O presidente da Assembleia Legislativa do Ceará (Alece), deputado Evandro Leitão (PDT), caiu em um golpe de pirâmide financeira, perdeu mais de R$ 100 mil e foi à Justiça para tentar o reaver valor investido. O processo teve a distribuição cancelada e foi arquivado por falta de pagamento de custas. O parlamentar pediu assistência judiciária gratuita, mas o juiz da causa não concedeu o pedido.
Leitão diz no processo que, em dezembro de 2021, cedeu criptomoedas para a Braiscompany, gestora de criptoativos, e pagou R$100.193,39. Os ativos ficavam guardados na carteira da empresa e não poderiam ser resgatados antes de um ano, período durante o qual a empresa faria investimentos com as criptomoedas. A promessa era de rendimentos de 6% a 8% por mês em cima do valor investido – percentual muito mais alto do que o mercado costuma remunerar.
A empresa escondia um sistema de pirâmide e parou de pagar os clientes em fevereiro deste ano, quando entrou na mira do Ministério Público do Ceará. Além do valor dado na cessão das criptomoedas, o deputado também pediu à Justiça que lhe desse uma indenização por danos morais de R$ 40 mil. O processo foi protocolado no dia 6 de junho.
Sem condições de pagar
A juíza da 22ª Vara Cível de Fortaleza, Maria Valdenisa de Sousa Bernardo, intimou o deputado para juntar documentos que comprovassem a sua hipossuficiência financeira, porque ele ingressou com a ação fazendo um pedido de assistência judiciária gratuita. Ele não pagou as custas alegando que não tem condições financeiras. Elas são calculadas em cima do valor da causa e, de acordo com uma certidão que está no processo, custavam R$ 7 mil. Leitão também pediu segredo de Justiça.
Como presidente da Alece, o deputado recebe uma remuneração bruta de R$ 31,2 mil. No processo, ele argumentou que paga a faculdade de seus dois filhos – um que estuda direito e outro que faz medicina – e, por isso, não tem condições de pagar as custas. As mensalidades das duas graduações, segundo o deputado, somam R$ 12,4 mil.
“É inadmissível que o requerente seja tolhido de seu direito de Gratuidade da Justiça. (...) Cerca de 58,07% da verba salarial dele está comprometida com a educação de seus filhos”, disse o advogado de Leitão no processo. O deputado também diz que sua esposa está desempregada e que ele sustenta toda a família. Em outubro de 2022, Leitão declarou um patrimônio de R$ 1,1 milhão à Justiça Eleitoral.
Processo arquivado
Maria Valdenisa, juíza do caso, entendeu que os argumentos apresentados por Leitão “indicam potencial capacidade financeira” e que as mensalidades das faculdades dos filhos não eram suficientes para ela conceder assistência judiciária ao deputado. Ela deu mais 15 dias para ele apresentar novas provas ou pagar os R$ 7 mil de custas.
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Como o presidente da Alece repetiu os mesmos argumentos de antes, a magistrada sentenciou o processo e mandou cancelar a distribuição. “A situação financeira (do deputado) é confortável para pagar as custas judiciais, ainda que o autor tenha que pagar a faculdade dos filhos”, concluiu Maria Valdenisa. A sentença foi publicada no dia 10 de agosto no Diário de Justiça e, no dia 18, sexta-feira passada, o advogado de Leitão concordou com o arquivamento.
O Estadão fez contato com Evandro Leitão através de ligações e e-mails ao gabinete, mas não obteve resposta. O advogado do deputado, Abraão Bezerra de Araújo, também foi procurado por mensagens e ligações, mas não respondeu aos questionamentos da reportagem.
Entenda como funcionava a pirâmide financeira
A Braiscompany é uma empresa de gerência de criptoativos com sede em Campina Grande (PB). As atividades da companhia estão paralisadas desde fevereiro deste ano. “Havia um time comercial gigante que convencia as pessoas a fazerem a locação das criptomoedas. A pessoa comprava-as, alugava-as e ia recebendo a rentabilidade”, explicou Victor Jorge, professor do MBA da FGV, sócio do escritório Jorge Advogados e especialista em criptomoedas.
As pessoas eram convencidas a entrar no negócio pela promessa de rendimentos classificados pelo advogado como “estratosféricos”, o que já é um traço comum em esquemas de pirâmide. Outro indício que ele aponta é o fato de o cliente não ter controle sobre o seu próprio ativo. No caso da Braiscompany, a empresa é que ficava com as criptomoedas dos clientes – as quais poderiam, inclusive, nem existir.
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“Not your keys, not your coins. Se você não tem a chave do cofre, as moedas não são suas”, disse Jorge. Como a empresa colocava uma cláusula de permanência, os clientes também não podiam resgatar os valores e ficavam “amarrados” ao esquema, sem conseguir sair.
Em dezembro de 2022, a Braiscompany começou a atrasar os pagamentos e, em fevereiro deste ano, cessou-os por completo. O Ministério Público do Ceará começou a investigar a empresa e o esquema de pirâmide foi revelado. Os sócios, Antônio Neto Ais e Fabrícia Campos, estão foragidos da Justiça desde então. A suspeita do MP é de que os dois tenham desaparecido com R$ 600 milhões de mais de 10 mil vítimas.