Programa de TV estatal sobre a Lava Jato reserva só 2 minutos para discutir corrupção na Petrobras


Especial de 10 anos, da TV Brasil, falou por cerca de 1h30 sobre a relação entre o ex-juiz e atual senador Sérgio Moro com o ex-procurador Deltan Dallagnol, uma suposta ligação do Departamento de Justiça dos EUA com a operação e prejuízos das empreiteiras

Por Julia Affonso
Atualização:

Nos 10 anos da deflagração da primeira fase da Operação Lava Jato, a TV Brasil - rede vinculada à Empresa Brasileira de Comunicação (EBC) - transmitiu um programa alinhado com o discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre a investigação. Em cerca de 1h30, o programa minimizou a corrupção confessa instalada na Petrobras e focou na relação entre o ex-juiz e atual senador Sérgio Moro (União-PR) e a força-tarefa do Ministério Público Federal.

A corrupção na estatal ocupou 1 minuto e 53 segundos do programa. A transmissão, majoritariamente, tratou das mensagens trocadas por Moro e Dallagnol, no caso que ficou conhecido como Vaza Jato. Outros temas, como a cobertura da Lava Jato pela imprensa, as prisões preventivas feitas pela operação e os prejuízos das empreiteiras investigadas, também foram analisadas.

O “Especial 10 anos” da Lava Jato, segundo o apresentador Leandro Demori, pretendia fazer uma “autópsia” da operação, baseada na “República de Curitiba” - alcunha dada por Lula em 2016. Demori é ex-diretor do The Intercept Brasil, portal que deu início à cobertura da Vaza Jato. O programa recebeu convidados, em sua maioria, críticos à operação, incluindo representantes de veículos alinhados ao governo, como os sites Brasil 247 e Jornal GGN.

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Programa sobre 10 anos da Lava Jato, na TV Brasil, minimizou corrupção na Petrobras. Foto: Reprodução/TV Brasil

O trecho que tratou da corrupção na estatal se restringiu a comentários dos convidados sobre uma declaração do ex-coordenador geral da Federação Única dos Petroleiros (FUP) e candidato a deputado federal pelo PT do Rio, em 2022, Zé Maria Rangel. Ele afirmou à TV Brasil que “se tem desvio (na estatal), é pontual, não é algo sistemático, algo sistêmico”.

A avaliação de que havia uma corrupção sistêmica na Petrobras foi compartilhada pelo doleiro e delator Alberto Youssef, em depoimento em 2015. O empresário Emilio Odebrecht também declarou que a corrupção no Brasil era institucionalizada. A empresa que carrega seu sobrenome detinha um departamento interno dedicado a pagar propinas a agentes públicos.

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Rangel citou, na TV Brasil, a perda de R$ 6 bilhões com corrupção entre 2004 e 2012, reconhecida pela Petrobras, em balanço de 2014. “Quanto que a empresa arrecadou neste período de 10 anos? R$ 3 trilhões, ou seja, 0,05% não quebra nenhuma empresa e nenhum sistema de auditoria consegue captar”, disse o petroleiro. “R$ 6 bilhões é muito dinheiro, mas para uma petroleira que arrecada R$ 3 trilhões…”

Em seguida, Demori concordou que “nenhuma auditoria pegaria” e afirmou que “se fala pouco do que (a operação) destruiu a economia brasileira”. Segundo o jornalista Luís Nassif, um dos convidados do programa, havia um “departamento dentro da Petrobras que não era corrupto”, a área que definia os preços das obras.

“A empreiteira não podia ir acima do preço-base. Essas propinas saíam da margem das empreiteiras”, declarou.

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Programa especial sobre 10 anos da Lava Jato publicou fotografias do período em que a operação estava ativa. Foto: Reprodução/TV Brasil

A teoria de que a Lava Jato “quebrou” a economia é compartilhada por Lula e aliados. Em depoimento ao então juiz, em maio de 2017, o petista disse que “o método de combater a corrupção” da operação prejudicou as empresas. “Doutor Moro, o senhor se sente responsável da Operação Lava Jato ter destruído a indústria da construção civil nesse país? O senhor se sente responsável por 600 milhões de pessoas que já perderam o emprego no setor de óleo e gás da construção civil? Eu tenho certeza que não”, afirmou Lula.

No início do mês, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, manifestou-se em uma rede social. Segundo a deputada, a operação “custou ao país a destruição do estratégico setor de exportação de serviços, engenharia, óleo e gás, a condenação de 4 milhões de pessoas ao desemprego e incalculável, mas imenso, prejuízo à economia do país”. A avaliação petista não leva em consideração o fato de a corrupção revelada ter acabado comprometendo o desempenho da empresa, com provas de pagamento de propina em diversas diretorias da estatal.

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Ligação da Lava Jato com os EUA e acordos de leniência

Em um dos trechos do programa, Nassif compartilhou outra teoria já divulgada por Lula, sobre uma suposta ligação dos Estados Unidos com a Lava Jato. O jornalista afirmou, na TV Brasil, que a metodologia usada pela Lava Jato, com “operações espetaculosas” e prisões, havia começado nos anos 2000, com o Departamento de Justiça americano. Lula declarou, em entrevista, em março de 2022, que a Lava Jato não tinha outra tarefa “senão a de prestar contas ao Departamento de Justiça dos EUA”.

O programa tratou ainda de acordos de leniência firmados pelas empreiteiras com a Lava Jato. Em fevereiro último, o ministro Dias Toffoli suspendeu o pagamento das parcelas do acordo da Odebrecht, atendendo a um pedido da empresa, que alegou ter sido ‘pressionada’ a fechar a leniência para garantir sua sobrevivência financeira e institucional.

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Segundo a advogada Dora Cavalcanti, uma das convidadas e ex-advogada de executivos da Odebrecht na Lava Jato, é preciso “entender como a pessoa física era estrangulada na sua liberdade para confessar, mas também as empresas brasileiras, construtoras, foram forçadas a assumir programas de leniência pesadíssimos, se responsabilizando com pagamentos de valores absolutamente incompatíveis com a realidade, num cenário em que não havia outra opção”.

A Odebrecht fechou um acordo de leniência, homologado em 2016, e assumiu o compromisso de pagar R$ 3,8 bilhões. O valor corrigido chegaria a R$ 8,5 bilhões ao final da quitação. A Andrade Gutierrez se comprometeu a pagar R$ 1 bilhão.

Durante o programa, os convidados ficaram sentados lado a lado, no estúdio, na frente de painéis que espelhavam fotografias do período da Lava Jato. As imagens mostraram, por exemplo, a ex-presidente Dilma Rousseff, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, apoiadores de Lula com cartazes, com a frase “Lula Livre”, Bolsonaro abraçado com seu ex-ministro da Justiça Sérgio Moro e os ministros do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes e Dias Toffoli.

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Em outro programa, o Caminhos da Reportagem, com 27 minutos de duração, a TV Brasil tratou um pouco mais sobre a corrupção na Petrobras. A TV Brasil é vinculada à Empresa Brasil de Comunicação (EBC), que por sua vez está subordinada à Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom), chefiada pelo ministro Paulo Pimenta. No governo Bolsonaro, a empresa ficou sob controle do Ministério das Comunicações.

Operação mexeu no xadrez político

A deflagração da primeira fase da Lava Jato completou 10 anos no domingo, 17 de março. A operação teve 79 fases até janeiro de 2021, quando a Procuradoria-Geral da República extinguiu o modelo de força-tarefa que fazia as investigações. Em dez anos, a Lava Jato mexeu no xadrez político nacional ao enquadrar criminalmente e prender ex-presidentes da República, parlamentares, grandes empreiteiros do setor de infraestrutura, doleiros e ex-mandatários de postos estratégicos da Petrobras. Foram recuperados R$ 2 bilhões para os cofres públicos por meio de delações homologadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

A Lava Jato perdeu força a partir de 2018, quando Moro aceitou o convite de Jair Bolsonaro, que acabara de se eleger presidente, para assumir o Ministério da Justiça e Segurança Pública. O movimento político do magistrado, que havia condenado Lula – sentença confirmada por outras instâncias judiciais, inclusive o Superior Tribunal de Justiça (STJ) –, alijando o petista das eleições daquele ano, abriu espaço para especulações sobre as intenções do ex-juiz e dos procuradores de Curitiba.

Em 2019, um novo revés. Críticos da operação aumentaram o tom dos questionamentos após mensagens trocadas por procuradores e Moro, acessadas por um audacioso hacker, se tornarem públicas. O conteúdo, revelado pelo site The Intercept Brasil, indicava uma parceria entre o então juiz e os procuradores na condução da Lava Jato, uma proximidade que, na avaliação de ministros do Supremo, violou a Constituição e regras básicas do Direito.

O esquema de corrupção instalado na Petrobras e investigado pela Lava Jato a partir de 2014 foi confirmado por ex-funcionários do alto escalão da estatal em delação premiada ou em colaboração espontânea à Justiça. Quatro executivos aceitaram entregar R$ 279,8 milhões ao Tesouro e à petrolífera, segundo levantamento feito pelo Estadão com base nos acordos firmados entre os investigados e o Ministério Público Federal.

Do total de recursos devolvidos, R$ 244 milhões - ou 87% - foram oriundos de propinas obtidas pelos executivos e eram mantidas em contas no exterior, em dinheiro vivo e na forma de terrenos e até de carro importado. O restante corresponde a valores de multas compensatórias pelos crimes cometidos.

Nos 10 anos da deflagração da primeira fase da Operação Lava Jato, a TV Brasil - rede vinculada à Empresa Brasileira de Comunicação (EBC) - transmitiu um programa alinhado com o discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre a investigação. Em cerca de 1h30, o programa minimizou a corrupção confessa instalada na Petrobras e focou na relação entre o ex-juiz e atual senador Sérgio Moro (União-PR) e a força-tarefa do Ministério Público Federal.

A corrupção na estatal ocupou 1 minuto e 53 segundos do programa. A transmissão, majoritariamente, tratou das mensagens trocadas por Moro e Dallagnol, no caso que ficou conhecido como Vaza Jato. Outros temas, como a cobertura da Lava Jato pela imprensa, as prisões preventivas feitas pela operação e os prejuízos das empreiteiras investigadas, também foram analisadas.

O “Especial 10 anos” da Lava Jato, segundo o apresentador Leandro Demori, pretendia fazer uma “autópsia” da operação, baseada na “República de Curitiba” - alcunha dada por Lula em 2016. Demori é ex-diretor do The Intercept Brasil, portal que deu início à cobertura da Vaza Jato. O programa recebeu convidados, em sua maioria, críticos à operação, incluindo representantes de veículos alinhados ao governo, como os sites Brasil 247 e Jornal GGN.

Programa sobre 10 anos da Lava Jato, na TV Brasil, minimizou corrupção na Petrobras. Foto: Reprodução/TV Brasil

O trecho que tratou da corrupção na estatal se restringiu a comentários dos convidados sobre uma declaração do ex-coordenador geral da Federação Única dos Petroleiros (FUP) e candidato a deputado federal pelo PT do Rio, em 2022, Zé Maria Rangel. Ele afirmou à TV Brasil que “se tem desvio (na estatal), é pontual, não é algo sistemático, algo sistêmico”.

A avaliação de que havia uma corrupção sistêmica na Petrobras foi compartilhada pelo doleiro e delator Alberto Youssef, em depoimento em 2015. O empresário Emilio Odebrecht também declarou que a corrupção no Brasil era institucionalizada. A empresa que carrega seu sobrenome detinha um departamento interno dedicado a pagar propinas a agentes públicos.

Rangel citou, na TV Brasil, a perda de R$ 6 bilhões com corrupção entre 2004 e 2012, reconhecida pela Petrobras, em balanço de 2014. “Quanto que a empresa arrecadou neste período de 10 anos? R$ 3 trilhões, ou seja, 0,05% não quebra nenhuma empresa e nenhum sistema de auditoria consegue captar”, disse o petroleiro. “R$ 6 bilhões é muito dinheiro, mas para uma petroleira que arrecada R$ 3 trilhões…”

Em seguida, Demori concordou que “nenhuma auditoria pegaria” e afirmou que “se fala pouco do que (a operação) destruiu a economia brasileira”. Segundo o jornalista Luís Nassif, um dos convidados do programa, havia um “departamento dentro da Petrobras que não era corrupto”, a área que definia os preços das obras.

“A empreiteira não podia ir acima do preço-base. Essas propinas saíam da margem das empreiteiras”, declarou.

Programa especial sobre 10 anos da Lava Jato publicou fotografias do período em que a operação estava ativa. Foto: Reprodução/TV Brasil

A teoria de que a Lava Jato “quebrou” a economia é compartilhada por Lula e aliados. Em depoimento ao então juiz, em maio de 2017, o petista disse que “o método de combater a corrupção” da operação prejudicou as empresas. “Doutor Moro, o senhor se sente responsável da Operação Lava Jato ter destruído a indústria da construção civil nesse país? O senhor se sente responsável por 600 milhões de pessoas que já perderam o emprego no setor de óleo e gás da construção civil? Eu tenho certeza que não”, afirmou Lula.

No início do mês, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, manifestou-se em uma rede social. Segundo a deputada, a operação “custou ao país a destruição do estratégico setor de exportação de serviços, engenharia, óleo e gás, a condenação de 4 milhões de pessoas ao desemprego e incalculável, mas imenso, prejuízo à economia do país”. A avaliação petista não leva em consideração o fato de a corrupção revelada ter acabado comprometendo o desempenho da empresa, com provas de pagamento de propina em diversas diretorias da estatal.

Ligação da Lava Jato com os EUA e acordos de leniência

Em um dos trechos do programa, Nassif compartilhou outra teoria já divulgada por Lula, sobre uma suposta ligação dos Estados Unidos com a Lava Jato. O jornalista afirmou, na TV Brasil, que a metodologia usada pela Lava Jato, com “operações espetaculosas” e prisões, havia começado nos anos 2000, com o Departamento de Justiça americano. Lula declarou, em entrevista, em março de 2022, que a Lava Jato não tinha outra tarefa “senão a de prestar contas ao Departamento de Justiça dos EUA”.

O programa tratou ainda de acordos de leniência firmados pelas empreiteiras com a Lava Jato. Em fevereiro último, o ministro Dias Toffoli suspendeu o pagamento das parcelas do acordo da Odebrecht, atendendo a um pedido da empresa, que alegou ter sido ‘pressionada’ a fechar a leniência para garantir sua sobrevivência financeira e institucional.

Segundo a advogada Dora Cavalcanti, uma das convidadas e ex-advogada de executivos da Odebrecht na Lava Jato, é preciso “entender como a pessoa física era estrangulada na sua liberdade para confessar, mas também as empresas brasileiras, construtoras, foram forçadas a assumir programas de leniência pesadíssimos, se responsabilizando com pagamentos de valores absolutamente incompatíveis com a realidade, num cenário em que não havia outra opção”.

A Odebrecht fechou um acordo de leniência, homologado em 2016, e assumiu o compromisso de pagar R$ 3,8 bilhões. O valor corrigido chegaria a R$ 8,5 bilhões ao final da quitação. A Andrade Gutierrez se comprometeu a pagar R$ 1 bilhão.

Durante o programa, os convidados ficaram sentados lado a lado, no estúdio, na frente de painéis que espelhavam fotografias do período da Lava Jato. As imagens mostraram, por exemplo, a ex-presidente Dilma Rousseff, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, apoiadores de Lula com cartazes, com a frase “Lula Livre”, Bolsonaro abraçado com seu ex-ministro da Justiça Sérgio Moro e os ministros do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes e Dias Toffoli.

Em outro programa, o Caminhos da Reportagem, com 27 minutos de duração, a TV Brasil tratou um pouco mais sobre a corrupção na Petrobras. A TV Brasil é vinculada à Empresa Brasil de Comunicação (EBC), que por sua vez está subordinada à Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom), chefiada pelo ministro Paulo Pimenta. No governo Bolsonaro, a empresa ficou sob controle do Ministério das Comunicações.

Operação mexeu no xadrez político

A deflagração da primeira fase da Lava Jato completou 10 anos no domingo, 17 de março. A operação teve 79 fases até janeiro de 2021, quando a Procuradoria-Geral da República extinguiu o modelo de força-tarefa que fazia as investigações. Em dez anos, a Lava Jato mexeu no xadrez político nacional ao enquadrar criminalmente e prender ex-presidentes da República, parlamentares, grandes empreiteiros do setor de infraestrutura, doleiros e ex-mandatários de postos estratégicos da Petrobras. Foram recuperados R$ 2 bilhões para os cofres públicos por meio de delações homologadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

A Lava Jato perdeu força a partir de 2018, quando Moro aceitou o convite de Jair Bolsonaro, que acabara de se eleger presidente, para assumir o Ministério da Justiça e Segurança Pública. O movimento político do magistrado, que havia condenado Lula – sentença confirmada por outras instâncias judiciais, inclusive o Superior Tribunal de Justiça (STJ) –, alijando o petista das eleições daquele ano, abriu espaço para especulações sobre as intenções do ex-juiz e dos procuradores de Curitiba.

Em 2019, um novo revés. Críticos da operação aumentaram o tom dos questionamentos após mensagens trocadas por procuradores e Moro, acessadas por um audacioso hacker, se tornarem públicas. O conteúdo, revelado pelo site The Intercept Brasil, indicava uma parceria entre o então juiz e os procuradores na condução da Lava Jato, uma proximidade que, na avaliação de ministros do Supremo, violou a Constituição e regras básicas do Direito.

O esquema de corrupção instalado na Petrobras e investigado pela Lava Jato a partir de 2014 foi confirmado por ex-funcionários do alto escalão da estatal em delação premiada ou em colaboração espontânea à Justiça. Quatro executivos aceitaram entregar R$ 279,8 milhões ao Tesouro e à petrolífera, segundo levantamento feito pelo Estadão com base nos acordos firmados entre os investigados e o Ministério Público Federal.

Do total de recursos devolvidos, R$ 244 milhões - ou 87% - foram oriundos de propinas obtidas pelos executivos e eram mantidas em contas no exterior, em dinheiro vivo e na forma de terrenos e até de carro importado. O restante corresponde a valores de multas compensatórias pelos crimes cometidos.

Nos 10 anos da deflagração da primeira fase da Operação Lava Jato, a TV Brasil - rede vinculada à Empresa Brasileira de Comunicação (EBC) - transmitiu um programa alinhado com o discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre a investigação. Em cerca de 1h30, o programa minimizou a corrupção confessa instalada na Petrobras e focou na relação entre o ex-juiz e atual senador Sérgio Moro (União-PR) e a força-tarefa do Ministério Público Federal.

A corrupção na estatal ocupou 1 minuto e 53 segundos do programa. A transmissão, majoritariamente, tratou das mensagens trocadas por Moro e Dallagnol, no caso que ficou conhecido como Vaza Jato. Outros temas, como a cobertura da Lava Jato pela imprensa, as prisões preventivas feitas pela operação e os prejuízos das empreiteiras investigadas, também foram analisadas.

O “Especial 10 anos” da Lava Jato, segundo o apresentador Leandro Demori, pretendia fazer uma “autópsia” da operação, baseada na “República de Curitiba” - alcunha dada por Lula em 2016. Demori é ex-diretor do The Intercept Brasil, portal que deu início à cobertura da Vaza Jato. O programa recebeu convidados, em sua maioria, críticos à operação, incluindo representantes de veículos alinhados ao governo, como os sites Brasil 247 e Jornal GGN.

Programa sobre 10 anos da Lava Jato, na TV Brasil, minimizou corrupção na Petrobras. Foto: Reprodução/TV Brasil

O trecho que tratou da corrupção na estatal se restringiu a comentários dos convidados sobre uma declaração do ex-coordenador geral da Federação Única dos Petroleiros (FUP) e candidato a deputado federal pelo PT do Rio, em 2022, Zé Maria Rangel. Ele afirmou à TV Brasil que “se tem desvio (na estatal), é pontual, não é algo sistemático, algo sistêmico”.

A avaliação de que havia uma corrupção sistêmica na Petrobras foi compartilhada pelo doleiro e delator Alberto Youssef, em depoimento em 2015. O empresário Emilio Odebrecht também declarou que a corrupção no Brasil era institucionalizada. A empresa que carrega seu sobrenome detinha um departamento interno dedicado a pagar propinas a agentes públicos.

Rangel citou, na TV Brasil, a perda de R$ 6 bilhões com corrupção entre 2004 e 2012, reconhecida pela Petrobras, em balanço de 2014. “Quanto que a empresa arrecadou neste período de 10 anos? R$ 3 trilhões, ou seja, 0,05% não quebra nenhuma empresa e nenhum sistema de auditoria consegue captar”, disse o petroleiro. “R$ 6 bilhões é muito dinheiro, mas para uma petroleira que arrecada R$ 3 trilhões…”

Em seguida, Demori concordou que “nenhuma auditoria pegaria” e afirmou que “se fala pouco do que (a operação) destruiu a economia brasileira”. Segundo o jornalista Luís Nassif, um dos convidados do programa, havia um “departamento dentro da Petrobras que não era corrupto”, a área que definia os preços das obras.

“A empreiteira não podia ir acima do preço-base. Essas propinas saíam da margem das empreiteiras”, declarou.

Programa especial sobre 10 anos da Lava Jato publicou fotografias do período em que a operação estava ativa. Foto: Reprodução/TV Brasil

A teoria de que a Lava Jato “quebrou” a economia é compartilhada por Lula e aliados. Em depoimento ao então juiz, em maio de 2017, o petista disse que “o método de combater a corrupção” da operação prejudicou as empresas. “Doutor Moro, o senhor se sente responsável da Operação Lava Jato ter destruído a indústria da construção civil nesse país? O senhor se sente responsável por 600 milhões de pessoas que já perderam o emprego no setor de óleo e gás da construção civil? Eu tenho certeza que não”, afirmou Lula.

No início do mês, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, manifestou-se em uma rede social. Segundo a deputada, a operação “custou ao país a destruição do estratégico setor de exportação de serviços, engenharia, óleo e gás, a condenação de 4 milhões de pessoas ao desemprego e incalculável, mas imenso, prejuízo à economia do país”. A avaliação petista não leva em consideração o fato de a corrupção revelada ter acabado comprometendo o desempenho da empresa, com provas de pagamento de propina em diversas diretorias da estatal.

Ligação da Lava Jato com os EUA e acordos de leniência

Em um dos trechos do programa, Nassif compartilhou outra teoria já divulgada por Lula, sobre uma suposta ligação dos Estados Unidos com a Lava Jato. O jornalista afirmou, na TV Brasil, que a metodologia usada pela Lava Jato, com “operações espetaculosas” e prisões, havia começado nos anos 2000, com o Departamento de Justiça americano. Lula declarou, em entrevista, em março de 2022, que a Lava Jato não tinha outra tarefa “senão a de prestar contas ao Departamento de Justiça dos EUA”.

O programa tratou ainda de acordos de leniência firmados pelas empreiteiras com a Lava Jato. Em fevereiro último, o ministro Dias Toffoli suspendeu o pagamento das parcelas do acordo da Odebrecht, atendendo a um pedido da empresa, que alegou ter sido ‘pressionada’ a fechar a leniência para garantir sua sobrevivência financeira e institucional.

Segundo a advogada Dora Cavalcanti, uma das convidadas e ex-advogada de executivos da Odebrecht na Lava Jato, é preciso “entender como a pessoa física era estrangulada na sua liberdade para confessar, mas também as empresas brasileiras, construtoras, foram forçadas a assumir programas de leniência pesadíssimos, se responsabilizando com pagamentos de valores absolutamente incompatíveis com a realidade, num cenário em que não havia outra opção”.

A Odebrecht fechou um acordo de leniência, homologado em 2016, e assumiu o compromisso de pagar R$ 3,8 bilhões. O valor corrigido chegaria a R$ 8,5 bilhões ao final da quitação. A Andrade Gutierrez se comprometeu a pagar R$ 1 bilhão.

Durante o programa, os convidados ficaram sentados lado a lado, no estúdio, na frente de painéis que espelhavam fotografias do período da Lava Jato. As imagens mostraram, por exemplo, a ex-presidente Dilma Rousseff, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, apoiadores de Lula com cartazes, com a frase “Lula Livre”, Bolsonaro abraçado com seu ex-ministro da Justiça Sérgio Moro e os ministros do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes e Dias Toffoli.

Em outro programa, o Caminhos da Reportagem, com 27 minutos de duração, a TV Brasil tratou um pouco mais sobre a corrupção na Petrobras. A TV Brasil é vinculada à Empresa Brasil de Comunicação (EBC), que por sua vez está subordinada à Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom), chefiada pelo ministro Paulo Pimenta. No governo Bolsonaro, a empresa ficou sob controle do Ministério das Comunicações.

Operação mexeu no xadrez político

A deflagração da primeira fase da Lava Jato completou 10 anos no domingo, 17 de março. A operação teve 79 fases até janeiro de 2021, quando a Procuradoria-Geral da República extinguiu o modelo de força-tarefa que fazia as investigações. Em dez anos, a Lava Jato mexeu no xadrez político nacional ao enquadrar criminalmente e prender ex-presidentes da República, parlamentares, grandes empreiteiros do setor de infraestrutura, doleiros e ex-mandatários de postos estratégicos da Petrobras. Foram recuperados R$ 2 bilhões para os cofres públicos por meio de delações homologadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

A Lava Jato perdeu força a partir de 2018, quando Moro aceitou o convite de Jair Bolsonaro, que acabara de se eleger presidente, para assumir o Ministério da Justiça e Segurança Pública. O movimento político do magistrado, que havia condenado Lula – sentença confirmada por outras instâncias judiciais, inclusive o Superior Tribunal de Justiça (STJ) –, alijando o petista das eleições daquele ano, abriu espaço para especulações sobre as intenções do ex-juiz e dos procuradores de Curitiba.

Em 2019, um novo revés. Críticos da operação aumentaram o tom dos questionamentos após mensagens trocadas por procuradores e Moro, acessadas por um audacioso hacker, se tornarem públicas. O conteúdo, revelado pelo site The Intercept Brasil, indicava uma parceria entre o então juiz e os procuradores na condução da Lava Jato, uma proximidade que, na avaliação de ministros do Supremo, violou a Constituição e regras básicas do Direito.

O esquema de corrupção instalado na Petrobras e investigado pela Lava Jato a partir de 2014 foi confirmado por ex-funcionários do alto escalão da estatal em delação premiada ou em colaboração espontânea à Justiça. Quatro executivos aceitaram entregar R$ 279,8 milhões ao Tesouro e à petrolífera, segundo levantamento feito pelo Estadão com base nos acordos firmados entre os investigados e o Ministério Público Federal.

Do total de recursos devolvidos, R$ 244 milhões - ou 87% - foram oriundos de propinas obtidas pelos executivos e eram mantidas em contas no exterior, em dinheiro vivo e na forma de terrenos e até de carro importado. O restante corresponde a valores de multas compensatórias pelos crimes cometidos.

Nos 10 anos da deflagração da primeira fase da Operação Lava Jato, a TV Brasil - rede vinculada à Empresa Brasileira de Comunicação (EBC) - transmitiu um programa alinhado com o discurso do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) sobre a investigação. Em cerca de 1h30, o programa minimizou a corrupção confessa instalada na Petrobras e focou na relação entre o ex-juiz e atual senador Sérgio Moro (União-PR) e a força-tarefa do Ministério Público Federal.

A corrupção na estatal ocupou 1 minuto e 53 segundos do programa. A transmissão, majoritariamente, tratou das mensagens trocadas por Moro e Dallagnol, no caso que ficou conhecido como Vaza Jato. Outros temas, como a cobertura da Lava Jato pela imprensa, as prisões preventivas feitas pela operação e os prejuízos das empreiteiras investigadas, também foram analisadas.

O “Especial 10 anos” da Lava Jato, segundo o apresentador Leandro Demori, pretendia fazer uma “autópsia” da operação, baseada na “República de Curitiba” - alcunha dada por Lula em 2016. Demori é ex-diretor do The Intercept Brasil, portal que deu início à cobertura da Vaza Jato. O programa recebeu convidados, em sua maioria, críticos à operação, incluindo representantes de veículos alinhados ao governo, como os sites Brasil 247 e Jornal GGN.

Programa sobre 10 anos da Lava Jato, na TV Brasil, minimizou corrupção na Petrobras. Foto: Reprodução/TV Brasil

O trecho que tratou da corrupção na estatal se restringiu a comentários dos convidados sobre uma declaração do ex-coordenador geral da Federação Única dos Petroleiros (FUP) e candidato a deputado federal pelo PT do Rio, em 2022, Zé Maria Rangel. Ele afirmou à TV Brasil que “se tem desvio (na estatal), é pontual, não é algo sistemático, algo sistêmico”.

A avaliação de que havia uma corrupção sistêmica na Petrobras foi compartilhada pelo doleiro e delator Alberto Youssef, em depoimento em 2015. O empresário Emilio Odebrecht também declarou que a corrupção no Brasil era institucionalizada. A empresa que carrega seu sobrenome detinha um departamento interno dedicado a pagar propinas a agentes públicos.

Rangel citou, na TV Brasil, a perda de R$ 6 bilhões com corrupção entre 2004 e 2012, reconhecida pela Petrobras, em balanço de 2014. “Quanto que a empresa arrecadou neste período de 10 anos? R$ 3 trilhões, ou seja, 0,05% não quebra nenhuma empresa e nenhum sistema de auditoria consegue captar”, disse o petroleiro. “R$ 6 bilhões é muito dinheiro, mas para uma petroleira que arrecada R$ 3 trilhões…”

Em seguida, Demori concordou que “nenhuma auditoria pegaria” e afirmou que “se fala pouco do que (a operação) destruiu a economia brasileira”. Segundo o jornalista Luís Nassif, um dos convidados do programa, havia um “departamento dentro da Petrobras que não era corrupto”, a área que definia os preços das obras.

“A empreiteira não podia ir acima do preço-base. Essas propinas saíam da margem das empreiteiras”, declarou.

Programa especial sobre 10 anos da Lava Jato publicou fotografias do período em que a operação estava ativa. Foto: Reprodução/TV Brasil

A teoria de que a Lava Jato “quebrou” a economia é compartilhada por Lula e aliados. Em depoimento ao então juiz, em maio de 2017, o petista disse que “o método de combater a corrupção” da operação prejudicou as empresas. “Doutor Moro, o senhor se sente responsável da Operação Lava Jato ter destruído a indústria da construção civil nesse país? O senhor se sente responsável por 600 milhões de pessoas que já perderam o emprego no setor de óleo e gás da construção civil? Eu tenho certeza que não”, afirmou Lula.

No início do mês, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, manifestou-se em uma rede social. Segundo a deputada, a operação “custou ao país a destruição do estratégico setor de exportação de serviços, engenharia, óleo e gás, a condenação de 4 milhões de pessoas ao desemprego e incalculável, mas imenso, prejuízo à economia do país”. A avaliação petista não leva em consideração o fato de a corrupção revelada ter acabado comprometendo o desempenho da empresa, com provas de pagamento de propina em diversas diretorias da estatal.

Ligação da Lava Jato com os EUA e acordos de leniência

Em um dos trechos do programa, Nassif compartilhou outra teoria já divulgada por Lula, sobre uma suposta ligação dos Estados Unidos com a Lava Jato. O jornalista afirmou, na TV Brasil, que a metodologia usada pela Lava Jato, com “operações espetaculosas” e prisões, havia começado nos anos 2000, com o Departamento de Justiça americano. Lula declarou, em entrevista, em março de 2022, que a Lava Jato não tinha outra tarefa “senão a de prestar contas ao Departamento de Justiça dos EUA”.

O programa tratou ainda de acordos de leniência firmados pelas empreiteiras com a Lava Jato. Em fevereiro último, o ministro Dias Toffoli suspendeu o pagamento das parcelas do acordo da Odebrecht, atendendo a um pedido da empresa, que alegou ter sido ‘pressionada’ a fechar a leniência para garantir sua sobrevivência financeira e institucional.

Segundo a advogada Dora Cavalcanti, uma das convidadas e ex-advogada de executivos da Odebrecht na Lava Jato, é preciso “entender como a pessoa física era estrangulada na sua liberdade para confessar, mas também as empresas brasileiras, construtoras, foram forçadas a assumir programas de leniência pesadíssimos, se responsabilizando com pagamentos de valores absolutamente incompatíveis com a realidade, num cenário em que não havia outra opção”.

A Odebrecht fechou um acordo de leniência, homologado em 2016, e assumiu o compromisso de pagar R$ 3,8 bilhões. O valor corrigido chegaria a R$ 8,5 bilhões ao final da quitação. A Andrade Gutierrez se comprometeu a pagar R$ 1 bilhão.

Durante o programa, os convidados ficaram sentados lado a lado, no estúdio, na frente de painéis que espelhavam fotografias do período da Lava Jato. As imagens mostraram, por exemplo, a ex-presidente Dilma Rousseff, a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, apoiadores de Lula com cartazes, com a frase “Lula Livre”, Bolsonaro abraçado com seu ex-ministro da Justiça Sérgio Moro e os ministros do Supremo Tribunal Federal Gilmar Mendes e Dias Toffoli.

Em outro programa, o Caminhos da Reportagem, com 27 minutos de duração, a TV Brasil tratou um pouco mais sobre a corrupção na Petrobras. A TV Brasil é vinculada à Empresa Brasil de Comunicação (EBC), que por sua vez está subordinada à Secretaria de Comunicação Social da Presidência da República (Secom), chefiada pelo ministro Paulo Pimenta. No governo Bolsonaro, a empresa ficou sob controle do Ministério das Comunicações.

Operação mexeu no xadrez político

A deflagração da primeira fase da Lava Jato completou 10 anos no domingo, 17 de março. A operação teve 79 fases até janeiro de 2021, quando a Procuradoria-Geral da República extinguiu o modelo de força-tarefa que fazia as investigações. Em dez anos, a Lava Jato mexeu no xadrez político nacional ao enquadrar criminalmente e prender ex-presidentes da República, parlamentares, grandes empreiteiros do setor de infraestrutura, doleiros e ex-mandatários de postos estratégicos da Petrobras. Foram recuperados R$ 2 bilhões para os cofres públicos por meio de delações homologadas pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

A Lava Jato perdeu força a partir de 2018, quando Moro aceitou o convite de Jair Bolsonaro, que acabara de se eleger presidente, para assumir o Ministério da Justiça e Segurança Pública. O movimento político do magistrado, que havia condenado Lula – sentença confirmada por outras instâncias judiciais, inclusive o Superior Tribunal de Justiça (STJ) –, alijando o petista das eleições daquele ano, abriu espaço para especulações sobre as intenções do ex-juiz e dos procuradores de Curitiba.

Em 2019, um novo revés. Críticos da operação aumentaram o tom dos questionamentos após mensagens trocadas por procuradores e Moro, acessadas por um audacioso hacker, se tornarem públicas. O conteúdo, revelado pelo site The Intercept Brasil, indicava uma parceria entre o então juiz e os procuradores na condução da Lava Jato, uma proximidade que, na avaliação de ministros do Supremo, violou a Constituição e regras básicas do Direito.

O esquema de corrupção instalado na Petrobras e investigado pela Lava Jato a partir de 2014 foi confirmado por ex-funcionários do alto escalão da estatal em delação premiada ou em colaboração espontânea à Justiça. Quatro executivos aceitaram entregar R$ 279,8 milhões ao Tesouro e à petrolífera, segundo levantamento feito pelo Estadão com base nos acordos firmados entre os investigados e o Ministério Público Federal.

Do total de recursos devolvidos, R$ 244 milhões - ou 87% - foram oriundos de propinas obtidas pelos executivos e eram mantidas em contas no exterior, em dinheiro vivo e na forma de terrenos e até de carro importado. O restante corresponde a valores de multas compensatórias pelos crimes cometidos.

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