O PT criou núcleos de evangélicos em 21 Estados para tentar recuperar, nas eleições de 2022, os votos que perdeu entre os mais pobres em 2016 e 2018. O próximo passo é a criação de comitês que unam líderes neopentecostais aos demais partidos de esquerda, como o PSB, com o qual petistas negociam formar uma federação. Homem de confiança do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, Gilberto Carvalho, ex-chefe da Secretaria-Geral da Presidência, comanda as articulações.
O objetivo é adaptar a comunicação das campanhas aos valores desses segmentos para quebrar a resistência à candidatura Lula ao Palácio do Planalto. Segundo a coordenadora do Núcleo de Evangélicos do PT (NEPT), deputada Benedita da Silva (RJ), o grupo busca reverter a noção de que cristãos deste segmento são avessos à sigla: “No governo Lula, os evangélicos melhoraram de vida e os dízimos das nossas igrejas aumentaram”.
O fortalecimento dos canais de interlocução com evangélicos foi um pedido de Lula. Em 2016, o PT perdeu mais da metade das 630 prefeituras que controlava. Desde então, a legenda estuda estratégias para conciliar seu discurso com demandas do eleitorado evangélico e entre os mais pobres. A perda de apoio entre eleitores de baixa renda foi considerada fundamental para o impeachment de Dilma Rousseff e para a derrota de Fernando Haddad para Jair Bolsonaro em 2018.
No período de Lula na Presidência (2003-2010), líderes evangélicos se aproximaram do governo, mas, com a eleição de Dilma, o cenário mudou. Em meio às denúncias de corrupção da Lava Jato, pastores ligados a legendas conservadoras fustigavam o PT. Um dos meios de ataque foi a chamada agenda de costumes, associando a sigla a temas como aborto, liberação de drogas e “ideologia de gênero”. Com a crise econômica a partir de 2015, a pregação teve efeito devastador para o petismo, sobretudo entre os mais pobres, faixa na qual os evangélicos são mais fortes.
Agora, o PT se aproxima de evangélicos de fora do partido, como o pastor Paulo Marcelo Schallenberger, que tentou se eleger vereador em São Paulo, em 2020, com apoio do deputado Marco Feliciano (Republicanos-SP), aliado de Bolsonaro. Em dezembro, o religioso se reuniu com Lula por mais de duas horas, em São Paulo. Paulo Marcelo se aventurou na política pelo Podemos, que hoje abriga o ex-juiz e algoz do petista Sérgio Moro, pré-candidato a presidente. Com 4.486 votos, o pastor não se elegeu, apesar de ter gasto R$ 384 mil do fundo eleitoral em sua campanha. Sem filiação a partido político, ele está atuando nos bastidores da comunidade neopentecostal em defesa da candidatura petista.
Uma das primeiras missões de Paulo Marcelo é participar da nova programação petista voltada ao público evangélico a ser lançada este mês. Como revelou o Estadão, a legenda vai estrear um podcast e um programa de entrevistas e música gospel que vão ao ar pela TVPT, canal do partido no YouTube, e redes sociais quinzenalmente. Da Assembleia de Deus-Ministério Cidade Missionária, Paulo Marcelo também deve acompanhar Lula em caravanas pelo País. A ideia é que o pastor aproveite sua experiência de pregador itinerante e faça reuniões com evangélicos pentecostais de igrejas menores, muitas delas localizadas nas periferias das cidades.O pregador já teve entrevero com a Justiça. Em 2014, foi preso em Foz do Iguaçu (PR) por suspeita de posse de arma. A arma, diz Paulo Marcelo, era de seu segurança particular, ex-policial, que não estava lá no momento da ocorrência. O processo foi arquivado após o pastor pagar uma multa convertida em cestas básicas. Segundo Benedita, as conversas ocorreram por iniciativa de Paulo Marcelo, que apresentou ideias para fortalecer a candidatura Lula no segmento evangélico. “Não houve nenhuma autorização dada a ele”, disse a deputada. O pastor destacou que se uniu ao projeto petista "para somar", inspirado por seu avô, fã de Lula. E acredita que a parlamentar não deve ter sido informada de seu papel, combinado com o ex-presidente. "Valorizo muito o trabalho da Benedita e do NEPT. Ela esteve de resguardo após uma cirurgia, por isso não pude contar pessoalmente desse projeto", afirmou Paulo Marcelo.
Origem e formação
Em suas origens, o PT teve forte base religiosa. As Comunidades Eclesiais de Base da Igreja Católica constituíram uma das bases do partido – outras foram o novo sindicalismo, liderado por Lula, e organizações de esquerda fora da legalidade. As CEBs, inspiradas na Teologia da Libertação, promoviam ações sociais nas periferias das grandes cidades e ajudavam na organização comunitária e formação de lideranças, nos anos 1970, 80 e 90. Durante muito tempo, foram conhecidos no partido como “PT de Missas”, em trocadilho com “PT de Massas”.
Em conversas preliminares, integrantes da organização dos novos comitês sugeriram batizar os grupos de conexão entre neopentecostais e a esquerda brasileira de "Comitês Populares de Luta". A decisão, no entanto, tem sido questionada internamente por atores receosos com a possibilidade de o nome afugentar potenciais aliados. “A gente quer um nome adequado para esse campo", afirmou o integrante da coordenação nacional do projeto, Geter Borges, que defende o título ‘Comitê de Evangélicos pela Democracia’.
O NEPT treina militantes sobre como abordar os evangélicos. A proposta é fornecer um repertório mais amplo com o qual filiados tenham maiores chances de êxito nas tentativas de convencê-los a aderir às propostas do partido. “Em 2015, começamos a perceber a necessidade de um grupo com consistência ideológica maior. Fazemos trabalho de base para aumentar a compreensão política dos evangélicos”, declarou Geter.
Em setembro do ano passado, o grupo promoveu o Encontro de Evangélicos com Lula, transmitido pelas redes sociais. Ao lado de Benedita e da presidente do PT, deputada federal Gleisi Hoffmann, o ex-presidente ouviu mensagens de pastores aliados. Ao fim, fez um discurso em que defendeu seu governo. Neste ano, está prevista uma nova edição, ainda sem data definida.