BRASÍLIA - O empresário Fernando Cavendish, dono da construtora Delta Engenharia, negocia um acordo de delação premiada no qual pretende detalhar supostos pagamentos de propinas a políticos do PMDB e do PSDB relacionados a obras nos governos de São Paulo, Rio e Goiás, além de estatais federais como o Departamento Nacional de Infraestrutura de Transportes (Dnit) e Petrobrás. O acordo de colaboração se dá no âmbito da Operação Saqueador, da qual o empresário foi alvo em junho deste ano.
Na proposta, em forma de anexos, entregue aos procuradores do Ministério Público Federal do Rio e à Procuradoria-Geral da República, Cavendish, ao tratar de São Paulo, cita pagamentos indevidos que seriam destinados ao senador Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), segundo fontes com acesso às negociações ouvidas pelo Estado.
A empreiteira integrou consórcio responsável por um dos lotes da obra de ampliação da Marginal Tietê, que foi alvo de denúncia do Ministério Público de São Paulo. A investigação apura o pagamento de um aditivo de R$ 71 milhões à Delta que teria sido repassado a empresas de fachada em nome do operador Adir Assad, alvo da Operação Lava Jato. Um dos responsáveis pela obra era o ex-diretor da Dersa Paulo Vieira Souza, afilhado político de Nunes Ferreira. À época da assinatura dos aditivos, Vieira Souza não era mais diretor da estatal paulista.
A obra, realizada entre 2009 e 2011, foi resultado de um convênio firmado entre o governo de São Paulo, à época comandado pelo atual ministro das Relações Exteriores, José Serra (PSDB), e a gestão municipal de Gilberto Kassab (PSD). A Delta recebeu ao todo R$ 360 milhões para a execução do lote 2, com abertura de vias da Ponte das Bandeiras, no centro, até a Rua Ulisses Cruz, próxima ao Parque do Piqueri, na zona leste.
Maracanã. No anexo sobre o Rio, segundo apontam fontes ouvidas pelo Estado, Cavendish detalha sua relação com o ex-governador do Estado Sérgio Cabral (PMDB) e desvios praticados para obter contratos de obras, como a reforma do Estádio do Maracanã, do Parque Aquático Maria Lenk, na Barra da Tijuca, realizado com dispensa de licitação, e da transposição do Rio Turvo. À época da Operação Monte Carlo, quando surgiram pela primeira vez as suspeitas sobre a relação de Cavendish e Cabral, o ex-governador Anthony Garotinho chegou publicar fotos do empresário, do ex-governador e integrantes do governo carioca em momentos de descontração em Paris e Mônaco.
No caso da reforma do Maracanã para a Copa de 2014, o suposto pagamento de propina já foi citado em delação premiada pelos executivos Rogério Nora de Sá e Clóvis Peixoto Primo, da Andrade Gutierrez. Segundo os delatores, Cabral teria cobrado 5% de propina do valor total do contrato para liberar a formação do consórcio entre Andrade, Odebrecht e Delta. Orçada inicialmente em R$ 720 milhões, a obra custou cerca de R$ 1,2 bilhão. O ex-governador nega ter recebido os valores. Em outro anexo, Cavendish também detalha uma série de pagamentos para parlamentares federais e estaduais do PMDB.
Outro anexo da proposta relata supostos desvios praticados em Goiás, onde firmou contratos com o governo do tucano Marconi Perillo e municípios do Estado que somam ao menos R$ 276 milhões.
O empresário também detalha na proposta de colaboração supostas irregularidades para obter contratos com o Dnit. No anexo, ele explica como se deu o pagamento de vantagem indevida na disputa por obras de ao menos quatro rodovias federais – as BRs 482, 376, 104 e 101. A proposta é o primeiro passo para a delação, que precisa ser aceita pelo Ministério Público.
Prisão. Cavendish teve sua prisão decretada em 30 de junho pela Justiça Federal do Rio. Sua prisão temporária chegou a ser transformada em domiciliar, mas o Tribunal Regional Federal da 2.ª Região decidiu pelo retorno do empresário ao regime fechado. Em agosto, porém, ele foi beneficiado por decisão do Superior Tribunal de Justiça e voltou para a prisão domiciliar.
Ao lado de Assad e do empresário Carlos Augusto Ramos, o Carlinhos Cachoeira, Cavendish foi denunciado na Operação Saqueador por envolvimento em esquema de lavagem de dinheiro de cerca de R$ 370 milhões.
Os três já haviam sido citados na Operação Monte Carlo, da Polícia Federal de Goiás. O caso foi encaminhado para a Justiça Federal do Rio que, em 2013, realizou a primeira fase da Saqueador. A partir de 2015, com o surgimento do nome de Adir Assad na Lava Jato, a investigação teve novo impulso e resultou na realização de sua segunda fase, na qual Cavendish foi preso.
Defesas. Atual líder do governo Michel Temer no Senado, o tucano Aloysio Nunes Ferreira (SP) afirmou que não tem contato com Fernando Cavendish e que qualquer menção a pagamentos indevidos relacionados ao seu nome é "mentira". O senador afirmou ainda que ex-diretor da Dersa Paulo Vieira Souza é um "técnico e profissional altamente qualificado", mas negou ser seu padrinho político. Procurado pelo Estado, Vieira Souza não foi encontrado.
Por meio de sua assessoria, o ex-governador Sérgio Cabral (PMDB) informou que "não há o que comentar" sobre o assunto.
O advogado Antônio Sérgio de Moraes Pitombo, responsável pela defesa de Cavendish, também afirmou que não comentaria o assunto. Por meio de sua assessoria, a Procuradoria-Geral da República (PGR) informou que não comenta eventuais negociações de acordo de colaboração.
Em nota, o governador de Goiás Marconi Perillo (PSDB) informou que "as informações apresentadas não têm a menor procedência". Segundo o texto, "conforme pode ser comprovado nas prestações de contas de 2010, aprovadas pela Justiça Eleitoral, a Delta não fez doações para a campanha do então senador Marconi Perillo".