PT age no Supremo contra lei agrária paulista em ação de interesse do MST


Regras de 2022 autorizam regularização de terras devolutas com descontos de até 90%; movimento fala em ‘grilagem’ e entidades defendem segurança jurídica de medida

Por Isabella Alonso Panho, Gustavo Queiroz e José Maria Tomazela
Atualização:

SÃO PAULO E SOROCABA – O PT tenta derrubar no Supremo Tribunal Federal (STF) uma lei paulista de regularização fundiária em uma ação que atende aos interesses do Movimento dos Sem Terra (MST). A legislação questionada permite a venda direta de terras devolutas – áreas públicas sem destinação pelo Estado – a quem as ocupa por décadas sem ter a titularidade até hoje.

Enquanto o partido de Luiz Inácio Lula da Silva age na Corte, o MST impõe constrangimentos em série ao governo federal. No chamado “Abril Vermelho”, o grupo invadiu terras produtivas, investiu contra a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e cobrou mais verbas para a reforma agrária.

O mês de abril foi marcado por várias invasões do MST por todo o país Foto: MST-PE
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A lei questionada é de julho de 2022 e foi regulamentada por decreto do então governador de São Paulo, Rodrigo Garcia (PSDB), em outubro. O negócio pode ser firmado mediante descontos que podem chegar a 90% do valor de propriedades com mais de 450 hectares – equivalentes a 630 campos de futebol.

Na prática, uma terra devoluta pode ser regularizada ao custo de 10% do valor de mercado por quem está com a posse há mais de 50 anos. Quanto mais tempo na área e melhorias efetuadas na propriedade, maior é o abatimento.

Em dezembro, o PT acionou o STF para contestar a legislação sob o argumento de que haverá a entrega de grandes propriedades rurais por meio de processos administrativos conduzidos pelo Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp) que “furam a fila” da reforma agrária e invadem a competência da União sobre o tema. As áreas são disputadas por assentados.

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“A finalidade precípua da lei é afastar a insegurança jurídica”

Procuradoria-Geral do Estado (PGE)

Já entidades de agricultores e empresários defendem as novas regras e alegam advogar pela “segurança jurídica” que a norma oferece a produtores que movimentam a economia, investem e geram emprego. Em manifestação recente à Corte, do dia 19 de abril, a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) diz ser mais vantajoso para os cofres públicos ofertar descontos a quem ocupa as terras do que bancar indenizações para a remoção das áreas.

“Os valores pagos pela Fazenda a título de indenização de benfeitorias úteis e necessárias construídas por particulares em terras devolutas atingem, em média, o elevado porcentual de 49,04% do valor total da área”, diz o órgão da gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos). “A finalidade precípua da lei é afastar a insegurança jurídica”, afirma.

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A lei questionada no Supremo foi aprovada durante a gestão de Rodrigo Garcia à frente do governo de São Paulo (FOTO: ALEX SILVA/ESTADÃO)  

A PGE ainda destaca, na manifestação, a vigência de uma lei que beneficia também pequenos produtores e assentados. Trata-se de uma norma também de 2022. Nela, a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) chancelou a transferência da titularidade de áreas devolutas menores com o pagamento de até 5% do valor da terra.

Nesse caso, podem ser regularizadas, com a transferência de titularidade, terras com até 90 hectares. Essa lei, por sua vez, vale exclusivamente para famílias assentadas, mas não foi contestada pelo PT. A Procuradoria afirma ainda que a arrecadação de terras para a reforma agrária não será prejudicada, uma vez que há esta legislação paralela que trata do tema.

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’Grilagem’

Na ação direta de inconstitucionalidade (ADI), o PT pontua que leis federais determinam que terras devolutas, ainda que produtivas, sejam primeiramente incorporadas ao patrimônio da União, indenizando-se os proprietários. Depois, quem for contemplado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) recebe o direito de usar a área sem abrir mão dela por dez anos. Segundo o PT, esse rito é ignorado na Lei n.º 17.557, o que, na prática, excluiria o MST.

A legenda diz também que a legislação em vigor “autoriza a transferência em massa de bens públicos para pessoas de média e alta renda, visando a satisfação de interesses particulares” e pretende “privilegiar grandes latifundiários com a regularização indevida de suas terras ou de parte delas”. Procurada pelo Estadão, a assessoria de imprensa da sigla reiterou os termos da petição inicial e disse que a ação “visa garantir preceitos constitucionais”.

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Para o MST, trata-se de uma “lei da grilagem”, e a iniciativa do PT no Supremo anima a militância. “O MST espera que o Supremo corrija esse retrocesso”, disse Gerson Oliveira, dirigente do movimento no Pontal do Paranapanema – área com as principais disputas por terras no Estado.

Lideranças do MST apelidaram a lei questionada no Supremo de "Lei de Grilagem" (Foto: MST/ES) 

A lei paulista vai na contramão das estratégias do MST, que invade áreas devolutas ocupadas por fazendas. Centenas de propriedades instaladas sobre terras devolutas na região do Pontal, e que ainda são alvo do MST, podem ser regularizadas com a nova lei. Durante todo este mês, o movimento realizou uma série de invasões no chamado “Abril Vermelho” e causou constrangimentos ao governo Lula.

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’Pacificação’

De acordo com o advogado Coraldino Vendramini, que entrou no STF com pedido de amicus curiae – amigo da Corte – para participar do julgamento como parte interessada pela União dos Municípios do Pontal do Paranapanema (Unipontal), a principal virtude da lei é a “pacificação social”. “Só nós sabemos as mazelas que sofremos por causa dessa indefinição fundiária que existe no Pontal”, disse.

Para Vendramini, a aplicação da lei pode ser a redenção de uma região que ainda está entre as mais pobres do Estado. “Esperamos que a ação do PT caia por terra porque é descabida. Precisamos dessa regularização para a volta do desenvolvimento do Pontal. Há centenas de projetos parados esperando a regularização, gente querendo instalar pivô central, fazer lavouras e plantar eucaliptos. Tem um grupo querendo implantar 18 pivôs de irrigação que estão com projetos parados esperando a regularização”, disse.

“Só nós sabemos as mazelas que sofremos por causa dessa indefinição fundiária que existe no Pontal”

Coraldino Vendramini, advogado da União dos Municípios do Pontal do Paranapanema

No Supremo, o caso está sob relatoria da ministra Cármen Lúcia, que até o momento não decidiu sobre o pedido de suspensão liminar (provisório) da lei feito pelo partido de Lula. A magistrada já aceitou três pedidos de amicus curiae: Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de São Paulo (Faesp), Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp) e Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra).

Segurança jurídica

A Faesp afirma à Corte que “a intenção do legislador é justamente a ‘busca pela segurança jurídica e, consequentemente, a melhoria da produtividade, da empregabilidade e da competitividade do agronegócio paulista’”. O vice-presidente da entidade, Tirso Meirelles, afirmou que os valores que o governo virá a receber com a alienação das terras podem ser investidos na compra de áreas para famílias assentadas.

“Quando ocorre essa regularização, nós não estamos tirando ninguém do processo (de reforma) como um todo. (Quem pede a regularização) São pessoas que estão lá há mais de 20 anos, que têm processo de regularização jurídica e aí sim se faz (a alienação)”, afirmou.

Argumentos

A Alesp pediu a rejeição aos pleitos do PT. Já Augusto Aras, procurador-geral da República, ficou ao lado dos argumentos da legenda. Para ele, a norma “invade a competência da União para legislar sobre direito agrário e normas gerais de licitação”.

Augusto Aras ficou ao lado do PT, opinando pela inconstitucionalidade da lei no Supremo Foto: DIDA SAMPAIO/ESTADÃO

O advogado-geral da União, Jorge Messias, sugeriu que a lei de São Paulo seja derrubada apenas em partes, respeitando as normas gerais da reforma agrária e limitando a aplicação “no caso dos imóveis urbanos, somente em favor da população de baixa renda”.

Segundo o Itesp, há 130 processos de regularização com base na nova lei, e quatro tiveram processos considerados aptos a aprovação. Os casos mais avançados são publicados no Diário Oficial e a soma dos descontos chega a R$ 19,2 milhões. Terceiros interessados podem pedir a impugnação da alienação requisitada no prazo de até 30 dias corridos após a publicação.

Leis paulistas regulamentam a venda de terras públicas ocupadas

Lei 17.517

  • Publicada em 8 de março de 2022
  • Dispõe sobre os planos públicos de aproveitamento dos recursos fundiários
  • Permite a emissão de titularidade a famílias assentadas que ocupam terras públicas, mediante pagamento de 5% do valor da terra nua
  • Assentado precisa comprovar cinco anos de trabalho no lote
  • Lei não faz menção expressa ao tamanho da área, mas os assentamentos paulistas têm entre 1 a 3 módulos fiscais, não passado dos 90 hectares.

Lei 17.557

  • Publicada em 21 de julho de 2022
  • Cria o Programa Estadual de Regularização de Terras
  • Permite a emissão de titularidade a indivíduos que ocupam terras públicas acima de 450 hectares, mediante pagamento de, no mínimo 10% do valor da terra nua, com preço progressivo de acordo com situação jurídica e tempo de ocupação
  • Requerente precisa comprovar no mínimo 10 anos de ocupação do lote
  • Norma é questionada pelo PT;

SÃO PAULO E SOROCABA – O PT tenta derrubar no Supremo Tribunal Federal (STF) uma lei paulista de regularização fundiária em uma ação que atende aos interesses do Movimento dos Sem Terra (MST). A legislação questionada permite a venda direta de terras devolutas – áreas públicas sem destinação pelo Estado – a quem as ocupa por décadas sem ter a titularidade até hoje.

Enquanto o partido de Luiz Inácio Lula da Silva age na Corte, o MST impõe constrangimentos em série ao governo federal. No chamado “Abril Vermelho”, o grupo invadiu terras produtivas, investiu contra a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e cobrou mais verbas para a reforma agrária.

O mês de abril foi marcado por várias invasões do MST por todo o país Foto: MST-PE

A lei questionada é de julho de 2022 e foi regulamentada por decreto do então governador de São Paulo, Rodrigo Garcia (PSDB), em outubro. O negócio pode ser firmado mediante descontos que podem chegar a 90% do valor de propriedades com mais de 450 hectares – equivalentes a 630 campos de futebol.

Na prática, uma terra devoluta pode ser regularizada ao custo de 10% do valor de mercado por quem está com a posse há mais de 50 anos. Quanto mais tempo na área e melhorias efetuadas na propriedade, maior é o abatimento.

Em dezembro, o PT acionou o STF para contestar a legislação sob o argumento de que haverá a entrega de grandes propriedades rurais por meio de processos administrativos conduzidos pelo Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp) que “furam a fila” da reforma agrária e invadem a competência da União sobre o tema. As áreas são disputadas por assentados.

“A finalidade precípua da lei é afastar a insegurança jurídica”

Procuradoria-Geral do Estado (PGE)

Já entidades de agricultores e empresários defendem as novas regras e alegam advogar pela “segurança jurídica” que a norma oferece a produtores que movimentam a economia, investem e geram emprego. Em manifestação recente à Corte, do dia 19 de abril, a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) diz ser mais vantajoso para os cofres públicos ofertar descontos a quem ocupa as terras do que bancar indenizações para a remoção das áreas.

“Os valores pagos pela Fazenda a título de indenização de benfeitorias úteis e necessárias construídas por particulares em terras devolutas atingem, em média, o elevado porcentual de 49,04% do valor total da área”, diz o órgão da gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos). “A finalidade precípua da lei é afastar a insegurança jurídica”, afirma.

A lei questionada no Supremo foi aprovada durante a gestão de Rodrigo Garcia à frente do governo de São Paulo (FOTO: ALEX SILVA/ESTADÃO)  

A PGE ainda destaca, na manifestação, a vigência de uma lei que beneficia também pequenos produtores e assentados. Trata-se de uma norma também de 2022. Nela, a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) chancelou a transferência da titularidade de áreas devolutas menores com o pagamento de até 5% do valor da terra.

Nesse caso, podem ser regularizadas, com a transferência de titularidade, terras com até 90 hectares. Essa lei, por sua vez, vale exclusivamente para famílias assentadas, mas não foi contestada pelo PT. A Procuradoria afirma ainda que a arrecadação de terras para a reforma agrária não será prejudicada, uma vez que há esta legislação paralela que trata do tema.

’Grilagem’

Na ação direta de inconstitucionalidade (ADI), o PT pontua que leis federais determinam que terras devolutas, ainda que produtivas, sejam primeiramente incorporadas ao patrimônio da União, indenizando-se os proprietários. Depois, quem for contemplado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) recebe o direito de usar a área sem abrir mão dela por dez anos. Segundo o PT, esse rito é ignorado na Lei n.º 17.557, o que, na prática, excluiria o MST.

A legenda diz também que a legislação em vigor “autoriza a transferência em massa de bens públicos para pessoas de média e alta renda, visando a satisfação de interesses particulares” e pretende “privilegiar grandes latifundiários com a regularização indevida de suas terras ou de parte delas”. Procurada pelo Estadão, a assessoria de imprensa da sigla reiterou os termos da petição inicial e disse que a ação “visa garantir preceitos constitucionais”.

Para o MST, trata-se de uma “lei da grilagem”, e a iniciativa do PT no Supremo anima a militância. “O MST espera que o Supremo corrija esse retrocesso”, disse Gerson Oliveira, dirigente do movimento no Pontal do Paranapanema – área com as principais disputas por terras no Estado.

Lideranças do MST apelidaram a lei questionada no Supremo de "Lei de Grilagem" (Foto: MST/ES) 

A lei paulista vai na contramão das estratégias do MST, que invade áreas devolutas ocupadas por fazendas. Centenas de propriedades instaladas sobre terras devolutas na região do Pontal, e que ainda são alvo do MST, podem ser regularizadas com a nova lei. Durante todo este mês, o movimento realizou uma série de invasões no chamado “Abril Vermelho” e causou constrangimentos ao governo Lula.

’Pacificação’

De acordo com o advogado Coraldino Vendramini, que entrou no STF com pedido de amicus curiae – amigo da Corte – para participar do julgamento como parte interessada pela União dos Municípios do Pontal do Paranapanema (Unipontal), a principal virtude da lei é a “pacificação social”. “Só nós sabemos as mazelas que sofremos por causa dessa indefinição fundiária que existe no Pontal”, disse.

Para Vendramini, a aplicação da lei pode ser a redenção de uma região que ainda está entre as mais pobres do Estado. “Esperamos que a ação do PT caia por terra porque é descabida. Precisamos dessa regularização para a volta do desenvolvimento do Pontal. Há centenas de projetos parados esperando a regularização, gente querendo instalar pivô central, fazer lavouras e plantar eucaliptos. Tem um grupo querendo implantar 18 pivôs de irrigação que estão com projetos parados esperando a regularização”, disse.

“Só nós sabemos as mazelas que sofremos por causa dessa indefinição fundiária que existe no Pontal”

Coraldino Vendramini, advogado da União dos Municípios do Pontal do Paranapanema

No Supremo, o caso está sob relatoria da ministra Cármen Lúcia, que até o momento não decidiu sobre o pedido de suspensão liminar (provisório) da lei feito pelo partido de Lula. A magistrada já aceitou três pedidos de amicus curiae: Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de São Paulo (Faesp), Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp) e Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra).

Segurança jurídica

A Faesp afirma à Corte que “a intenção do legislador é justamente a ‘busca pela segurança jurídica e, consequentemente, a melhoria da produtividade, da empregabilidade e da competitividade do agronegócio paulista’”. O vice-presidente da entidade, Tirso Meirelles, afirmou que os valores que o governo virá a receber com a alienação das terras podem ser investidos na compra de áreas para famílias assentadas.

“Quando ocorre essa regularização, nós não estamos tirando ninguém do processo (de reforma) como um todo. (Quem pede a regularização) São pessoas que estão lá há mais de 20 anos, que têm processo de regularização jurídica e aí sim se faz (a alienação)”, afirmou.

Argumentos

A Alesp pediu a rejeição aos pleitos do PT. Já Augusto Aras, procurador-geral da República, ficou ao lado dos argumentos da legenda. Para ele, a norma “invade a competência da União para legislar sobre direito agrário e normas gerais de licitação”.

Augusto Aras ficou ao lado do PT, opinando pela inconstitucionalidade da lei no Supremo Foto: DIDA SAMPAIO/ESTADÃO

O advogado-geral da União, Jorge Messias, sugeriu que a lei de São Paulo seja derrubada apenas em partes, respeitando as normas gerais da reforma agrária e limitando a aplicação “no caso dos imóveis urbanos, somente em favor da população de baixa renda”.

Segundo o Itesp, há 130 processos de regularização com base na nova lei, e quatro tiveram processos considerados aptos a aprovação. Os casos mais avançados são publicados no Diário Oficial e a soma dos descontos chega a R$ 19,2 milhões. Terceiros interessados podem pedir a impugnação da alienação requisitada no prazo de até 30 dias corridos após a publicação.

Leis paulistas regulamentam a venda de terras públicas ocupadas

Lei 17.517

  • Publicada em 8 de março de 2022
  • Dispõe sobre os planos públicos de aproveitamento dos recursos fundiários
  • Permite a emissão de titularidade a famílias assentadas que ocupam terras públicas, mediante pagamento de 5% do valor da terra nua
  • Assentado precisa comprovar cinco anos de trabalho no lote
  • Lei não faz menção expressa ao tamanho da área, mas os assentamentos paulistas têm entre 1 a 3 módulos fiscais, não passado dos 90 hectares.

Lei 17.557

  • Publicada em 21 de julho de 2022
  • Cria o Programa Estadual de Regularização de Terras
  • Permite a emissão de titularidade a indivíduos que ocupam terras públicas acima de 450 hectares, mediante pagamento de, no mínimo 10% do valor da terra nua, com preço progressivo de acordo com situação jurídica e tempo de ocupação
  • Requerente precisa comprovar no mínimo 10 anos de ocupação do lote
  • Norma é questionada pelo PT;

SÃO PAULO E SOROCABA – O PT tenta derrubar no Supremo Tribunal Federal (STF) uma lei paulista de regularização fundiária em uma ação que atende aos interesses do Movimento dos Sem Terra (MST). A legislação questionada permite a venda direta de terras devolutas – áreas públicas sem destinação pelo Estado – a quem as ocupa por décadas sem ter a titularidade até hoje.

Enquanto o partido de Luiz Inácio Lula da Silva age na Corte, o MST impõe constrangimentos em série ao governo federal. No chamado “Abril Vermelho”, o grupo invadiu terras produtivas, investiu contra a Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa) e cobrou mais verbas para a reforma agrária.

O mês de abril foi marcado por várias invasões do MST por todo o país Foto: MST-PE

A lei questionada é de julho de 2022 e foi regulamentada por decreto do então governador de São Paulo, Rodrigo Garcia (PSDB), em outubro. O negócio pode ser firmado mediante descontos que podem chegar a 90% do valor de propriedades com mais de 450 hectares – equivalentes a 630 campos de futebol.

Na prática, uma terra devoluta pode ser regularizada ao custo de 10% do valor de mercado por quem está com a posse há mais de 50 anos. Quanto mais tempo na área e melhorias efetuadas na propriedade, maior é o abatimento.

Em dezembro, o PT acionou o STF para contestar a legislação sob o argumento de que haverá a entrega de grandes propriedades rurais por meio de processos administrativos conduzidos pelo Instituto de Terras do Estado de São Paulo (Itesp) que “furam a fila” da reforma agrária e invadem a competência da União sobre o tema. As áreas são disputadas por assentados.

“A finalidade precípua da lei é afastar a insegurança jurídica”

Procuradoria-Geral do Estado (PGE)

Já entidades de agricultores e empresários defendem as novas regras e alegam advogar pela “segurança jurídica” que a norma oferece a produtores que movimentam a economia, investem e geram emprego. Em manifestação recente à Corte, do dia 19 de abril, a Procuradoria-Geral do Estado (PGE) diz ser mais vantajoso para os cofres públicos ofertar descontos a quem ocupa as terras do que bancar indenizações para a remoção das áreas.

“Os valores pagos pela Fazenda a título de indenização de benfeitorias úteis e necessárias construídas por particulares em terras devolutas atingem, em média, o elevado porcentual de 49,04% do valor total da área”, diz o órgão da gestão Tarcísio de Freitas (Republicanos). “A finalidade precípua da lei é afastar a insegurança jurídica”, afirma.

A lei questionada no Supremo foi aprovada durante a gestão de Rodrigo Garcia à frente do governo de São Paulo (FOTO: ALEX SILVA/ESTADÃO)  

A PGE ainda destaca, na manifestação, a vigência de uma lei que beneficia também pequenos produtores e assentados. Trata-se de uma norma também de 2022. Nela, a Assembleia Legislativa do Estado de São Paulo (Alesp) chancelou a transferência da titularidade de áreas devolutas menores com o pagamento de até 5% do valor da terra.

Nesse caso, podem ser regularizadas, com a transferência de titularidade, terras com até 90 hectares. Essa lei, por sua vez, vale exclusivamente para famílias assentadas, mas não foi contestada pelo PT. A Procuradoria afirma ainda que a arrecadação de terras para a reforma agrária não será prejudicada, uma vez que há esta legislação paralela que trata do tema.

’Grilagem’

Na ação direta de inconstitucionalidade (ADI), o PT pontua que leis federais determinam que terras devolutas, ainda que produtivas, sejam primeiramente incorporadas ao patrimônio da União, indenizando-se os proprietários. Depois, quem for contemplado pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) recebe o direito de usar a área sem abrir mão dela por dez anos. Segundo o PT, esse rito é ignorado na Lei n.º 17.557, o que, na prática, excluiria o MST.

A legenda diz também que a legislação em vigor “autoriza a transferência em massa de bens públicos para pessoas de média e alta renda, visando a satisfação de interesses particulares” e pretende “privilegiar grandes latifundiários com a regularização indevida de suas terras ou de parte delas”. Procurada pelo Estadão, a assessoria de imprensa da sigla reiterou os termos da petição inicial e disse que a ação “visa garantir preceitos constitucionais”.

Para o MST, trata-se de uma “lei da grilagem”, e a iniciativa do PT no Supremo anima a militância. “O MST espera que o Supremo corrija esse retrocesso”, disse Gerson Oliveira, dirigente do movimento no Pontal do Paranapanema – área com as principais disputas por terras no Estado.

Lideranças do MST apelidaram a lei questionada no Supremo de "Lei de Grilagem" (Foto: MST/ES) 

A lei paulista vai na contramão das estratégias do MST, que invade áreas devolutas ocupadas por fazendas. Centenas de propriedades instaladas sobre terras devolutas na região do Pontal, e que ainda são alvo do MST, podem ser regularizadas com a nova lei. Durante todo este mês, o movimento realizou uma série de invasões no chamado “Abril Vermelho” e causou constrangimentos ao governo Lula.

’Pacificação’

De acordo com o advogado Coraldino Vendramini, que entrou no STF com pedido de amicus curiae – amigo da Corte – para participar do julgamento como parte interessada pela União dos Municípios do Pontal do Paranapanema (Unipontal), a principal virtude da lei é a “pacificação social”. “Só nós sabemos as mazelas que sofremos por causa dessa indefinição fundiária que existe no Pontal”, disse.

Para Vendramini, a aplicação da lei pode ser a redenção de uma região que ainda está entre as mais pobres do Estado. “Esperamos que a ação do PT caia por terra porque é descabida. Precisamos dessa regularização para a volta do desenvolvimento do Pontal. Há centenas de projetos parados esperando a regularização, gente querendo instalar pivô central, fazer lavouras e plantar eucaliptos. Tem um grupo querendo implantar 18 pivôs de irrigação que estão com projetos parados esperando a regularização”, disse.

“Só nós sabemos as mazelas que sofremos por causa dessa indefinição fundiária que existe no Pontal”

Coraldino Vendramini, advogado da União dos Municípios do Pontal do Paranapanema

No Supremo, o caso está sob relatoria da ministra Cármen Lúcia, que até o momento não decidiu sobre o pedido de suspensão liminar (provisório) da lei feito pelo partido de Lula. A magistrada já aceitou três pedidos de amicus curiae: Federação da Agricultura e Pecuária do Estado de São Paulo (Faesp), Centro das Indústrias do Estado de São Paulo (Ciesp) e Associação Brasileira de Reforma Agrária (Abra).

Segurança jurídica

A Faesp afirma à Corte que “a intenção do legislador é justamente a ‘busca pela segurança jurídica e, consequentemente, a melhoria da produtividade, da empregabilidade e da competitividade do agronegócio paulista’”. O vice-presidente da entidade, Tirso Meirelles, afirmou que os valores que o governo virá a receber com a alienação das terras podem ser investidos na compra de áreas para famílias assentadas.

“Quando ocorre essa regularização, nós não estamos tirando ninguém do processo (de reforma) como um todo. (Quem pede a regularização) São pessoas que estão lá há mais de 20 anos, que têm processo de regularização jurídica e aí sim se faz (a alienação)”, afirmou.

Argumentos

A Alesp pediu a rejeição aos pleitos do PT. Já Augusto Aras, procurador-geral da República, ficou ao lado dos argumentos da legenda. Para ele, a norma “invade a competência da União para legislar sobre direito agrário e normas gerais de licitação”.

Augusto Aras ficou ao lado do PT, opinando pela inconstitucionalidade da lei no Supremo Foto: DIDA SAMPAIO/ESTADÃO

O advogado-geral da União, Jorge Messias, sugeriu que a lei de São Paulo seja derrubada apenas em partes, respeitando as normas gerais da reforma agrária e limitando a aplicação “no caso dos imóveis urbanos, somente em favor da população de baixa renda”.

Segundo o Itesp, há 130 processos de regularização com base na nova lei, e quatro tiveram processos considerados aptos a aprovação. Os casos mais avançados são publicados no Diário Oficial e a soma dos descontos chega a R$ 19,2 milhões. Terceiros interessados podem pedir a impugnação da alienação requisitada no prazo de até 30 dias corridos após a publicação.

Leis paulistas regulamentam a venda de terras públicas ocupadas

Lei 17.517

  • Publicada em 8 de março de 2022
  • Dispõe sobre os planos públicos de aproveitamento dos recursos fundiários
  • Permite a emissão de titularidade a famílias assentadas que ocupam terras públicas, mediante pagamento de 5% do valor da terra nua
  • Assentado precisa comprovar cinco anos de trabalho no lote
  • Lei não faz menção expressa ao tamanho da área, mas os assentamentos paulistas têm entre 1 a 3 módulos fiscais, não passado dos 90 hectares.

Lei 17.557

  • Publicada em 21 de julho de 2022
  • Cria o Programa Estadual de Regularização de Terras
  • Permite a emissão de titularidade a indivíduos que ocupam terras públicas acima de 450 hectares, mediante pagamento de, no mínimo 10% do valor da terra nua, com preço progressivo de acordo com situação jurídica e tempo de ocupação
  • Requerente precisa comprovar no mínimo 10 anos de ocupação do lote
  • Norma é questionada pelo PT;

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