O capitão Diogo Costa Cangerana, preso nesta terça-feira, 26, durante uma operação da Polícia Federal que investiga fintechs ligadas ao Primeiro Comando da Capital (PCC), esteve em ao menos 25 comitivas do governador Tarcísio de Freitas (Republicanos) nos últimos dois anos, entre elas viagens para se reunir com ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), o presidente da Câmara dos Deputados e no ministério da Fazenda.
Cangerana é suspeito de atuar na abertura de contas que seriam usadas para lavar dinheiro do crime por meio de instituições financeiras. Ele trabalhou na Casa Militar do Palácio dos Bandeirantes como chefe de equipe de segurança do governador até o dia 3 de setembro, quando foi transferido para o 13.º Batalhão da Polícia Militar (PM), responsável pelo patrulhamento da Cracolândia.
“O policial citado na reportagem ingressou na unidade em 2012 e, em setembro deste ano, foi transferido pela atual gestão para o 13º BPM. Durante esse período, ele não exerceu funções de assessoria ou ajudância de ordens às autoridades, limitando-se a atividades de rotina da Polícia Militar, assim como outros 347 policiais que são designados às autoridades conforme escala de trabalho”, afirmou a assessoria do governador Tarcísio de Freitas, acrescentando que a Corregedoria da Polícia Militar apura os fatos relativos à conduta do policial e acompanha os desdobramentos da Operação Tai-Pen.
O governador prometeu punição rigorosa ao policial e classificou o caso como um ato isolado, afirmando que “toda instituição tem suas maçãs podres”. O governador também negou que o militar exercesse a função de chefe de sua segurança. Desde de junho de 2022, o cargo do capitão na Casa Militar era de “Chefe de Equipe da Divisão de Segurança de Dignitários do Departamento de Segurança Institucional”. O Palácio dos Bandeirantes afirma que Tarcísio tem mais de uma equipe de seguranças, que se revezam na função.
“Ele prestava serviço na Casa Militar, estava lá há 14 anos e foi mandado embora”, afirmou Tarcísio na quarta-feira, 27. “Trabalhou durante 14 anos (na Casa Militar), com vários governadores. Quando eu cheguei, ele foi embora. Nós tiramos ele em setembro deste ano. Se a gente soubesse de alguma coisa, obviamente ele teria saído há muito mais tempo”, acrescentou.
Suspeito de ser um dos articuladores do “sistema financeiro do crime”, Cangerana foi visto ao lado de Tarcísio em diversas agendas públicas. Em publicações no perfil oficial do governador no Instagram, ele aparece acompanhando Tarcísio em um ato de campanha com o prefeito Ricardo Nunes (MDB) no Mercado Municipal de São Paulo, em agosto, e durante uma viagem a Balneário Camboriú (SC) para a Conferência Política de Ação Conservadora (CPAC) Brasil. Na ocasião, Tarcísio se encontrou com o presidente da Argentina, Javier Milei, e com o ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Trabalho de rotina
O Estadão cruzou os dados de passagens e diárias pagas a Cangerana, disponíveis no Portal da Transparência, com a agenda do governador e identificou que o policial acompanhou o chefe do Executivo paulista em 25 viagens.
Em três delas, Tarcísio esteve em Brasília para reuniões com algumas das principais autoridades do País. Em uma delas, o governador reuniu-se com os ministros Luís Roberto Barroso e Luiz Fux, do Supremo Tribunal Federal (STF). Em outra, esteve com Arthur Lira, presidente da Câmara dos Deputados, e, na terceira, com o ministro da Fazenda, Fernando Haddad (PT).
Segundo interlocutores de Haddad, Cangerana foi ao prédio do ministério no dia anterior ao encontro, ensaiou o caminho que o governador faria e conversou com os seguranças do local — procedimentos de praxe. No dia seguinte, 5 de julho de 2023, o policial militar entrou novamente no ministério, desta vez acompanhando Tarcísio, mas aguardou do lado de fora da sala e não participou da reunião. Ele deixou o local junto com o governador.
O encontro de Tarcísio com Haddad teve como pauta a reforma tributária e gerou insatisfação no bolsonarismo, pois o chefe do Executivo paulista afirmou que concordava com “95%” da proposta do ministro e ainda posou para fotos ao lado do titular da Fazenda.
Cangerana foi incorporado à Casa Militar antes de Tarcísio assumir o governo de São Paulo. De acordo com integrantes da gestão, o policial não participava de reuniões ou despachos com autoridades. Sua função era seguir orientações de seus superiores e coordenar a equipe de segurança que acompanhava a autoridade no momento.
Auxiliares do governador dizem que, como oficial de segurança, Cangerana permanecia próximo de Tarcísio por razões operacionais, para agir rapidamente caso fosse necessário auxiliá-lo ou protegê-lo. Entre suas funções estavam ajudar no deslocamento durante a chegada ou saída de eventos com aglomerações.
O capitão também acompanhou Tarcísio em uma missão internacional a Portugal, onde o governador apresentou ofertas de ações da Sabesp, em uma agenda em Belo Horizonte com governadores das regiões Sul e Sudeste, além de compromissos no estado de São Paulo, incluindo inaugurações de obras, participação em eventos e encontros com autoridades.
O policial militar integrou a comitiva de Felício Ramuth (PSD) em quatro ocasiões em que o vice-governador atuou como governador em exercício substituindo Tarcísio. Foram três viagens a São José dos Campos (SP) em janeiro, março e junho de 2023 e uma ida a Ubatuba (SP) em março de 2024.
Cangerana foi preso nesta terça-feira, no âmbito da Operação Tai-Pan, que busca desarticular um grupo formado por três fintechs que teriam movimentado R$ 6 bilhões nos últimos cinco anos para “diversas organizações criminosas”. Cangerana cuidaria da abertura de contas nas fintechs, como uma espécie de articulador.
O Estadão procurou as assessorias de imprensa do Supremo Tribunal Federal, da Câmara dos Deputados e do Ministério da Fazenda para questionar se Cangerana acessou os prédios dessas instituições ou participou de reuniões. A Câmara informou que a solicitação deve ser feita via Lei de Acesso à Informação (LAI), enquanto os demais órgãos não responderam até a publicação desta reportagem.