BRASÍLIA - O presidente dos Correios, Fabiano Silva dos Santos, mantém como assessores pessoais dois clientes do escritório de advocacia da sua ex-mulher acusados de ilícitos financeiros na gestão de fundos de pensão. Júlio Vicente Lopes e Maurício Marcellini acumulam condenações administrativas por aplicações irregulares e foram alvo de ações do Ministério Público Federal (MPF) no âmbito da Operação Greenfield, braço da Lava Jato que apurou desvios em planos de previdência de empresas estatais.
Procurados, os Correios afirmaram que não há condenações com trânsito em julgado contra os assessores e não deram detalhes sobre suas atribuições. Disseram ainda que eles não atuam na área de previdência complementar. Há registros, no entanto, de que pelo menos Júlio Lopes tem aconselhado a direção da estatal sobre assuntos que dizem respeito ao fundo de pensão da instituição.
Júlio Vicente Lopes está lotado na Presidência dos Correios em Brasília. Ele responde a pelo menos duas apurações administrativas. Maurício Marcellini é assessor especial do presidente dos Correios e é alvo de seis ações do MPF por gestão fraudulenta e improbidade administrativa.
Ambos foram envolvidos em negócios sob suspeita em fundos de pensão durante as gestões petistas de Luiz Inácio Lula da Silva e Dilma Rousseff. Júlio Lopes atuou no Postalis, dos Correios. Marcellini foi diretor do Funcef, fundo de previdência da Caixa, e chegou a ser preso preventivamente pela Polícia Federal em 2016.
Em 2017, a Câmara de Recursos da Previdência Complementar (CRPC), órgão vinculado ao Ministério da Previdência que arbitra processos sancionadores no setor, suspendeu e aplicou multa de R$ 40 mil a Júlio Lopes por causa de irregularidades na compra de um centro logístico em Cajamar, no interior de São Paulo. A operação, segundo procuradores federais, foi superfaturada e causou prejuízo de cerca de R$ 180 milhões à estatal.
Já Marcellini participou da aprovação do aporte de R$ 350 milhões no Fundo de Investimento em Participações (FIP) Sondas, que estava atrelado a papéis da estatal Sete Brasil, criada nas gestões petistas para fabricar unidades de perfuração para explorar o pré-sal. O negócio, no entanto, não teve o sucesso anunciado pelo governo.
Procuradores da Força Tarefa Greenfield estimam que os aportes na empresa tenham causado prejuízo de R$ 5,5 bilhões aos fundos de pensão. A decisão de investir na Sete teria sido tomada sem avaliação de riscos e contra normas do CMN. Por causa de sua participação na operação financeira, Marcellini foi punido pela Câmara de Recursos em dezembro 2022 que vedou sua participação em fundos de pensão por dois anos.
Escritório de advocacia do presidente dos Correios
Antes de assumir a direção dos Correios no terceiro mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Fabiano dos Santos mantinha um escritório de advocacia, o Mollo & Silva Advogados Associados. Na banca advocatícia tinha como sócia sua então mulher, a advogada Renata Mollo.
O escritório do casal ganhou contratos com fundos de pensão ligados às estatais no governo Dilma. Na época, tornaram-se advogados do Postalis, mas foram destituídos das ações posteriormente nos mandatos de Michel Temer e Jair Bolsonaro.
Fabiano dos Santos e Renata Mollo se divorciaram. Santos deixou o escritório em novembro de 2022, antes de ser nomeado presidente da estatal. Renata Mollo segue com o escritório.
Entre os clientes da advogada estão os atuais assessores do ex-marido nos Correios: Júlio Vicente Lopes e Maurício Marcellini. Ainda como advogado, o atual presidente da estatal chegou a atuar na defesa de Júlio Lopes e outros ex-dirigentes do Postalis em processo na Câmara de Recursos.
Procurada, a direção dos Correios afirmou que não considera haver conflito entre o escritório da ex-mulher atuar na defesa de assessores do presidente da estatal. “Não há conflito de interesse, já que o presidente dos Correios não exerce hoje a advocacia e, quando o fez no passado, sempre atuou na defesa do Postalis, o que continua fazendo como presidente dos Correios, em benefício dos cerca de 160 mil participantes e assistidos do instituto”, diz nota da assessoria da estatal.
Renata Mollo sustenta nos processos que atua que seus clientes são inocentes. Em um deles, conseguiu anular na Justiça Federal de Brasília uma condenação de Júlio Vicente na Câmara de Recursos em 2018, quando o órgão o multou em R$ 21 mil e lhe aplicou suspensão de 180 dias devido a aportes nos fundos Serengeti e São Bento junto ao banco americano BNY Mellon. Os dois investimentos receberam R$ 2,6 bilhões do Postalis em valores nominais até 2013.
As aplicações feitas por meio de carteiras da instituição financeira deram prejuízos de cerca de R$ 12 bilhões ao Postalis, que tenta reaver valores na Justiça. O banco foi procurado, mas não se manifestou até a conclusão desta reportagem.
Procuradores federais da Superintendência Nacional de Previdência Complementar (PREVIC) afirmam que os integrantes do Conselho Deliberativo do Postalis não realizaram as análises de risco necessárias, nem acompanharam adequadamente o desempenho dos ativos. Os gestores teriam, por exemplo, ignorado alertas da consultoria privada KPMG sobre altos valores despendidos com taxas de administração.
O juiz Frederico Botelho de Barros Viana, da Justiça Federal na capital federal, entendeu que, como os conselheiros não escolhiam os ativos em que os recursos seriam aplicados e apenas votavam a favor ou contra a aplicação, não poderiam ser responsabilizados por maus investimentos. A decisão, proferida em maio de 2020, determinou a anulação da punição. A Advocacia-Geral da União (AGU) recorreu para reverter a decisão judicial de primeira instância. O caso ainda tramita no Tribunal Regional Federal (TRF-1).
Assessores atuam na direção dos Correios
Em maio deste ano, Júlio Lopes, participou de uma reunião com o Sindicato dos Trabalhadores dos Correios de São Paulo (SINTECT-SP) para discutir a alteração de parte de um acordo coletivo sobre a marcação de ponto por funcionários. No site da entidade, ele é apresentado como “representante” dos Correios.
Estavam presentes ainda outros três executivos da alta cúpula: o diretor de Gestão de Pessoas, Getúlio Marques Ferreira, o chefe de departamento de relacionamento organizacional, Ricardo Aparecido Reis, e o superintendente executivo de Gestão de Pessoas, Alexandre Martins Vidor.
Júlio Lopes tem atuado também como ponte entre a administração dos Correios e o Postalis, como indicam ofícios trocados entre ele e integrantes do fundo. Nos documentos, ele trata de auditorias internas e da criação de novos planos para participantes.
Em uma reunião do Conselho Fiscal da empresa realizada em agosto de 2023, o assessor foi apresentado como auxiliar direto do presidente dos Correios e explicou aos integrantes do colegiado como procederia a implantação do equacionamento do déficit de um dos planos do Postalis. Conforme revelou o Estadão, a medida é resultado de um contrato firmado em fevereiro deste ano pelos Correios, que se comprometeram a transferir R$ 7,6 bilhões ao fundo de pensão para cobrir metade das perdas sofridas até o fim de 2020.
De acordo com o Termo de Ajustamento de Conduta (TAC) que balizou o acordo, os investimentos realizados entre 2011 e 2016, durante o governo de Dilma Rousseff, resultaram em um prejuízo nominal de R$ 4,7 bilhões. Corrigido pela inflação e pela meta atuarial da entidade, o valor corresponde a R$ 9,1 bilhões, o equivalente a 60% do déficit.
Parte desse rombo financeiro foi constituído na época em que o próprio Júlio Lopes era membro do Conselho Deliberativo da entidade, entre 2008 e 2013.