Promotores criticam mudanças em delação premiada


Medidas fazem parte de pacote anticrime sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro no fim do ano

Por Bruno Ribeiro

Além de criar a figura do juiz de garantias, o pacote anticrime sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro no fim de dezembro promove mudanças na delação premiada. Responsáveis por investigar casos de corrupção, como a Máfia do ISS, promotores de São Paulo afirmam que, se a nova lei estivesse em vigor entre 2013 e 2016, eles não teriam conseguido dar prosseguimento ao trabalho que culminou na denúncia de mais de 30 pessoas e a recuperação de cerca de R$ 500 milhões. 

Integrantes do Grupo Especial de Combate aos Delitos Econômicos (Gedec), os promotores Roberto Bodini e Rodrigo Mansour dizem que o texto tirou do Ministério Público a possibilidade de oferecer benefícios aos delatores. Nas investigações da Máfia do ISS, os promotores podiam definir, em conjunto com os delatores, se a pena a qual eles seriam condenados poderia ser cumprida em regime aberto ou mesmo se poderia haver progressão de regime – cabia a um magistrado apenas homologar o acordo. 

Os promotores Roberto Bodini (esq.) e Rodrigo Mansour fazem parte da equipe que investigou a Máfia do ISS na cidade de São Paulo Foto: Nilton Fukuda
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Com a nova medida, a negociação inclui apenas a redução da pena. Eventuais vantagens penais devem ser decididas por um juiz. O texto também obriga o colaborador a relatar apenas ilegalidades que tenham ligação direta com os fatos investigados. O delator não poderia contar, portanto, temas ainda desconhecidos pelos policiais. Segundo Bodini, a vantagem em delatar foi perdida. “Quantas vezes eu dizia: ‘Amigo, colabora’. A pessoa perguntava: ‘E o que você garante para mim?’ Eu respondia: ‘Garanto que você não vai para grade’ (a cadeia). Esse era o atrativo. A pessoa sabe os pecados que ela cometeu. Ela pensava: ‘Fiz tudo isso e não vou ser preso?’ E aí assinava (a colaboração). Em troca, trazia todas as informações para a gente”, disse Bodini. 

A Máfia do ISS foi um esquema de corrupção durante a gestão Gilberto Kassab (PSD) na Prefeitura de São Paulo, em que fiscais da então Secretaria Municipal de Finanças cobravam propina de construtoras para, em troca, reduzir o cálculo do imposto devido por elas. As mais de 400 denúncias criminais oferecidas no caso foram montadas a partir da coleta de provas e da colaboração dos próprios fiscais e de empresários. 

Advogados dizem que mudanças barram 'indústria de delações'

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Para advogados consultados pelo Estado, as mudanças na delação premiada do pacote anticrime são positivas porque evitam que a ferramenta se transforme em uma “indústria”, e aumentam as obrigações dos delatores. 

“Como diz o velho ditado, quando a esmola é demais o santo desconfia. Quando os benefícios da delação são excessivos, até o inocente fica tentado a forjar uma delação para se livrar de eventual sanção penal, disse Fábio Tofic Simantob, conselheiro do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD). “É importante o balizamento legal imposto pelo legislador, para evitar aquilo que se conhece como indústria da delação.” 

O jurista Lenio Streck, professor da Universidade do Vale do Rio Sinos e ex-integrante do Ministério Público, afirmou que lei vai acabar com a “picaretagem” nas delações. “É um avanço. Termina com o uso das delações como ameaça. O dispositivo acaba com a ‘picaretagem’. Colaborador deve mostrar o 'produto' que tem a 'vender'. Delação não é fim. É meio. Não se substitui a investigação por atividade de delatores. Veio em boa hora a alteração”, disse

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Juiz de garantias

Os promotores Roberto Bodini e Rodrigo Mansour  também criticam a atuação do Departamento de Inquéritos Policiais (Dipo), em funcionamento desde 1984 em São Paulo, cuja atuação é semelhante à figura do juiz de garantias - incluída no texto original do pacote anticrime pelo Congresso. 

Em São Paulo, os magistrados que analisam medidas pedidas pelo Ministério Público na fase de investigação, como mandados de busca e apreensão, autorização de escutas e emissão de ordens de prisão, fazem parte do Dipo, que é encarregado de decisões sobre as medidas cautelares. Enquanto isso, outro juiz fica responsável por ouvir acusação, defesa, testemunhas e expedir sentença.

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O promotor Mansour afirma que o Dipo foi criado para organizar milhares de inquéritos policiais da cidade, e não para zelar pelas garantias. Ao analisar o sistema de dois juízes, os promotores afirmam que a solução de alguns processos pode demorar porque eles precisam apresentar todo o caso ao Dipo e, depois, ao juiz que analisaria a denúncia. 

Segundo os dois promotores, outros casos da Máfia do ISS teriam um desfecho diferente se o pacote anticrime já tivesse em vigor. Em denúncia contra um fiscal, por exemplo, entre as provas havia dados de uma conta no exterior descoberta a partir da análise de um pen drive. O dispositivo, originalmente, foi achado por outros promotores, da área cível, não por eles. Para evitar que a defesa conseguisse um pedido de nulidade, o MP decidiu não usar a prova. 

Com a nova lei, dizem os promotores, ao ter acesso a uma prova que poderia ser nula, como o pen drive retirado de outro processo, o juiz deve se declarar impedido, e todo o caso ser transferido a outro magistrado. Na prática, isso pode atrasar o julgamento, afirmam os promotores.

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Em outro caso, no começo da investigação, o Dipo autorizou a instalação de escutas em um escritório a partir de um pedido “genérico”, sem a indicação de onde ficariam os microfones. “Até hoje eles não sabem”, disse Bodini. Com as novas regras, o pedido deveria detalhar exatamente onde ficaria a escuta. “E todo mundo saberia como os policiais agem.”

Além de criar a figura do juiz de garantias, o pacote anticrime sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro no fim de dezembro promove mudanças na delação premiada. Responsáveis por investigar casos de corrupção, como a Máfia do ISS, promotores de São Paulo afirmam que, se a nova lei estivesse em vigor entre 2013 e 2016, eles não teriam conseguido dar prosseguimento ao trabalho que culminou na denúncia de mais de 30 pessoas e a recuperação de cerca de R$ 500 milhões. 

Integrantes do Grupo Especial de Combate aos Delitos Econômicos (Gedec), os promotores Roberto Bodini e Rodrigo Mansour dizem que o texto tirou do Ministério Público a possibilidade de oferecer benefícios aos delatores. Nas investigações da Máfia do ISS, os promotores podiam definir, em conjunto com os delatores, se a pena a qual eles seriam condenados poderia ser cumprida em regime aberto ou mesmo se poderia haver progressão de regime – cabia a um magistrado apenas homologar o acordo. 

Os promotores Roberto Bodini (esq.) e Rodrigo Mansour fazem parte da equipe que investigou a Máfia do ISS na cidade de São Paulo Foto: Nilton Fukuda

Com a nova medida, a negociação inclui apenas a redução da pena. Eventuais vantagens penais devem ser decididas por um juiz. O texto também obriga o colaborador a relatar apenas ilegalidades que tenham ligação direta com os fatos investigados. O delator não poderia contar, portanto, temas ainda desconhecidos pelos policiais. Segundo Bodini, a vantagem em delatar foi perdida. “Quantas vezes eu dizia: ‘Amigo, colabora’. A pessoa perguntava: ‘E o que você garante para mim?’ Eu respondia: ‘Garanto que você não vai para grade’ (a cadeia). Esse era o atrativo. A pessoa sabe os pecados que ela cometeu. Ela pensava: ‘Fiz tudo isso e não vou ser preso?’ E aí assinava (a colaboração). Em troca, trazia todas as informações para a gente”, disse Bodini. 

A Máfia do ISS foi um esquema de corrupção durante a gestão Gilberto Kassab (PSD) na Prefeitura de São Paulo, em que fiscais da então Secretaria Municipal de Finanças cobravam propina de construtoras para, em troca, reduzir o cálculo do imposto devido por elas. As mais de 400 denúncias criminais oferecidas no caso foram montadas a partir da coleta de provas e da colaboração dos próprios fiscais e de empresários. 

Advogados dizem que mudanças barram 'indústria de delações'

Para advogados consultados pelo Estado, as mudanças na delação premiada do pacote anticrime são positivas porque evitam que a ferramenta se transforme em uma “indústria”, e aumentam as obrigações dos delatores. 

“Como diz o velho ditado, quando a esmola é demais o santo desconfia. Quando os benefícios da delação são excessivos, até o inocente fica tentado a forjar uma delação para se livrar de eventual sanção penal, disse Fábio Tofic Simantob, conselheiro do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD). “É importante o balizamento legal imposto pelo legislador, para evitar aquilo que se conhece como indústria da delação.” 

O jurista Lenio Streck, professor da Universidade do Vale do Rio Sinos e ex-integrante do Ministério Público, afirmou que lei vai acabar com a “picaretagem” nas delações. “É um avanço. Termina com o uso das delações como ameaça. O dispositivo acaba com a ‘picaretagem’. Colaborador deve mostrar o 'produto' que tem a 'vender'. Delação não é fim. É meio. Não se substitui a investigação por atividade de delatores. Veio em boa hora a alteração”, disse

Juiz de garantias

Os promotores Roberto Bodini e Rodrigo Mansour  também criticam a atuação do Departamento de Inquéritos Policiais (Dipo), em funcionamento desde 1984 em São Paulo, cuja atuação é semelhante à figura do juiz de garantias - incluída no texto original do pacote anticrime pelo Congresso. 

Em São Paulo, os magistrados que analisam medidas pedidas pelo Ministério Público na fase de investigação, como mandados de busca e apreensão, autorização de escutas e emissão de ordens de prisão, fazem parte do Dipo, que é encarregado de decisões sobre as medidas cautelares. Enquanto isso, outro juiz fica responsável por ouvir acusação, defesa, testemunhas e expedir sentença.

O promotor Mansour afirma que o Dipo foi criado para organizar milhares de inquéritos policiais da cidade, e não para zelar pelas garantias. Ao analisar o sistema de dois juízes, os promotores afirmam que a solução de alguns processos pode demorar porque eles precisam apresentar todo o caso ao Dipo e, depois, ao juiz que analisaria a denúncia. 

Segundo os dois promotores, outros casos da Máfia do ISS teriam um desfecho diferente se o pacote anticrime já tivesse em vigor. Em denúncia contra um fiscal, por exemplo, entre as provas havia dados de uma conta no exterior descoberta a partir da análise de um pen drive. O dispositivo, originalmente, foi achado por outros promotores, da área cível, não por eles. Para evitar que a defesa conseguisse um pedido de nulidade, o MP decidiu não usar a prova. 

Com a nova lei, dizem os promotores, ao ter acesso a uma prova que poderia ser nula, como o pen drive retirado de outro processo, o juiz deve se declarar impedido, e todo o caso ser transferido a outro magistrado. Na prática, isso pode atrasar o julgamento, afirmam os promotores.

Em outro caso, no começo da investigação, o Dipo autorizou a instalação de escutas em um escritório a partir de um pedido “genérico”, sem a indicação de onde ficariam os microfones. “Até hoje eles não sabem”, disse Bodini. Com as novas regras, o pedido deveria detalhar exatamente onde ficaria a escuta. “E todo mundo saberia como os policiais agem.”

Além de criar a figura do juiz de garantias, o pacote anticrime sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro no fim de dezembro promove mudanças na delação premiada. Responsáveis por investigar casos de corrupção, como a Máfia do ISS, promotores de São Paulo afirmam que, se a nova lei estivesse em vigor entre 2013 e 2016, eles não teriam conseguido dar prosseguimento ao trabalho que culminou na denúncia de mais de 30 pessoas e a recuperação de cerca de R$ 500 milhões. 

Integrantes do Grupo Especial de Combate aos Delitos Econômicos (Gedec), os promotores Roberto Bodini e Rodrigo Mansour dizem que o texto tirou do Ministério Público a possibilidade de oferecer benefícios aos delatores. Nas investigações da Máfia do ISS, os promotores podiam definir, em conjunto com os delatores, se a pena a qual eles seriam condenados poderia ser cumprida em regime aberto ou mesmo se poderia haver progressão de regime – cabia a um magistrado apenas homologar o acordo. 

Os promotores Roberto Bodini (esq.) e Rodrigo Mansour fazem parte da equipe que investigou a Máfia do ISS na cidade de São Paulo Foto: Nilton Fukuda

Com a nova medida, a negociação inclui apenas a redução da pena. Eventuais vantagens penais devem ser decididas por um juiz. O texto também obriga o colaborador a relatar apenas ilegalidades que tenham ligação direta com os fatos investigados. O delator não poderia contar, portanto, temas ainda desconhecidos pelos policiais. Segundo Bodini, a vantagem em delatar foi perdida. “Quantas vezes eu dizia: ‘Amigo, colabora’. A pessoa perguntava: ‘E o que você garante para mim?’ Eu respondia: ‘Garanto que você não vai para grade’ (a cadeia). Esse era o atrativo. A pessoa sabe os pecados que ela cometeu. Ela pensava: ‘Fiz tudo isso e não vou ser preso?’ E aí assinava (a colaboração). Em troca, trazia todas as informações para a gente”, disse Bodini. 

A Máfia do ISS foi um esquema de corrupção durante a gestão Gilberto Kassab (PSD) na Prefeitura de São Paulo, em que fiscais da então Secretaria Municipal de Finanças cobravam propina de construtoras para, em troca, reduzir o cálculo do imposto devido por elas. As mais de 400 denúncias criminais oferecidas no caso foram montadas a partir da coleta de provas e da colaboração dos próprios fiscais e de empresários. 

Advogados dizem que mudanças barram 'indústria de delações'

Para advogados consultados pelo Estado, as mudanças na delação premiada do pacote anticrime são positivas porque evitam que a ferramenta se transforme em uma “indústria”, e aumentam as obrigações dos delatores. 

“Como diz o velho ditado, quando a esmola é demais o santo desconfia. Quando os benefícios da delação são excessivos, até o inocente fica tentado a forjar uma delação para se livrar de eventual sanção penal, disse Fábio Tofic Simantob, conselheiro do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD). “É importante o balizamento legal imposto pelo legislador, para evitar aquilo que se conhece como indústria da delação.” 

O jurista Lenio Streck, professor da Universidade do Vale do Rio Sinos e ex-integrante do Ministério Público, afirmou que lei vai acabar com a “picaretagem” nas delações. “É um avanço. Termina com o uso das delações como ameaça. O dispositivo acaba com a ‘picaretagem’. Colaborador deve mostrar o 'produto' que tem a 'vender'. Delação não é fim. É meio. Não se substitui a investigação por atividade de delatores. Veio em boa hora a alteração”, disse

Juiz de garantias

Os promotores Roberto Bodini e Rodrigo Mansour  também criticam a atuação do Departamento de Inquéritos Policiais (Dipo), em funcionamento desde 1984 em São Paulo, cuja atuação é semelhante à figura do juiz de garantias - incluída no texto original do pacote anticrime pelo Congresso. 

Em São Paulo, os magistrados que analisam medidas pedidas pelo Ministério Público na fase de investigação, como mandados de busca e apreensão, autorização de escutas e emissão de ordens de prisão, fazem parte do Dipo, que é encarregado de decisões sobre as medidas cautelares. Enquanto isso, outro juiz fica responsável por ouvir acusação, defesa, testemunhas e expedir sentença.

O promotor Mansour afirma que o Dipo foi criado para organizar milhares de inquéritos policiais da cidade, e não para zelar pelas garantias. Ao analisar o sistema de dois juízes, os promotores afirmam que a solução de alguns processos pode demorar porque eles precisam apresentar todo o caso ao Dipo e, depois, ao juiz que analisaria a denúncia. 

Segundo os dois promotores, outros casos da Máfia do ISS teriam um desfecho diferente se o pacote anticrime já tivesse em vigor. Em denúncia contra um fiscal, por exemplo, entre as provas havia dados de uma conta no exterior descoberta a partir da análise de um pen drive. O dispositivo, originalmente, foi achado por outros promotores, da área cível, não por eles. Para evitar que a defesa conseguisse um pedido de nulidade, o MP decidiu não usar a prova. 

Com a nova lei, dizem os promotores, ao ter acesso a uma prova que poderia ser nula, como o pen drive retirado de outro processo, o juiz deve se declarar impedido, e todo o caso ser transferido a outro magistrado. Na prática, isso pode atrasar o julgamento, afirmam os promotores.

Em outro caso, no começo da investigação, o Dipo autorizou a instalação de escutas em um escritório a partir de um pedido “genérico”, sem a indicação de onde ficariam os microfones. “Até hoje eles não sabem”, disse Bodini. Com as novas regras, o pedido deveria detalhar exatamente onde ficaria a escuta. “E todo mundo saberia como os policiais agem.”

Além de criar a figura do juiz de garantias, o pacote anticrime sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro no fim de dezembro promove mudanças na delação premiada. Responsáveis por investigar casos de corrupção, como a Máfia do ISS, promotores de São Paulo afirmam que, se a nova lei estivesse em vigor entre 2013 e 2016, eles não teriam conseguido dar prosseguimento ao trabalho que culminou na denúncia de mais de 30 pessoas e a recuperação de cerca de R$ 500 milhões. 

Integrantes do Grupo Especial de Combate aos Delitos Econômicos (Gedec), os promotores Roberto Bodini e Rodrigo Mansour dizem que o texto tirou do Ministério Público a possibilidade de oferecer benefícios aos delatores. Nas investigações da Máfia do ISS, os promotores podiam definir, em conjunto com os delatores, se a pena a qual eles seriam condenados poderia ser cumprida em regime aberto ou mesmo se poderia haver progressão de regime – cabia a um magistrado apenas homologar o acordo. 

Os promotores Roberto Bodini (esq.) e Rodrigo Mansour fazem parte da equipe que investigou a Máfia do ISS na cidade de São Paulo Foto: Nilton Fukuda

Com a nova medida, a negociação inclui apenas a redução da pena. Eventuais vantagens penais devem ser decididas por um juiz. O texto também obriga o colaborador a relatar apenas ilegalidades que tenham ligação direta com os fatos investigados. O delator não poderia contar, portanto, temas ainda desconhecidos pelos policiais. Segundo Bodini, a vantagem em delatar foi perdida. “Quantas vezes eu dizia: ‘Amigo, colabora’. A pessoa perguntava: ‘E o que você garante para mim?’ Eu respondia: ‘Garanto que você não vai para grade’ (a cadeia). Esse era o atrativo. A pessoa sabe os pecados que ela cometeu. Ela pensava: ‘Fiz tudo isso e não vou ser preso?’ E aí assinava (a colaboração). Em troca, trazia todas as informações para a gente”, disse Bodini. 

A Máfia do ISS foi um esquema de corrupção durante a gestão Gilberto Kassab (PSD) na Prefeitura de São Paulo, em que fiscais da então Secretaria Municipal de Finanças cobravam propina de construtoras para, em troca, reduzir o cálculo do imposto devido por elas. As mais de 400 denúncias criminais oferecidas no caso foram montadas a partir da coleta de provas e da colaboração dos próprios fiscais e de empresários. 

Advogados dizem que mudanças barram 'indústria de delações'

Para advogados consultados pelo Estado, as mudanças na delação premiada do pacote anticrime são positivas porque evitam que a ferramenta se transforme em uma “indústria”, e aumentam as obrigações dos delatores. 

“Como diz o velho ditado, quando a esmola é demais o santo desconfia. Quando os benefícios da delação são excessivos, até o inocente fica tentado a forjar uma delação para se livrar de eventual sanção penal, disse Fábio Tofic Simantob, conselheiro do Instituto de Defesa do Direito de Defesa (IDDD). “É importante o balizamento legal imposto pelo legislador, para evitar aquilo que se conhece como indústria da delação.” 

O jurista Lenio Streck, professor da Universidade do Vale do Rio Sinos e ex-integrante do Ministério Público, afirmou que lei vai acabar com a “picaretagem” nas delações. “É um avanço. Termina com o uso das delações como ameaça. O dispositivo acaba com a ‘picaretagem’. Colaborador deve mostrar o 'produto' que tem a 'vender'. Delação não é fim. É meio. Não se substitui a investigação por atividade de delatores. Veio em boa hora a alteração”, disse

Juiz de garantias

Os promotores Roberto Bodini e Rodrigo Mansour  também criticam a atuação do Departamento de Inquéritos Policiais (Dipo), em funcionamento desde 1984 em São Paulo, cuja atuação é semelhante à figura do juiz de garantias - incluída no texto original do pacote anticrime pelo Congresso. 

Em São Paulo, os magistrados que analisam medidas pedidas pelo Ministério Público na fase de investigação, como mandados de busca e apreensão, autorização de escutas e emissão de ordens de prisão, fazem parte do Dipo, que é encarregado de decisões sobre as medidas cautelares. Enquanto isso, outro juiz fica responsável por ouvir acusação, defesa, testemunhas e expedir sentença.

O promotor Mansour afirma que o Dipo foi criado para organizar milhares de inquéritos policiais da cidade, e não para zelar pelas garantias. Ao analisar o sistema de dois juízes, os promotores afirmam que a solução de alguns processos pode demorar porque eles precisam apresentar todo o caso ao Dipo e, depois, ao juiz que analisaria a denúncia. 

Segundo os dois promotores, outros casos da Máfia do ISS teriam um desfecho diferente se o pacote anticrime já tivesse em vigor. Em denúncia contra um fiscal, por exemplo, entre as provas havia dados de uma conta no exterior descoberta a partir da análise de um pen drive. O dispositivo, originalmente, foi achado por outros promotores, da área cível, não por eles. Para evitar que a defesa conseguisse um pedido de nulidade, o MP decidiu não usar a prova. 

Com a nova lei, dizem os promotores, ao ter acesso a uma prova que poderia ser nula, como o pen drive retirado de outro processo, o juiz deve se declarar impedido, e todo o caso ser transferido a outro magistrado. Na prática, isso pode atrasar o julgamento, afirmam os promotores.

Em outro caso, no começo da investigação, o Dipo autorizou a instalação de escutas em um escritório a partir de um pedido “genérico”, sem a indicação de onde ficariam os microfones. “Até hoje eles não sabem”, disse Bodini. Com as novas regras, o pedido deveria detalhar exatamente onde ficaria a escuta. “E todo mundo saberia como os policiais agem.”

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