SÃO PAULO – Professores da rede estadual de ensino de São Paulo passaram a receber mensagens de texto em seus celulares com propaganda eleitoral e pedidos de voto para o ex-secretário de Educação do Estado Rossieli Soares (PSDB), atual candidato a deputado federal. Segundo relatos ouvidos pelo Estadão, o envio de SMS começou na semana passada em números particulares e de trabalho de docentes de diversas diretorias de ensino, como Guarulhos, Mogi das Cruzes, Mogi Mirim, Ribeirão Preto, Suzano, Carapicuíba, Bauru e Votorantim, além da capital.
O teor dos textos, que é o mesmo em todos os casos levantados, sugere disparo em massa de mensagens — prática vetada pelo Tribunal Superior Eleitoral (TSE) — a partir do uso de um banco de dados não autorizado. Uma das mensagens obtidas pela reportagem começa com a frase: “Vote Rossieli, deputado federal 4567. Ministro da Educação e secretário em São Paulo. Experiência de quem faz”. Em seguida, convida o docente a participar da campanha por meio de um link que leva ao grupo de WhatsApp “Amigos do 4567″, em referência ao número da urna do candidato.
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Em outro SMS, Rossieli é tratado como “nosso deputado 100% educação”. Ex-ministro da Educação no governo de Michel Temer (MDB) e secretário estadual por pouco mais de três anos na gestão João Doria (PSDB), ele se desincompatibilizou do posto em abril para disputar a eleição de outubro. No entanto, seguiu participando de encontros oficiais da pasta — alguns com a presença do governador Rodrigo Garcia (PSDB), como na inspeção de volta às aulas da Escola Estadual Doutor Luís Arrobas Martins, na zona sul da capital. As fotos que haviam sido postadas nas redes sociais do tucano foram apagadas.
O candidato também promove reuniões de campanha com servidores em escolas e até mesmo na sua casa. Representantes da Diretoria Regional de Ensino (DRE) de Mogi das Cruzes, por exemplo, estiveram na residência de Rossieli no dia 6 de agosto. Foram levados em ônibus pagos pela campanha, segundo professores afirmaram à reportagem. Alguns chegaram a publicar fotos nas redes sociais agradecendo o convite e declarando voto ao ex-chefe, prática vetada a funcionários públicos de carreira ou mesmo comissionados.
Em julho, durante a pré-campanha, uma das assessoras mais próximas de Rossieli disparou convites aos 91 diretores regionais de ensino de São Paulo, chamando-os para uma pizza com o candidato e o atual secretário, Hubert Alqueres. Denunciado, o evento acabou cancelado. No mesmo mês, o tucano também promoveu uma festa caipira em sua casa com servidores das DREs de Guarulhos, Suzano e Mogi das Cruzes. As fotos estão em suas redes sociais.
De acordo com o professor de Direito da USP Renato Ribeiro, um candidato não pode dar brindes, seja em forma de lanche, festa, churrasco, sob risco de essa prática ser configurada como compra de votos. “Em tese, qualquer oferecimento de benesse ao eleitor pode ser configurada no artigo 41-A da Lei Eleitoral, que é a compra de voto”, explica.
Ribeiro afirma ainda que o envio de mensagens em massa sem consentimento do eleitor é gravíssimo e pode gerar cassação de mandato. “A Lei Geral de Proteção de Dados é aplicada no âmbito da Justiça Eleitoral. Esses cidadãos que estão recebendo SMS podem ter sido vítimas de vazamento perante políticos, o que é gravíssimo.” O professor diz que, caso a prática se enquadre nessa irregularidade, o candidato pode responder por abuso de poder econômico.
Constrangimento
Professores ouvidos pelo Estadão, que não se identificam por medo de represálias, afirmam que se sentem constrangidos com os convites, que classificam como assédio. Eles ressaltam também que seus números de celulares deveriam estar protegidos pela Lei Geral de Proteção de Dados. Alguns chegaram a questionar sua entrada na lista de transmissão do candidato e receberam um pedido de desculpas como resposta.
Segundo o presidente da Udemo (um dos sindicatos da categoria), Chico Poli, denúncias do tipo têm chegado diariamente à entidade. “Isso está acontecendo em todas as 91 DREs. Já tínhamos conhecimento dessa prática, mas ela tem se intensificado agora na reta final da campanha. O cadastro oficial da secretaria deve ter sido acessado pelo candidato, só pode ser”, afirmou.
Poli ressaltou que, além de ilegais, as mensagens enviadas supostamente em massa ferem outra regra eleitoral, que é o uso da máquina pública. “Servidor não pode fazer campanha eleitoral, não pode pedir votos para ninguém nem organizar encontros ou reuniões dentro de escolas, que são consideradas repartições públicas.”
Por ter exercido o cargo de secretário de Educação estadual e ter como bandeira a melhoria na área, o candidato a deputado federal Rossieli Soares constantemente recebe convites e convida representantes do segmento para encontros a favor do desenvolvimento da educação.
‘Manifestação espontânea’
A direção da campanha de Rossieli afirmou, em nota, que não compactua com o uso indevido do nome do candidato em ações que possivelmente não estejam de acordo com a legislação eleitoral vigente. Disse, ainda, que tem canal direto com a base por meio de redes sociais, inclusive um WhatsApp oficial.
“Nossa campanha é limpa, transparente e participativa. Aliás, a educação é um ambiente de inclusão e participação. Referente à extensão da campanha e toda mobilização, são manifestações espontâneas”, afirmou.
Na mesma mensagem, a campanha disse que os contatos para informar sobre proposta de melhoria para a educação são feitos por meios legais e consentidos. “Sempre que alguém se manifesta contrário ao recebimento de qualquer informação, nós acatamos imediatamente”, afirmou.
A campanha de Rodrigo Garcia não quis comentar. Já a Secretaria de Estado da Educação afirmou que cumpre rigorosamente a Lei Geral de Proteção de Dados, assegurando aos titulares de dados armazenados pela pasta todos os direitos previstos na legislação. “Não há quaisquer registros de utilização irregular de dados na Seduc”, disse.