Propostas que miram STF se empilham no Congresso e mudam tom com ofensiva bolsonarista


Na última década, ao menos 30 propostas tentaram mudar aspectos do Judiciário, mas proposições técnicas deram lugar a tentativas de enfraquecer poder dos ministros

Por Guilherme Caetano

BRASÍLIA – Na medida em que o Supremo Tribunal Federal (STF) ganha proeminência na arena política, empilham-se no Congresso iniciativas para reformar, aprimorar ou mesmo enfraquecer o poder dos ministros da Corte.

Nos últimos dez anos, ao menos 30 propostas de emenda à Constituição (PEC) mirando modificações no Tribunal foram protocoladas. Nenhuma delas prosperou, mas a mudança no foco dos projetos indica uma beligerância crescente do Parlamento contra o Supremo.

Ao longo dessa década, a mais importante proposição nesse sentido foi aprovada em 2015, a chamada PEC da Bengala, que aumentou de 70 para 75 anos a idade de aposentadoria compulsória dos servidores públicos. A medida impediu que Dilma Rousseff (PT) indicasse a maioria dos membros do STF até o fim de seu mandato, uma vez que menos ministros se aposentaram do cargo. O projeto havia sido proposto pelo então senador Pedro Simon em 2003 e retomado para enfraquecer a então presidente.

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A estátua da Justiça, em frente ao Supremo Tribunal Federal  Foto: Dida Sampaio/Estadão

A característica das sugestões mudou nos últimos anos: se antes focavam em questões técnicas, como critérios para a composição da Corte, estipulação de mandatos de ministros e prazos para pedidos de vista, o embate de integrantes do tribunal com a bancada bolsonarista no Congresso levou a tentativas de reduzir o poder e a influência dos membros do STF.

Entre 2015 e 2018, antes de Jair Bolsonaro ajudar a eleger uma bancada de mais de 50 parlamentares do então nanico PSL na Câmara, 19 PECs haviam sido propostas para reformar o Judiciário, mas nenhuma delas visava combater a influência do Supremo. Naquele período, a crise política envolvendo o futuro de Dilma e a Operação Lava Jato, que atingiu em cheio a classe política e levou o futuro de parlamentares ao plenário do STF, foram o principal combustível para essas proposições.

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Oito delas tratam de mudar o processo de escolha ao STF, geralmente visando reduzir a influência da Presidência da República nas indicações. As sugestões variam desde tirar essa atribuição do Executivo, caso da PEC 180/2015 de Eduardo Bolsonaro (então no PSC-SP), até atrelar a critérios regionais à escolha dos ministros: dois de cada região administrativa do País, segundo a PEC 388/2017, de André Amaral (PMDB-PB).

Outras seis delas se referem a prazos para os mandatos dos ministros – que hoje podem permanecer no cargo desde a sua indicação, possível a partir dos 35 anos de idade, até a aposentadoria compulsória aos 75. As sugestões oscilam entre oito e 12 anos e mencionam com frequência casos de Cortes europeias, como a alemã.

Tema também recorrente nesse período, os pedidos de vista entraram na mira dos parlamentares com a chegada de casos importantes da Lava Jato à Corte. Glauber Braga (então PSB-SP), Arnaldo Jordy (então PPS-PA) e Toninho Pinheiro (PP-MG) voltaram seus gabinetes para tentar impedir que os duradouros pedidos de vista nas mãos de ministros como Gilmar Mendes se tornassem “pedidos de veto”.

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O problema se arrastou na Corte até recentemente, quando a ministra Rosa Weber aperfeiçoou o regimento interno. Em 2022, ela limitou as decisões individuais dos ministros e colocou um prazo de 90 dias para os intermináveis pedidos de vista que paralisavam julgamentos indeterminadamente.

Dois projetos têm por objetivo atacar privilégios no funcionalismo público. As PECs 371/2017 (de Jaime Martins, do PSD de Minas Gerais) e 280/2016 (de Félix Mendonça, do PDT da Bahia) querem proibir as férias de 60 dias de membros do Judiciário e Ministério Público, enquanto o restante das categorias goza de 30 dias por ano. Em 2019, Paula Belmonte (Cidadania-SP) protocolaria projeto similar.

Propostas miram poder dos ministros do STF

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Com a atuação da bancada bolsonarista a partir de 2019, quando a Corte se opôs ao governo de Bolsonaro, as proposições se voltaram contra o poder dos magistrados que interferiam no projeto político do então presidente. Das 11 PECs propostas, cinco têm como alvo a capacidade decisória dos ministros. Chris Tonietto (então PSL-RJ), Eduardo Costa (PTB-BA), Domingos Sávio (PL-MG) e Reinhold Stephanes (PSD-RR) são autores de propostas para permitir ao Congresso cassar decisões individuais do STF que “extrapolem os limites constitucionais”.

Celso Sabino (então no PSDB-PA e hoje ministro do presidente Lula pelo União Brasil) tentou restringir as hipóteses de prisão em flagrante de parlamentares e vetar o afastamento do mandato por decisão judicial após Alexandre de Moraes mandar prender Daniel Silveira (então PSL-RJ) por ameaças a membros do Supremo. A proposta ficou conhecida como “PEC da Imunidade Parlamentar” e “PEC da Blindagem”, numa mostra do corporativismo parlamentar contra ações do STF.

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Bia Kicis (então PSL-DF), por sua vez, quis extinguir a “PEC da Bengala”, baixando a idade máxima do funcionalismo para 70 anos e aposentando compulsoriamente os ministros mais velhos. A medida, se aprovada, permitiria que Bolsonaro pudesse indicar mais nomes ao Tribunal e preencher quase metade da Corte com aliados.

Outra mudança se deu na articulação para a proposição das ideias. Se antes de 2019 as PECs costumavam ser cadastradas por um único parlamentar, a partir do governo Bolsonaro elas passaram a contar com uma parcela expressiva da Câmara. As últimas cinco propostas (das quais três são ataques ao poder decisório da Corte), por exemplo, receberam mais de 170 assinaturas – um terço da Casa.

Protagonismo da Corte

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Se por um lado a ofensiva parlamentar sobre a Corte ganhou corpo nos últimos anos, por outro, o protagonismo tanto do Supremo, como de alguns de seus ministros, tensiona ainda mais os limites de até onde um Poder consegue interferir no outro. Uma das decisões recentes do STF que cruzou essa linha, conforme contestam parlamentares, é a decisão que reconheceu que o porte de maconha não é mais crime no País, se for para consumo próprio.

O julgamento suscitou o debate sobre os magistrados se sobreporem ao escopo de legislar, próprio do Congresso, enquanto a Corte argumentou que se atém a matérias jurídicas e só é convocada a tomar decisões como essa quando há omissão política.

As revisões dos processos e condenações da Operação Lava Jato após o ministro Dias Toffoli anular todas as provas do acordo de leniência da Odebrecht (atual Novonor) são outro exemplo de como uma decisão monocrática pode gerar um efeito cascata, o que reascende o debate sobre os limites das atribuições dos magistrados. Ainda no âmbito da Lava Jato, Toffoli anulou na última semana todos os processos e condenações do empresário Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS, que admitiu propinas a agentes públicos e políticos em delação premiada.

Alexandre de Moraes, eleito o principal alvo dos bolsonaristas, também acumula uma série de decisões controversas, em que a palavra final do magistrado pavimentou caminhos até então nunca percorridos pela Corte. Recentemente, Moraes determinou o bloqueio da plataforma X (antigo Twitter) no País, após o bilionário Elon Musk não cumprir determinações legais e retirar do Brasil a representação de sua empresa.

Os vários capítulos da batalha travada entre os dois, além do suposto excesso do ministro em usar a estrutura do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o qual presidia, para abastecer investigações conduzidas por ele no Supremo, motivaram inclusive um processo de impeachment de seu mandato, que tem previsão legal de terminar em 2043.

Enfraquecimento do STF é ‘parte de projeto autoritário’, diz pesquisadora

Eloísa Machado, professora de direito constitucional na FGV Direito SP e coordenadora do grupo de pesquisa “Supremo em Pauta”, diz que no governo Bolsonaro houve uma “explícita estratégia de ataques ao Tribunal e a seus ministros”, a partir de discursos e, posteriormente, ameaças, o que culminou na invasão da sede do Supremo no 8 de Janeiro.

“Enfraquecer o Tribunal era parte do projeto autoritário que Bolsonaro buscava implementar. Parte dessa estratégia de enfraquecer o Tribunal foi adotada por parte do sistema político que também quer se ver livre do controle feito pelo Tribunal e, agora, a promove através de algumas propostas de emenda à Constituição. É muito preocupante que Congresso endosse medidas que, em última instância, fragilizem a Constituição”, diz.

A professora diz existir uma vasta agenda de diagnóstico de mudanças necessárias no sistema de Justiça como um todo, mas que a classe política parece “mais interessada em chantagear” o Tribunal. Ela cita algumas propostas de mudanças visando fortalecer e preservar o STF.

“No Supremo, há debates sobre tornar as indicações para ministros mais transparentes, rever as competências do tribunal para permitir que priorize sua atuação de Corte constitucional (ao invés de recursal e originária), otimizar as teses de repercussão geral, dentre muitas outras. Há debates importantes também sobre a adoção de um código de ética que preserve a função jurisdicional de interesses econômicos”, afirma.

No Supremo, há debates sobre tornar as indicações para ministros mais transparentes, rever as competências do tribunal para permitir que priorize sua atuação de Corte constitucional (ao invés de recursal e originária), otimizar as teses de repercussão geral, dentre muitas outras

Eloísa Machado, professora de direito constitucional na FGV Direito SP e coordenadora do grupo de pesquisa “Supremo em Pauta”

Andrei Roman, fundador da AtlasIntel, que tem feito levantamentos acerca da percepção pública sobre os ministros do STF, diz haver uma polarização profunda na população brasileira nessa questão. Há uma tendência de que eleitores de Lula em 2022 tenham uma opinião mais favorável ao Supremo do que aqueles que votaram em Bolsonaro. Para ele, no entanto, a campanha bolsonarista contra a Corte não desviou o foco da necessidade de eventuais reformas no Tribunal.

“Pelo contrário, nunca tivemos tanta discussão sobre a necessidade de reformas no Judiciário, relacionadas ao Supremo. Diria que a polarização impossibilita um avanço real (de medidas práticas). Temos muita discussão a respeito, mas por conta do clima político no País, essa reforma do Supremo parece ficar cada vez mais distante”, afirma.

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BRASÍLIA – Na medida em que o Supremo Tribunal Federal (STF) ganha proeminência na arena política, empilham-se no Congresso iniciativas para reformar, aprimorar ou mesmo enfraquecer o poder dos ministros da Corte.

Nos últimos dez anos, ao menos 30 propostas de emenda à Constituição (PEC) mirando modificações no Tribunal foram protocoladas. Nenhuma delas prosperou, mas a mudança no foco dos projetos indica uma beligerância crescente do Parlamento contra o Supremo.

Ao longo dessa década, a mais importante proposição nesse sentido foi aprovada em 2015, a chamada PEC da Bengala, que aumentou de 70 para 75 anos a idade de aposentadoria compulsória dos servidores públicos. A medida impediu que Dilma Rousseff (PT) indicasse a maioria dos membros do STF até o fim de seu mandato, uma vez que menos ministros se aposentaram do cargo. O projeto havia sido proposto pelo então senador Pedro Simon em 2003 e retomado para enfraquecer a então presidente.

A estátua da Justiça, em frente ao Supremo Tribunal Federal  Foto: Dida Sampaio/Estadão

A característica das sugestões mudou nos últimos anos: se antes focavam em questões técnicas, como critérios para a composição da Corte, estipulação de mandatos de ministros e prazos para pedidos de vista, o embate de integrantes do tribunal com a bancada bolsonarista no Congresso levou a tentativas de reduzir o poder e a influência dos membros do STF.

Entre 2015 e 2018, antes de Jair Bolsonaro ajudar a eleger uma bancada de mais de 50 parlamentares do então nanico PSL na Câmara, 19 PECs haviam sido propostas para reformar o Judiciário, mas nenhuma delas visava combater a influência do Supremo. Naquele período, a crise política envolvendo o futuro de Dilma e a Operação Lava Jato, que atingiu em cheio a classe política e levou o futuro de parlamentares ao plenário do STF, foram o principal combustível para essas proposições.

Oito delas tratam de mudar o processo de escolha ao STF, geralmente visando reduzir a influência da Presidência da República nas indicações. As sugestões variam desde tirar essa atribuição do Executivo, caso da PEC 180/2015 de Eduardo Bolsonaro (então no PSC-SP), até atrelar a critérios regionais à escolha dos ministros: dois de cada região administrativa do País, segundo a PEC 388/2017, de André Amaral (PMDB-PB).

Outras seis delas se referem a prazos para os mandatos dos ministros – que hoje podem permanecer no cargo desde a sua indicação, possível a partir dos 35 anos de idade, até a aposentadoria compulsória aos 75. As sugestões oscilam entre oito e 12 anos e mencionam com frequência casos de Cortes europeias, como a alemã.

Tema também recorrente nesse período, os pedidos de vista entraram na mira dos parlamentares com a chegada de casos importantes da Lava Jato à Corte. Glauber Braga (então PSB-SP), Arnaldo Jordy (então PPS-PA) e Toninho Pinheiro (PP-MG) voltaram seus gabinetes para tentar impedir que os duradouros pedidos de vista nas mãos de ministros como Gilmar Mendes se tornassem “pedidos de veto”.

O problema se arrastou na Corte até recentemente, quando a ministra Rosa Weber aperfeiçoou o regimento interno. Em 2022, ela limitou as decisões individuais dos ministros e colocou um prazo de 90 dias para os intermináveis pedidos de vista que paralisavam julgamentos indeterminadamente.

Dois projetos têm por objetivo atacar privilégios no funcionalismo público. As PECs 371/2017 (de Jaime Martins, do PSD de Minas Gerais) e 280/2016 (de Félix Mendonça, do PDT da Bahia) querem proibir as férias de 60 dias de membros do Judiciário e Ministério Público, enquanto o restante das categorias goza de 30 dias por ano. Em 2019, Paula Belmonte (Cidadania-SP) protocolaria projeto similar.

Propostas miram poder dos ministros do STF

Com a atuação da bancada bolsonarista a partir de 2019, quando a Corte se opôs ao governo de Bolsonaro, as proposições se voltaram contra o poder dos magistrados que interferiam no projeto político do então presidente. Das 11 PECs propostas, cinco têm como alvo a capacidade decisória dos ministros. Chris Tonietto (então PSL-RJ), Eduardo Costa (PTB-BA), Domingos Sávio (PL-MG) e Reinhold Stephanes (PSD-RR) são autores de propostas para permitir ao Congresso cassar decisões individuais do STF que “extrapolem os limites constitucionais”.

Celso Sabino (então no PSDB-PA e hoje ministro do presidente Lula pelo União Brasil) tentou restringir as hipóteses de prisão em flagrante de parlamentares e vetar o afastamento do mandato por decisão judicial após Alexandre de Moraes mandar prender Daniel Silveira (então PSL-RJ) por ameaças a membros do Supremo. A proposta ficou conhecida como “PEC da Imunidade Parlamentar” e “PEC da Blindagem”, numa mostra do corporativismo parlamentar contra ações do STF.

Bia Kicis (então PSL-DF), por sua vez, quis extinguir a “PEC da Bengala”, baixando a idade máxima do funcionalismo para 70 anos e aposentando compulsoriamente os ministros mais velhos. A medida, se aprovada, permitiria que Bolsonaro pudesse indicar mais nomes ao Tribunal e preencher quase metade da Corte com aliados.

Outra mudança se deu na articulação para a proposição das ideias. Se antes de 2019 as PECs costumavam ser cadastradas por um único parlamentar, a partir do governo Bolsonaro elas passaram a contar com uma parcela expressiva da Câmara. As últimas cinco propostas (das quais três são ataques ao poder decisório da Corte), por exemplo, receberam mais de 170 assinaturas – um terço da Casa.

Protagonismo da Corte

Se por um lado a ofensiva parlamentar sobre a Corte ganhou corpo nos últimos anos, por outro, o protagonismo tanto do Supremo, como de alguns de seus ministros, tensiona ainda mais os limites de até onde um Poder consegue interferir no outro. Uma das decisões recentes do STF que cruzou essa linha, conforme contestam parlamentares, é a decisão que reconheceu que o porte de maconha não é mais crime no País, se for para consumo próprio.

O julgamento suscitou o debate sobre os magistrados se sobreporem ao escopo de legislar, próprio do Congresso, enquanto a Corte argumentou que se atém a matérias jurídicas e só é convocada a tomar decisões como essa quando há omissão política.

As revisões dos processos e condenações da Operação Lava Jato após o ministro Dias Toffoli anular todas as provas do acordo de leniência da Odebrecht (atual Novonor) são outro exemplo de como uma decisão monocrática pode gerar um efeito cascata, o que reascende o debate sobre os limites das atribuições dos magistrados. Ainda no âmbito da Lava Jato, Toffoli anulou na última semana todos os processos e condenações do empresário Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS, que admitiu propinas a agentes públicos e políticos em delação premiada.

Alexandre de Moraes, eleito o principal alvo dos bolsonaristas, também acumula uma série de decisões controversas, em que a palavra final do magistrado pavimentou caminhos até então nunca percorridos pela Corte. Recentemente, Moraes determinou o bloqueio da plataforma X (antigo Twitter) no País, após o bilionário Elon Musk não cumprir determinações legais e retirar do Brasil a representação de sua empresa.

Os vários capítulos da batalha travada entre os dois, além do suposto excesso do ministro em usar a estrutura do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o qual presidia, para abastecer investigações conduzidas por ele no Supremo, motivaram inclusive um processo de impeachment de seu mandato, que tem previsão legal de terminar em 2043.

Enfraquecimento do STF é ‘parte de projeto autoritário’, diz pesquisadora

Eloísa Machado, professora de direito constitucional na FGV Direito SP e coordenadora do grupo de pesquisa “Supremo em Pauta”, diz que no governo Bolsonaro houve uma “explícita estratégia de ataques ao Tribunal e a seus ministros”, a partir de discursos e, posteriormente, ameaças, o que culminou na invasão da sede do Supremo no 8 de Janeiro.

“Enfraquecer o Tribunal era parte do projeto autoritário que Bolsonaro buscava implementar. Parte dessa estratégia de enfraquecer o Tribunal foi adotada por parte do sistema político que também quer se ver livre do controle feito pelo Tribunal e, agora, a promove através de algumas propostas de emenda à Constituição. É muito preocupante que Congresso endosse medidas que, em última instância, fragilizem a Constituição”, diz.

A professora diz existir uma vasta agenda de diagnóstico de mudanças necessárias no sistema de Justiça como um todo, mas que a classe política parece “mais interessada em chantagear” o Tribunal. Ela cita algumas propostas de mudanças visando fortalecer e preservar o STF.

“No Supremo, há debates sobre tornar as indicações para ministros mais transparentes, rever as competências do tribunal para permitir que priorize sua atuação de Corte constitucional (ao invés de recursal e originária), otimizar as teses de repercussão geral, dentre muitas outras. Há debates importantes também sobre a adoção de um código de ética que preserve a função jurisdicional de interesses econômicos”, afirma.

No Supremo, há debates sobre tornar as indicações para ministros mais transparentes, rever as competências do tribunal para permitir que priorize sua atuação de Corte constitucional (ao invés de recursal e originária), otimizar as teses de repercussão geral, dentre muitas outras

Eloísa Machado, professora de direito constitucional na FGV Direito SP e coordenadora do grupo de pesquisa “Supremo em Pauta”

Andrei Roman, fundador da AtlasIntel, que tem feito levantamentos acerca da percepção pública sobre os ministros do STF, diz haver uma polarização profunda na população brasileira nessa questão. Há uma tendência de que eleitores de Lula em 2022 tenham uma opinião mais favorável ao Supremo do que aqueles que votaram em Bolsonaro. Para ele, no entanto, a campanha bolsonarista contra a Corte não desviou o foco da necessidade de eventuais reformas no Tribunal.

“Pelo contrário, nunca tivemos tanta discussão sobre a necessidade de reformas no Judiciário, relacionadas ao Supremo. Diria que a polarização impossibilita um avanço real (de medidas práticas). Temos muita discussão a respeito, mas por conta do clima político no País, essa reforma do Supremo parece ficar cada vez mais distante”, afirma.

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BRASÍLIA – Na medida em que o Supremo Tribunal Federal (STF) ganha proeminência na arena política, empilham-se no Congresso iniciativas para reformar, aprimorar ou mesmo enfraquecer o poder dos ministros da Corte.

Nos últimos dez anos, ao menos 30 propostas de emenda à Constituição (PEC) mirando modificações no Tribunal foram protocoladas. Nenhuma delas prosperou, mas a mudança no foco dos projetos indica uma beligerância crescente do Parlamento contra o Supremo.

Ao longo dessa década, a mais importante proposição nesse sentido foi aprovada em 2015, a chamada PEC da Bengala, que aumentou de 70 para 75 anos a idade de aposentadoria compulsória dos servidores públicos. A medida impediu que Dilma Rousseff (PT) indicasse a maioria dos membros do STF até o fim de seu mandato, uma vez que menos ministros se aposentaram do cargo. O projeto havia sido proposto pelo então senador Pedro Simon em 2003 e retomado para enfraquecer a então presidente.

A estátua da Justiça, em frente ao Supremo Tribunal Federal  Foto: Dida Sampaio/Estadão

A característica das sugestões mudou nos últimos anos: se antes focavam em questões técnicas, como critérios para a composição da Corte, estipulação de mandatos de ministros e prazos para pedidos de vista, o embate de integrantes do tribunal com a bancada bolsonarista no Congresso levou a tentativas de reduzir o poder e a influência dos membros do STF.

Entre 2015 e 2018, antes de Jair Bolsonaro ajudar a eleger uma bancada de mais de 50 parlamentares do então nanico PSL na Câmara, 19 PECs haviam sido propostas para reformar o Judiciário, mas nenhuma delas visava combater a influência do Supremo. Naquele período, a crise política envolvendo o futuro de Dilma e a Operação Lava Jato, que atingiu em cheio a classe política e levou o futuro de parlamentares ao plenário do STF, foram o principal combustível para essas proposições.

Oito delas tratam de mudar o processo de escolha ao STF, geralmente visando reduzir a influência da Presidência da República nas indicações. As sugestões variam desde tirar essa atribuição do Executivo, caso da PEC 180/2015 de Eduardo Bolsonaro (então no PSC-SP), até atrelar a critérios regionais à escolha dos ministros: dois de cada região administrativa do País, segundo a PEC 388/2017, de André Amaral (PMDB-PB).

Outras seis delas se referem a prazos para os mandatos dos ministros – que hoje podem permanecer no cargo desde a sua indicação, possível a partir dos 35 anos de idade, até a aposentadoria compulsória aos 75. As sugestões oscilam entre oito e 12 anos e mencionam com frequência casos de Cortes europeias, como a alemã.

Tema também recorrente nesse período, os pedidos de vista entraram na mira dos parlamentares com a chegada de casos importantes da Lava Jato à Corte. Glauber Braga (então PSB-SP), Arnaldo Jordy (então PPS-PA) e Toninho Pinheiro (PP-MG) voltaram seus gabinetes para tentar impedir que os duradouros pedidos de vista nas mãos de ministros como Gilmar Mendes se tornassem “pedidos de veto”.

O problema se arrastou na Corte até recentemente, quando a ministra Rosa Weber aperfeiçoou o regimento interno. Em 2022, ela limitou as decisões individuais dos ministros e colocou um prazo de 90 dias para os intermináveis pedidos de vista que paralisavam julgamentos indeterminadamente.

Dois projetos têm por objetivo atacar privilégios no funcionalismo público. As PECs 371/2017 (de Jaime Martins, do PSD de Minas Gerais) e 280/2016 (de Félix Mendonça, do PDT da Bahia) querem proibir as férias de 60 dias de membros do Judiciário e Ministério Público, enquanto o restante das categorias goza de 30 dias por ano. Em 2019, Paula Belmonte (Cidadania-SP) protocolaria projeto similar.

Propostas miram poder dos ministros do STF

Com a atuação da bancada bolsonarista a partir de 2019, quando a Corte se opôs ao governo de Bolsonaro, as proposições se voltaram contra o poder dos magistrados que interferiam no projeto político do então presidente. Das 11 PECs propostas, cinco têm como alvo a capacidade decisória dos ministros. Chris Tonietto (então PSL-RJ), Eduardo Costa (PTB-BA), Domingos Sávio (PL-MG) e Reinhold Stephanes (PSD-RR) são autores de propostas para permitir ao Congresso cassar decisões individuais do STF que “extrapolem os limites constitucionais”.

Celso Sabino (então no PSDB-PA e hoje ministro do presidente Lula pelo União Brasil) tentou restringir as hipóteses de prisão em flagrante de parlamentares e vetar o afastamento do mandato por decisão judicial após Alexandre de Moraes mandar prender Daniel Silveira (então PSL-RJ) por ameaças a membros do Supremo. A proposta ficou conhecida como “PEC da Imunidade Parlamentar” e “PEC da Blindagem”, numa mostra do corporativismo parlamentar contra ações do STF.

Bia Kicis (então PSL-DF), por sua vez, quis extinguir a “PEC da Bengala”, baixando a idade máxima do funcionalismo para 70 anos e aposentando compulsoriamente os ministros mais velhos. A medida, se aprovada, permitiria que Bolsonaro pudesse indicar mais nomes ao Tribunal e preencher quase metade da Corte com aliados.

Outra mudança se deu na articulação para a proposição das ideias. Se antes de 2019 as PECs costumavam ser cadastradas por um único parlamentar, a partir do governo Bolsonaro elas passaram a contar com uma parcela expressiva da Câmara. As últimas cinco propostas (das quais três são ataques ao poder decisório da Corte), por exemplo, receberam mais de 170 assinaturas – um terço da Casa.

Protagonismo da Corte

Se por um lado a ofensiva parlamentar sobre a Corte ganhou corpo nos últimos anos, por outro, o protagonismo tanto do Supremo, como de alguns de seus ministros, tensiona ainda mais os limites de até onde um Poder consegue interferir no outro. Uma das decisões recentes do STF que cruzou essa linha, conforme contestam parlamentares, é a decisão que reconheceu que o porte de maconha não é mais crime no País, se for para consumo próprio.

O julgamento suscitou o debate sobre os magistrados se sobreporem ao escopo de legislar, próprio do Congresso, enquanto a Corte argumentou que se atém a matérias jurídicas e só é convocada a tomar decisões como essa quando há omissão política.

As revisões dos processos e condenações da Operação Lava Jato após o ministro Dias Toffoli anular todas as provas do acordo de leniência da Odebrecht (atual Novonor) são outro exemplo de como uma decisão monocrática pode gerar um efeito cascata, o que reascende o debate sobre os limites das atribuições dos magistrados. Ainda no âmbito da Lava Jato, Toffoli anulou na última semana todos os processos e condenações do empresário Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS, que admitiu propinas a agentes públicos e políticos em delação premiada.

Alexandre de Moraes, eleito o principal alvo dos bolsonaristas, também acumula uma série de decisões controversas, em que a palavra final do magistrado pavimentou caminhos até então nunca percorridos pela Corte. Recentemente, Moraes determinou o bloqueio da plataforma X (antigo Twitter) no País, após o bilionário Elon Musk não cumprir determinações legais e retirar do Brasil a representação de sua empresa.

Os vários capítulos da batalha travada entre os dois, além do suposto excesso do ministro em usar a estrutura do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o qual presidia, para abastecer investigações conduzidas por ele no Supremo, motivaram inclusive um processo de impeachment de seu mandato, que tem previsão legal de terminar em 2043.

Enfraquecimento do STF é ‘parte de projeto autoritário’, diz pesquisadora

Eloísa Machado, professora de direito constitucional na FGV Direito SP e coordenadora do grupo de pesquisa “Supremo em Pauta”, diz que no governo Bolsonaro houve uma “explícita estratégia de ataques ao Tribunal e a seus ministros”, a partir de discursos e, posteriormente, ameaças, o que culminou na invasão da sede do Supremo no 8 de Janeiro.

“Enfraquecer o Tribunal era parte do projeto autoritário que Bolsonaro buscava implementar. Parte dessa estratégia de enfraquecer o Tribunal foi adotada por parte do sistema político que também quer se ver livre do controle feito pelo Tribunal e, agora, a promove através de algumas propostas de emenda à Constituição. É muito preocupante que Congresso endosse medidas que, em última instância, fragilizem a Constituição”, diz.

A professora diz existir uma vasta agenda de diagnóstico de mudanças necessárias no sistema de Justiça como um todo, mas que a classe política parece “mais interessada em chantagear” o Tribunal. Ela cita algumas propostas de mudanças visando fortalecer e preservar o STF.

“No Supremo, há debates sobre tornar as indicações para ministros mais transparentes, rever as competências do tribunal para permitir que priorize sua atuação de Corte constitucional (ao invés de recursal e originária), otimizar as teses de repercussão geral, dentre muitas outras. Há debates importantes também sobre a adoção de um código de ética que preserve a função jurisdicional de interesses econômicos”, afirma.

No Supremo, há debates sobre tornar as indicações para ministros mais transparentes, rever as competências do tribunal para permitir que priorize sua atuação de Corte constitucional (ao invés de recursal e originária), otimizar as teses de repercussão geral, dentre muitas outras

Eloísa Machado, professora de direito constitucional na FGV Direito SP e coordenadora do grupo de pesquisa “Supremo em Pauta”

Andrei Roman, fundador da AtlasIntel, que tem feito levantamentos acerca da percepção pública sobre os ministros do STF, diz haver uma polarização profunda na população brasileira nessa questão. Há uma tendência de que eleitores de Lula em 2022 tenham uma opinião mais favorável ao Supremo do que aqueles que votaram em Bolsonaro. Para ele, no entanto, a campanha bolsonarista contra a Corte não desviou o foco da necessidade de eventuais reformas no Tribunal.

“Pelo contrário, nunca tivemos tanta discussão sobre a necessidade de reformas no Judiciário, relacionadas ao Supremo. Diria que a polarização impossibilita um avanço real (de medidas práticas). Temos muita discussão a respeito, mas por conta do clima político no País, essa reforma do Supremo parece ficar cada vez mais distante”, afirma.

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BRASÍLIA – Na medida em que o Supremo Tribunal Federal (STF) ganha proeminência na arena política, empilham-se no Congresso iniciativas para reformar, aprimorar ou mesmo enfraquecer o poder dos ministros da Corte.

Nos últimos dez anos, ao menos 30 propostas de emenda à Constituição (PEC) mirando modificações no Tribunal foram protocoladas. Nenhuma delas prosperou, mas a mudança no foco dos projetos indica uma beligerância crescente do Parlamento contra o Supremo.

Ao longo dessa década, a mais importante proposição nesse sentido foi aprovada em 2015, a chamada PEC da Bengala, que aumentou de 70 para 75 anos a idade de aposentadoria compulsória dos servidores públicos. A medida impediu que Dilma Rousseff (PT) indicasse a maioria dos membros do STF até o fim de seu mandato, uma vez que menos ministros se aposentaram do cargo. O projeto havia sido proposto pelo então senador Pedro Simon em 2003 e retomado para enfraquecer a então presidente.

A estátua da Justiça, em frente ao Supremo Tribunal Federal  Foto: Dida Sampaio/Estadão

A característica das sugestões mudou nos últimos anos: se antes focavam em questões técnicas, como critérios para a composição da Corte, estipulação de mandatos de ministros e prazos para pedidos de vista, o embate de integrantes do tribunal com a bancada bolsonarista no Congresso levou a tentativas de reduzir o poder e a influência dos membros do STF.

Entre 2015 e 2018, antes de Jair Bolsonaro ajudar a eleger uma bancada de mais de 50 parlamentares do então nanico PSL na Câmara, 19 PECs haviam sido propostas para reformar o Judiciário, mas nenhuma delas visava combater a influência do Supremo. Naquele período, a crise política envolvendo o futuro de Dilma e a Operação Lava Jato, que atingiu em cheio a classe política e levou o futuro de parlamentares ao plenário do STF, foram o principal combustível para essas proposições.

Oito delas tratam de mudar o processo de escolha ao STF, geralmente visando reduzir a influência da Presidência da República nas indicações. As sugestões variam desde tirar essa atribuição do Executivo, caso da PEC 180/2015 de Eduardo Bolsonaro (então no PSC-SP), até atrelar a critérios regionais à escolha dos ministros: dois de cada região administrativa do País, segundo a PEC 388/2017, de André Amaral (PMDB-PB).

Outras seis delas se referem a prazos para os mandatos dos ministros – que hoje podem permanecer no cargo desde a sua indicação, possível a partir dos 35 anos de idade, até a aposentadoria compulsória aos 75. As sugestões oscilam entre oito e 12 anos e mencionam com frequência casos de Cortes europeias, como a alemã.

Tema também recorrente nesse período, os pedidos de vista entraram na mira dos parlamentares com a chegada de casos importantes da Lava Jato à Corte. Glauber Braga (então PSB-SP), Arnaldo Jordy (então PPS-PA) e Toninho Pinheiro (PP-MG) voltaram seus gabinetes para tentar impedir que os duradouros pedidos de vista nas mãos de ministros como Gilmar Mendes se tornassem “pedidos de veto”.

O problema se arrastou na Corte até recentemente, quando a ministra Rosa Weber aperfeiçoou o regimento interno. Em 2022, ela limitou as decisões individuais dos ministros e colocou um prazo de 90 dias para os intermináveis pedidos de vista que paralisavam julgamentos indeterminadamente.

Dois projetos têm por objetivo atacar privilégios no funcionalismo público. As PECs 371/2017 (de Jaime Martins, do PSD de Minas Gerais) e 280/2016 (de Félix Mendonça, do PDT da Bahia) querem proibir as férias de 60 dias de membros do Judiciário e Ministério Público, enquanto o restante das categorias goza de 30 dias por ano. Em 2019, Paula Belmonte (Cidadania-SP) protocolaria projeto similar.

Propostas miram poder dos ministros do STF

Com a atuação da bancada bolsonarista a partir de 2019, quando a Corte se opôs ao governo de Bolsonaro, as proposições se voltaram contra o poder dos magistrados que interferiam no projeto político do então presidente. Das 11 PECs propostas, cinco têm como alvo a capacidade decisória dos ministros. Chris Tonietto (então PSL-RJ), Eduardo Costa (PTB-BA), Domingos Sávio (PL-MG) e Reinhold Stephanes (PSD-RR) são autores de propostas para permitir ao Congresso cassar decisões individuais do STF que “extrapolem os limites constitucionais”.

Celso Sabino (então no PSDB-PA e hoje ministro do presidente Lula pelo União Brasil) tentou restringir as hipóteses de prisão em flagrante de parlamentares e vetar o afastamento do mandato por decisão judicial após Alexandre de Moraes mandar prender Daniel Silveira (então PSL-RJ) por ameaças a membros do Supremo. A proposta ficou conhecida como “PEC da Imunidade Parlamentar” e “PEC da Blindagem”, numa mostra do corporativismo parlamentar contra ações do STF.

Bia Kicis (então PSL-DF), por sua vez, quis extinguir a “PEC da Bengala”, baixando a idade máxima do funcionalismo para 70 anos e aposentando compulsoriamente os ministros mais velhos. A medida, se aprovada, permitiria que Bolsonaro pudesse indicar mais nomes ao Tribunal e preencher quase metade da Corte com aliados.

Outra mudança se deu na articulação para a proposição das ideias. Se antes de 2019 as PECs costumavam ser cadastradas por um único parlamentar, a partir do governo Bolsonaro elas passaram a contar com uma parcela expressiva da Câmara. As últimas cinco propostas (das quais três são ataques ao poder decisório da Corte), por exemplo, receberam mais de 170 assinaturas – um terço da Casa.

Protagonismo da Corte

Se por um lado a ofensiva parlamentar sobre a Corte ganhou corpo nos últimos anos, por outro, o protagonismo tanto do Supremo, como de alguns de seus ministros, tensiona ainda mais os limites de até onde um Poder consegue interferir no outro. Uma das decisões recentes do STF que cruzou essa linha, conforme contestam parlamentares, é a decisão que reconheceu que o porte de maconha não é mais crime no País, se for para consumo próprio.

O julgamento suscitou o debate sobre os magistrados se sobreporem ao escopo de legislar, próprio do Congresso, enquanto a Corte argumentou que se atém a matérias jurídicas e só é convocada a tomar decisões como essa quando há omissão política.

As revisões dos processos e condenações da Operação Lava Jato após o ministro Dias Toffoli anular todas as provas do acordo de leniência da Odebrecht (atual Novonor) são outro exemplo de como uma decisão monocrática pode gerar um efeito cascata, o que reascende o debate sobre os limites das atribuições dos magistrados. Ainda no âmbito da Lava Jato, Toffoli anulou na última semana todos os processos e condenações do empresário Léo Pinheiro, ex-presidente da OAS, que admitiu propinas a agentes públicos e políticos em delação premiada.

Alexandre de Moraes, eleito o principal alvo dos bolsonaristas, também acumula uma série de decisões controversas, em que a palavra final do magistrado pavimentou caminhos até então nunca percorridos pela Corte. Recentemente, Moraes determinou o bloqueio da plataforma X (antigo Twitter) no País, após o bilionário Elon Musk não cumprir determinações legais e retirar do Brasil a representação de sua empresa.

Os vários capítulos da batalha travada entre os dois, além do suposto excesso do ministro em usar a estrutura do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), o qual presidia, para abastecer investigações conduzidas por ele no Supremo, motivaram inclusive um processo de impeachment de seu mandato, que tem previsão legal de terminar em 2043.

Enfraquecimento do STF é ‘parte de projeto autoritário’, diz pesquisadora

Eloísa Machado, professora de direito constitucional na FGV Direito SP e coordenadora do grupo de pesquisa “Supremo em Pauta”, diz que no governo Bolsonaro houve uma “explícita estratégia de ataques ao Tribunal e a seus ministros”, a partir de discursos e, posteriormente, ameaças, o que culminou na invasão da sede do Supremo no 8 de Janeiro.

“Enfraquecer o Tribunal era parte do projeto autoritário que Bolsonaro buscava implementar. Parte dessa estratégia de enfraquecer o Tribunal foi adotada por parte do sistema político que também quer se ver livre do controle feito pelo Tribunal e, agora, a promove através de algumas propostas de emenda à Constituição. É muito preocupante que Congresso endosse medidas que, em última instância, fragilizem a Constituição”, diz.

A professora diz existir uma vasta agenda de diagnóstico de mudanças necessárias no sistema de Justiça como um todo, mas que a classe política parece “mais interessada em chantagear” o Tribunal. Ela cita algumas propostas de mudanças visando fortalecer e preservar o STF.

“No Supremo, há debates sobre tornar as indicações para ministros mais transparentes, rever as competências do tribunal para permitir que priorize sua atuação de Corte constitucional (ao invés de recursal e originária), otimizar as teses de repercussão geral, dentre muitas outras. Há debates importantes também sobre a adoção de um código de ética que preserve a função jurisdicional de interesses econômicos”, afirma.

No Supremo, há debates sobre tornar as indicações para ministros mais transparentes, rever as competências do tribunal para permitir que priorize sua atuação de Corte constitucional (ao invés de recursal e originária), otimizar as teses de repercussão geral, dentre muitas outras

Eloísa Machado, professora de direito constitucional na FGV Direito SP e coordenadora do grupo de pesquisa “Supremo em Pauta”

Andrei Roman, fundador da AtlasIntel, que tem feito levantamentos acerca da percepção pública sobre os ministros do STF, diz haver uma polarização profunda na população brasileira nessa questão. Há uma tendência de que eleitores de Lula em 2022 tenham uma opinião mais favorável ao Supremo do que aqueles que votaram em Bolsonaro. Para ele, no entanto, a campanha bolsonarista contra a Corte não desviou o foco da necessidade de eventuais reformas no Tribunal.

“Pelo contrário, nunca tivemos tanta discussão sobre a necessidade de reformas no Judiciário, relacionadas ao Supremo. Diria que a polarização impossibilita um avanço real (de medidas práticas). Temos muita discussão a respeito, mas por conta do clima político no País, essa reforma do Supremo parece ficar cada vez mais distante”, afirma.

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