SÃO PAULO E BRASÍLIA – O partido do presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva votou em peso, na Câmara, a favor do projeto de resolução que altera as regras de aplicação das emendas de relator, a base do chamado orçamento secreto – mecanismo adotado pelo governo Jair Bolsonaro para obter apoio de parlamentares, como revelou o Estadão. A iniciativa foi aprovada nesta sexta-feira, 16, no Congresso para assegurar uma vitória no Supremo Tribunal Federal (STF), que está para encerrar um julgamento que questiona a constitucionalidade do instrumento.
Dos 49 deputados do PT presentes à sessão, 44 votaram a favor da resolução, três contra e dois se abstiveram. Somente divergiram da orientação da liderança Vander Loubet (MS), Henrique Fontana (RS) e Maria do Rosário (RS). Já no Senado, foram três votos favoráveis ao projeto, um contra e duas abstenções. Fabiano Contarato (ES) foi o único a rejeitar o projeto em plenário.
Na campanha, Lula não poupou críticas ao orçamento secreto. Classificou a prática como “bandidagem”, “excrescência política” e afirmou que Arthur Lira (PP-AL), presidente da Câmara, exercia o poder como um “imperador do Japão”. Após vencer a eleição, porém, o petista foi mudando o discurso, até evitar qualquer polêmica sobre o tema, desde que houvesse “transparência” e alinhamento com prioridades do governo.
O partido de Lula foi criticado. “Eu acho que é uma incoerência brutal do PT”, disse no plenário o senador Renan Calheiros (MDB-AL). “Até o PT votou a favor do que Lula em campanha criticou e prometeu acabar”, afirmou no Twitter o deputado Alexandre Frota (PROS-SP), que apoiou o petista no segundo turno.
O placar foi de amplo apoio à aprovação do texto, tanto na Câmara como no Senado. Entre os deputados, o projeto recebeu 328 votos a favor – 20 a mais do que o necessário para aprovar uma proposta de emenda à Constituição (PEC) – e 66 contra. No Senado, o placar ficou em 44 a 20.
Ao discursar, o deputado Marcel van Hattem (Novo-RS) chamou a atenção para o volume de recursos sob controle de Lira e do presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (PSD-MG). “Eu quero saber, Vossa Excelência Rodrigo Pacheco, o que Vossa Excelência quer com R$ 1,5 bilhão? O que o presidente da Câmara, Arthur Lira, quer com R$ 1,5 bilhão?”
Veja como votou cada deputado
‘Coerência’
O líder do PT no Senado, Paulo Rocha (PA), disse não ver incoerência. “Quebramos o secreto do orçamento secreto”, afirmou. “Agora, o que acontece? Estamos em um momento em que a gente tem de aprovar um processo de adaptar o Orçamento da União para a gente poder começar o governo com o que nós propusemos a governar. Estamos dedicados a isso. Por isso que nós queremos a condição de discutir a PEC (da Transição) para resolver o problema”, disse o líder.
De acordo com Rocha, com a resolução, os parlamentares dão “o mínimo de transparência” e ficam com a prerrogativa de indicar gastos apontados pelos presidentes das Casas e líderes, cabendo ao Executivo aceitar ou não as sugestões. Procurado, o líder do PT na Câmara, Reginaldo Lopes (MG), não foi localizado.
Veja como votou cada senador
Durante a campanha eleitoral, o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva criticou duramente o orçamento secreto, prometendo que acabaria com o instrumento caso fosse eleito. O petista chegou a dizer que o orçamento secreto significaria uma usurpação de atribuições do Executivo, entregues ao Legislativo para compra de apoio de congressistas.
Durante entrevista no Jornal Nacional, em agosto, Lula classificou o esquema como “usurpação do poder”. “Bolsonaro parece um bobo da corte. Ele não coordena o orçamento”, disse, naquela ocasião. “(O orçamento secreto) não é moeda de troca, isso é usurpação de poder. Acabou o presidencialismo. Bolsonaro é refém do Congresso, ele sequer cuida do orçamento. Isso nunca aconteceu desde a proclamação da República”, disse.
Nas últimas semanas, o petista veio mudando o discurso, até evitar qualquer polêmica sobre o tema, desde que houvesse “transparência” e alinhamento com as prioridades do governo. Em entrevista na sexta-feira, 9, esse foi o tom de Lula, no esforço de evitar prejuízos à tramitação da PEC da Transição, a curto prazo, e mesmo para facilitar a governabilidade no médio e longo prazo.