BRASÍLIA – O impacto do crescimento do Centrão nas urnas sobre a reforma ministerial planejada pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva para a segunda metade de seu mandato preocupa a cúpula do PT. Há apreensão nas fileiras petistas com o ganho de peso do PSD de Gilberto Kassab, secretário de Governo na gestão de Tarcísio de Freitas em São Paulo. As críticas avançaram depois que o PSD saiu do primeiro turno das eleições com o maior número de prefeitos no País, conquistando 882 municípios.
Filiado ao PSD, o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (MG), é cotado para entrar no primeiro escalão do governo federal, em 2025, quando deixar a direção da Casa legislativa. Embora Lula ainda avalie qual ministério Pacheco poderá ocupar, o tamanho do partido na equipe já provoca queixas por parte de dirigentes, deputados, senadores e até ministros do PT, que não veem motivo para a sigla de Kassab obter mais espaço.
O PSD comanda, atualmente, três ministérios: Minas e Energia, com Alexandre Silveira; Agricultura, com Carlos Fávaro; e Pesca, com André de Paula. Nos bastidores, porém, auxiliares de Lula observam que a taxa de alinhamento do PSD ao governo, em votações de interesse do Palácio do Planalto no Congresso, caiu do ano passado para cá, apesar dos cargos e dos recursos liberados para emendas parlamentares.
Kassab rebate, sob o argumento de que “o governo conseguiu aprovar tudo o que quis” na Câmara e no Senado. O fato de Kassab estar na gestão de Tarcísio – um possível adversário de Lula na disputa pelo Planalto, em 2026, – também é apontado como mais um fator para o presidente não ceder outros “anéis” ao PSD.
Leia Também:
Petistas criticam protagonismo de Silveira
Além disso, o ministro Alexandre Silveira, expoente do partido, tem recebido muitas críticas de petistas. As queixas se avolumaram após Silveira conseguir derrubar, em maio, o então presidente da Petrobras, Jean Paul Prates (PT), e aumentar sua influência sobre o setor de petróleo, fazendo indicações para várias agências reguladoras.
A articulação para a queda de Prates envolveu o ministro-chefe da Casa Civil, Rui Costa. Nos últimos tempos, porém, Silveira se desentendeu com Costa. Em conversas reservadas, seus desafetos dizem agora que ele está de olho na cadeira da Casa Civil.
O titular de Minas e Energia também teve atritos com o presidente da Comissão de Constituição e Justiça (CCJ) do Senado, Davi Alcolumbre (União Brasil-AP), e com o próprio Pacheco.
As eleições que vão renovar a cúpula do Congresso estão marcadas para fevereiro de 2025 e Alcolumbre é favorito para novamente dar as cartas no Senado. Lula vai esperar não apenas o segundo turno dos confrontos municipais neste domingo, 27, mas também o resultado das disputas no Legislativo para só depois fazer trocas no Ministério.
É a partir desse mapa que o presidente terá a dimensão da nova correlação de forças e do tamanho de sua base aliada. De qualquer forma, já se sabe que partidos do Centrão avançaram muitas casas no jogo ao ganhar musculatura nas urnas e Lula terá de renegociar o apoio com todos do grupo.
A ida de Pacheco para um ministério passa, ainda, por um acerto com Kassab. Motivo: Lula tem planos de lançar o presidente do Senado ao governo de Minas, em 2026, numa aliança com o PT, caso ele tenha viabilidade política. Em troca, quer apoio do PSD para sua candidatura à reeleição.
Ex-ministro, Kassab nunca garantiu a adesão a esse projeto, nem mesmo se seu nome entrasse no páreo como vice da chapa. “Deixa eu quietinho em São Paulo”, afirmou o secretário ao Estadão. Kassab garantiu que, se o PSD tiver candidato próprio ao Planalto, será o governador do Paraná, Ratinho Júnior.
Essa hipótese, porém, é considerada improvável no mundo político. No PT, os movimentos de Kassab são vistos com desconfiança e ninguém tem dúvida de que ele ficará ao lado de Tarcísio, caso o governador de São Paulo entre na corrida ao Planalto.
Nas eleições para a Prefeitura da capital paulista, o PSD apoia Ricardo Nunes (MDB), enquanto Lula e o PT estão com Guilherme Boulos (PSOL). Durante o apagão, o ministro de Minas e Energia criou uma saia-justa com Nunes, embora seu partido, o PSD, esteja no palanque dele. Silveira sustentou que o prefeito espalhava fake news ao dizer que o governo Lula queria renovar o contrato de distribuição de energia com a Enel.
Em Belo Horizonte, depois que o candidato do PT, Rogério Correia, ficou em sexto lugar na disputa, petistas decidiram integrar a campanha pela reeleição do prefeito Fuad Noman (PSD) contra o bolsonarista Bruno Engler (PL). Não sem antes lavarem a “roupa suja” em público.
Para o deputado Reginaldo Lopes (MG), o PT deveria ter apoiado Fuad desde o início. “A performance decepcionante do partido do presidente mais icônico da história do Brasil expõe nossa desconexão com a realidade”, criticou Lopes nas redes sociais. “O mundo mudou e novas demandas surgiram. Precisamos nos reinventar para conectar com a juventude, trabalhadores urbanos e rurais, mulheres e empreendedores que movem a economia. Sem isso, estamos condenados ao fracasso.”
Em Cuiabá, houve uma aliança entre o candidato do PT, Lúdio Cabral, e o PSD. Lá, a vice de Lúdio é Rafaela Fávaro (PSD), filha do ministro da Agricultura. Do outro lado está Abílio Brunini (PL), que concorre ao segundo turno com o apoio do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
A força do Centrão na segunda metade do mandato de Lula é motivo de discussões acaloradas no PT. Em entrevista ao Estadão, o ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha disse, na semana passada, que Lula deve convidar Arthur Lira (PP-AL), líder do Centrão, para a sua equipe. A exemplo de Pacheco, Lira deixa a presidência da Câmara em fevereiro de 2025.
‘’O ideal é Lira assumir um ministério. Temos de trazer o Centrão para mais perto”, argumentou João Paulo, ao também destacar a importância das negociações com Kassab para dar estaabilidade ao governo e “chegar bem” em 2026.
Ministros do Planalto afirmam, no entanto, que essa equação política não é simples, uma vez que, para dar certo, Lira teria de apoiar a candidatura de Lula a um novo mandato.
Daqui a dois anos, porém, Lira pretende concorrer a uma vaga no Senado e precisa se diferenciar cada vez mais do senador Renan Calheiros (MDB-AL), de quem é rival.
Aliado de Lula, Renan tentará se reeleger. Já Renan Filho, hoje ministro dos Transportes e senador licenciado, pretende concorrer mais uma vez ao governo de Alagoas, Estado que administrou durante oito anos.
Na reforma desenhada para 2025, Lula tem até agora uma certeza: quer levar para o governo a presidente do PT, Gleisi Hoffmann, que, na sua avaliação, pode atuar como uma espécie de “gerente” de programas estratégicos.
Gleisi deixa o comando do PT em meados do ano que vem, quando o partido fará uma eleição direta, com voto dos filiados, para renovar sua direção. Lula ainda não definiu um ministério para a deputada, mas estuda algumas opções.
Na lista está o Desenvolvimento Social, pasta hoje nas mãos de Wellington Dias (PT-PI), que deve retornar ao Senado. Outra hipótese é a Secretaria-Geral da Presidência, chefiada por Márcio Macêdo.
De 2011 a 2014, no governo Dilma Rousseff, Gleisi foi ministra da Casa Civil e ocupou um gabinete no quarto andar do Planalto. Sua volta ao posto não está totalmente descartada, embora no momento o presidente não esteja nada disposto a deslocar Costa.
Lula não tem pressa em mexer na equipe, mesmo porque, em abril de 2026, terá de substituir quase a metade de seus auxiliares: dos 39 ministros, no mínimo 18 serão candidatos a cargos eletivos.