão receber indenizações, pois isso está previsto no acordo debatido na Justiça brasileira. Ele menciona que parte dos bilhões pagos serão destinados para a realização de obras públicas e projetos definidos pela população local, a exemplo do que aconteceu com o acordo firmado com a Vale para reparação dos danos causados pela barragem da mineradora que se rompeu em Brumadinho (MG) em 2019.

“A data do dia 5 de dezembro para o Ministério Público Federal é quase impreterível. Se até o dia 5 de dezembro a gente não conseguir esse acordo, eu acho que realmente a viabilidade de um acordo no Brasil vai decair bastante”, disse o procurador. A data consta de cronograma definido pelo TRF-6.

O procurador da República, Carlos Bruno, durante audiência pública na Câmara dos Deputados Foto: Vinicius Loures/Câmara dos Deputados

Na visão de Bruno, um acordo no Reino Unido poderia atrapalhar o acordo no Brasil. “Supondo-se que houvesse acordo em Londres, seria natural, me parece, que as empresas dissessem que já fizeram um acordo em outra jurisdição e não gostariam de fazer o acordo aqui”, acrescentou o representante do MPF. Ele avalia, no entanto, que é pouco provável um entendimento no exterior pois a BHP Billiton, em posicionamentos já divulgados, considera a ação no Reino Unido desnecessária já que “duplica” questões que estão sendo tratadas no Brasil.

Em nota, a mineradora reforçou este posicionamento. “A BHP Brasil continua participando das negociações com entidades públicas no Brasil, como o local adequado para essas discussões, e prefere que qualquer acordo seja no Brasil. Como uma das mantenedoras da Fundação Renova, a BHP Brasil reforça as ações que já estão em andamento no Brasil, somando cerca de 430 mil pessoas indenizadas, com mais de R$ 31,61 bilhões destinados às atividades de reparação’, disse a empresa.

Tom Goodhead, advogado que representa os atingidos em Londres, discorda que um eventual acordo no Reino Unido atrapalhe as negociações em andamento no Brasil. “Essa é uma notícia falsa que aparentemente algumas forças políticas e institucionais no Brasil, bem como as próprias empresas, espalham para acelerar e justificar qualquer acordo na repactuação - mesmo que seja um acordo ruim -, e potencialmente também por razões nacionalistas”, disse ele por meio de nota.

“As duas ações são quase totalmente diferentes: as mineradoras deveriam pagar indenizações totais e integrais a todas as pessoas, municípios e empresas impactadas na ação inglesa, bem como adotar todas as medidas reparatórias sociais e corretivas previstas pela repactuação aos estados e ao governo federal”, continuou o advogado.

O advogado Tom Goodhead representa os atingidos pelo rompimento na Justiça britânica Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

União e governo de Minas dizem não irão interromper negociação após dezembro

O poder público brasileiro negocia a repactuação do acordo de Mariana há quase três anos. Em agosto de 2022, os governos de Minas Gerais e do Espírito Santo interromperam as discussões após discordarem do prazo de pagamento pedido pelas mineradoras. Após a vitória de Lula (PT) na eleição no final de outubro, houve uma corrida, malsucedida, para fechar o acordo antes que o novo governo tomasse posse.

O Palácio do Planalto demorou alguns meses até se inteirar dos termos discutidos na repactuação. Em seguida, escolheu o ministro da Casa Civil, Rui Costa (PT-BA), para coordenar o grupo responsável pelo assunto. Em junho, o Ministério do Meio Ambiente, comandado por Marina Silva (Rede-SP), criou um grupo de trabalho que terá até dezembro para analisar as medidas de reparação ambiental propostas.

“Não há qualquer perspectiva de desistência do processo conciliatório pela União após 5 de dezembro, acaso não se chegue ao entendimento até essa data. A União mantém seu entendimento de que a repactuação é a melhor solução para resolver os impasses jurídicos e acelerar a recuperação socioambiental da bacia do Rio Doce e continuará trabalhando sob esta perspectiva”, informou a Casa Civil.

O governo de Minas disse que não cogita, neste momento, interromper a negociação e que está empenhado em cumprir o cronograma que prevê a repactuação até o início de dezembro. O Executivo mineiro não comentou a acusação de Lastênio de que Beto teria um acordo com Zema.

“Reafirmamos, portanto, que o compromisso do governo é com a repactuação e com a justa reparação aos atingidos pelo rompimento da barragem. Importante ressaltar que o Governo de Minas defende, nessa negociação, os interesses da população atingida e dos municípios mineiros, com a participação inclusive do Fórum de Prefeitos nesse diálogo”, declarou o Palácio Tiradentes. O governo do Espírito Santo não comentou.

A Samarco e a Vale disseram que seguem empenhadas com a reparação integral dos impactos do rompimento da barragem em Mariana e destacaram o processo de reparação e compensação que está em andamento por meio da Fundação Renova. “Os diálogos buscam soluções para conferir celeridade, eficiência e definitividade ao processo reparatório”, acrescentou a Vale sobre a negociação mediada pelo TRF-6.

Quase oito anos após o rompimento da barragem de Fundão, que matou 19 pessoas em Mariana (MG), os danos ambientais e sociais causados pelos rejeitos de minério ainda não foram reparados. O acordo firmado em 2016 com as mineradoras, que criou a Fundação Renova para executar a reparação, foi insuficiente e agora o poder público discute novos termos e a destinação de mais de R$ 100 bilhões para financiar novas ações.

Na reta final da negociação, prevista para ser concluída até 5 de dezembro, áudios obtidos pelo Estadão mostram que um grupo de municípios impactados pela lama em Minas Gerais e no Espírito Santo rachou e os prefeitos trocaram ofensas, xingamentos e acusações no WhatsApp.

No Brasil, o governo federal e os dois Estados discutem a repactuação do acordo com as mineradoras Samarco e suas acionistas, Vale e BHP Billiton. O valor debatido não é revelado oficialmente, mas a indenização deve variar entre R$ 110 bilhões e R$ 120 bilhões. Para representar as cidades atingidas, foi criado o Consórcio Público para Defesa e Revitalização do Rio Doce (Coridoce), que representa 45 prefeituras mineiras e 7 prefeituras capixabas. A mediação do acordo é feita pelo Tribunal Regional Federal da 6ª Região (TRF-6).

Cena do desastre em Bento Rodrigues, distrito que foi destruído depois do rompimento da barragem da mineradora Samarco, em 2015. Foto: Márcio Fernandes / Estadão

Porém, diante da demora do processo no Brasil — somente a repactuação é discutida há quase três anos —, 46 municípios, 700 mil pessoas atingidas e 2.500 empresas, autarquias e instituições religiosas entraram com uma ação coletiva na Justiça do Reino Unido, em Londres, na qual pedem indenização de R$ 230 bilhões.

O julgamento está marcado para outubro de 2024, mas o advogado Tom Goodhead, CEO do escritório que representa os atingidos, afirma que é possível um acordo em março de 2024, o que pressiona o poder público brasileiro a chegar a uma solução antes disso.

‘B... lá do Espírito Santo’, ‘vai tomar no c.’ e acusação de acordo particular com Zema

Este é o pano de fundo que levou à briga no grupo de WhatsApp do Coridoce. O Estadão obteve acesso a áudios no qual o prefeito de Baixo Guandu (ES), Lastênio Cardoso (Solidariedade), acusou o presidente da entidade, o prefeito de São José de Goiabal (MG), José Roberto Gariff Guimarães (PSB), o Beto, de tentar enfraquecer a ação na Justiça britânica a pedido do governo de Romeu Zema (Novo-MG).

O governo de Minas não é parte no processo em Londres e, portanto, não receberia recursos oriundos de um eventual acordo firmado na Inglaterra. O governo do Espírito Santo e o federal também não.

“Ô seu Beto, pelo amor de Deus, você está entre o capeta ou Deus? Você ficar levando o pessoal para uma situação que você tem esse compromisso particular seu, que a gente não sabe qual é, junto com o governador, com deputado federal, tirando os prefeitos da ação inglesa, acho falta de respeito com todo mundo”, diz Lastênio no áudio.

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“Na ação inglesa, o povo vai receber. São 700 mil pessoas que vão receber. Essa repactuação hoje no Brasil, essa p…. que não funciona e não vai acontecer nunca, o povo não recebe um real. Nós estamos do lado do povo. Se você tiver contra o povo, problema de vocês. Mas todo mundo vai saber disso e eu vou divulgar em todos os municípios desse Vale do Rio Doce o prefeito que está contra o próprio povo”, continuou o prefeito de Baixo Guandu.

O prefeito de Baixo Guandu (ES), Lastênio Cardoso (PSB), em reunião do Coridoce Foto: ASCOM/Prefeitura de Baixo Guandu

Beto respondeu que a reunião com os prefeitos da qual Lastênio se queixou foi convocada pelo advogado Tom Goodhead, que atua no Reino Unido e usou palavrões contra o congênere capixaba. O argumento implícito é que não faria sentido a acusação de que o prefeito de São José de Goiabal estaria atuando para minar a ação judicial no exterior.

“Outra coisa, Lastênio, vai tomar no seu c..., rapaz. Eu não sou esse tipo de homem que você pensa que eu sou não. Vai à m..., vai pra p… que te pariu. Você e seu olheiro. Tô de saco cheio. Tem dois anos que eu trabalho em função de todos, de todos, de todos no Coridoce, inclusive de Baixo Guandu, que não paga o consórcio, aliás. Então, meu amigo, lava sua boca para insinuar a meu respeito. Falou?”, continuou Beto no áudio também obtido pelo Estadão.

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Os prefeitos de São José do Goiabal, Beto Guimarães (Solidariedade-MG) e de Coronel Fabriciano, Marcos Vinícius Bizarro (PSDB-MG) Foto: Reprodução/Facebook José Roberto Gariff Guimarães

Prefeito de Coronel Fabriciano (MG) e presidente da Associação Mineira de Municípios (AMM), Marcos Vinicius Bizarro (PSDB), saiu em defesa de Beto e questionou como a população de Baixo Guandu poderia eleger um prefeito como Lastênio, a quem chamou de “otário”. “Aí vem um b... lá do Espírito Santo falar besteira. Tem que pedir desculpa todo esse povo que não trabalha, não fez nada, e fica aí enchendo o saco da gente”, disse Bizarro também em áudio enviado no grupo de WhatsApp do Coridoce.

A assessoria de imprensa da Prefeitura de Baixo Guandu disse que houve um “mal entendido” entre os prefeitos causado por uma “informação errada” recebida por Lastênio Cardoso e acrescentou que, ao contrário do que foi dito, está em dia com os pagamentos ao Coridoce.

“Quanto aos xingamentos e ofensas, entendemos que em alguns momentos, no calor das discussões, pode haver exaltação de quaisquer uma das partes, mas tudo já foi esclarecido e sanado. Não existe mais nenhum desentendimento entre os prefeitos. Todos estão trabalhando pelo mesmo objetivo, mas todo grupo possui opiniões diferentes, discordâncias podem acontecer”, diz a nota enviada ao Estadão.

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Em um breve contato com a reportagem, o prefeito de São José do Goiabal, Beto Guimarães, afirmou que não houve briga e sim “pessoas de bem” que divergiram. “[Os xingamentos] São uma força de expressão de indignação. Me dou muito bem com o Lastênio e já chegamos em uma situação que é pra fazer o que é melhor para todos”, acrescentou.

Chances de acordo diminuem se definição ficar para 2024, diz MPF

Procurador do Ministério Público Federal (MPF), que também está na mesa de negociação da repactuação, Carlos Bruno considera que a ação no TRF-6 é mais ampla do que a de Londres porque contempla reparação ambiental, fortalecimento do Sistema Único de Saúde (SUS) nos municípios atingidos e saneamento básico para a bacia do Rio Doce, que foi contaminado pelos rejeitos de minério.

Ele classifica como “equívoco” a interpretação de que pessoas físicas não vão receber indenizações, pois isso está previsto no acordo debatido na Justiça brasileira. Ele menciona que parte dos bilhões pagos serão destinados para a realização de obras públicas e projetos definidos pela população local, a exemplo do que aconteceu com o acordo firmado com a Vale para reparação dos danos causados pela barragem da mineradora que se rompeu em Brumadinho (MG) em 2019.

“A data do dia 5 de dezembro para o Ministério Público Federal é quase impreterível. Se até o dia 5 de dezembro a gente não conseguir esse acordo, eu acho que realmente a viabilidade de um acordo no Brasil vai decair bastante”, disse o procurador. A data consta de cronograma definido pelo TRF-6.

O procurador da República, Carlos Bruno, durante audiência pública na Câmara dos Deputados Foto: Vinicius Loures/Câmara dos Deputados

Na visão de Bruno, um acordo no Reino Unido poderia atrapalhar o acordo no Brasil. “Supondo-se que houvesse acordo em Londres, seria natural, me parece, que as empresas dissessem que já fizeram um acordo em outra jurisdição e não gostariam de fazer o acordo aqui”, acrescentou o representante do MPF. Ele avalia, no entanto, que é pouco provável um entendimento no exterior pois a BHP Billiton, em posicionamentos já divulgados, considera a ação no Reino Unido desnecessária já que “duplica” questões que estão sendo tratadas no Brasil.

Em nota, a mineradora reforçou este posicionamento. “A BHP Brasil continua participando das negociações com entidades públicas no Brasil, como o local adequado para essas discussões, e prefere que qualquer acordo seja no Brasil. Como uma das mantenedoras da Fundação Renova, a BHP Brasil reforça as ações que já estão em andamento no Brasil, somando cerca de 430 mil pessoas indenizadas, com mais de R$ 31,61 bilhões destinados às atividades de reparação’, disse a empresa.

Tom Goodhead, advogado que representa os atingidos em Londres, discorda que um eventual acordo no Reino Unido atrapalhe as negociações em andamento no Brasil. “Essa é uma notícia falsa que aparentemente algumas forças políticas e institucionais no Brasil, bem como as próprias empresas, espalham para acelerar e justificar qualquer acordo na repactuação - mesmo que seja um acordo ruim -, e potencialmente também por razões nacionalistas”, disse ele por meio de nota.

“As duas ações são quase totalmente diferentes: as mineradoras deveriam pagar indenizações totais e integrais a todas as pessoas, municípios e empresas impactadas na ação inglesa, bem como adotar todas as medidas reparatórias sociais e corretivas previstas pela repactuação aos estados e ao governo federal”, continuou o advogado.

O advogado Tom Goodhead representa os atingidos pelo rompimento na Justiça britânica Foto: Zeca Ribeiro/Câmara dos Deputados

União e governo de Minas dizem não irão interromper negociação após dezembro

O poder público brasileiro negocia a repactuação do acordo de Mariana há quase três anos. Em agosto de 2022, os governos de Minas Gerais e do Espírito Santo interromperam as discussões após discordarem do prazo de pagamento pedido pelas mineradoras. Após a vitória de Lula (PT) na eleição no final de outubro, houve uma corrida, malsucedida, para fechar o acordo antes que o novo governo tomasse posse.

O Palácio do Planalto demorou alguns meses até se inteirar dos termos discutidos na repactuação. Em seguida, escolheu o ministro da Casa Civil, Rui Costa (PT-BA), para coordenar o grupo responsável pelo assunto. Em junho, o Ministério do Meio Ambiente, comandado por Marina Silva (Rede-SP), criou um grupo de trabalho que terá até dezembro para analisar as medidas de reparação ambiental propostas.

“Não há qualquer perspectiva de desistência do processo conciliatório pela União após 5 de dezembro, acaso não se chegue ao entendimento até essa data. A União mantém seu entendimento de que a repactuação é a melhor solução para resolver os impasses jurídicos e acelerar a recuperação socioambiental da bacia do Rio Doce e continuará trabalhando sob esta perspectiva”, informou a Casa Civil.

O governo de Minas disse que não cogita, neste momento, interromper a negociação e que está empenhado em cumprir o cronograma que prevê a repactuação até o início de dezembro. O Executivo mineiro não comentou a acusação de Lastênio de que Beto teria um acordo com Zema.

“Reafirmamos, portanto, que o compromisso do governo é com a repactuação e com a justa reparação aos atingidos pelo rompimento da barragem. Importante ressaltar que o Governo de Minas defende, nessa negociação, os interesses da população atingida e dos municípios mineiros, com a participação inclusive do Fórum de Prefeitos nesse diálogo”, declarou o Palácio Tiradentes. O governo do Espírito Santo não comentou.

A Samarco e a Vale disseram que seguem empenhadas com a reparação integral dos impactos do rompimento da barragem em Mariana e destacaram o processo de reparação e compensação que está em andamento por meio da Fundação Renova. “Os diálogos buscam soluções para conferir celeridade, eficiência e definitividade ao processo reparatório”, acrescentou a Vale sobre a negociação mediada pelo TRF-6.

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