Defesa contradiz Planalto e amplia sigilo de documentos
Rubens Valente, de Brasília
Dias antes da entrada em vigor da Lei de Acesso à Informação, o Ministério da Defesa recorreu a brechas legais para ampliar o segredo sobre documentos militares, o que pode prorrogar em até 15 anos o prazo para que eles venham a público.
A nova lei, que criou regras detalhadas para que os cidadãos tenham acesso a dados públicos, entrou em vigor no último dia 16.
Pouco antes, porém, o ministério usou um antigo decreto, que a pasta sabia que seria substituído pela nova norma, e elevou o grau de sigilo de inúmeros documentos "confidenciais".
Pelas regras que caducaram no dia 16, os documentos "confidenciais" tinham sigilo de dez anos.
Com a Lei de Acesso, esses papéis teriam que ser reclassificados, já que não há mais documentos "confidenciais", apenas "reservados" (cinco anos de sigilo), "secretos" (15 anos) e "ultrassecretos" (25 anos, renováveis por igual tempo).
Em vez de torná-los "reservados" ou liberá-los, o ministério transformou-os todos em "secretos". Com isso, eles poderão ficar inacessíveis ao público por mais 15 anos.
O ministério não informou quantos são os documentos e por quanto tempo de fato pretende mantê-los sob sigilo.
A Folha identificou a manobra após ter solicitado acesso, por meio da nova lei, aos registros de venda de material bélico do Brasil para o exterior entre 1990 e 2012.
O objetivo era saber se os armamentos estão sendo usados por ditaduras ou grupos paramilitares em crimes contra os direitos humanos.
ONGs levantaram a suspeita, por exemplo, de que o Brasil fabrica e exporta bombas de fragmentação conhecidas como "cluster", que se estilhaçam quando detonadas, banidas em vários países.
O ministério informou que decidira transformar os documentos de controle do comércio bélico do grau "confidencial" para "secreto".
A Folha apurou com um oficial que atuou na aplicação das medidas que elas atingiram todos os setores que produzem documentos sigilosos.
Segundo o oficial, ao final de "um mutirão" a maioria dos documentos então considerada "confidencial" foi tornada "secreta", e o restante foi liberado. Nenhuma liberação atingiu documentos sobre comércio bélico.
Em 16 de maio, em entrevista gravada, a assessoria da Presidência havia dito à Folha, na presença do ministro Gilberto Carvalho (Secretaria-Geral), que a nova lei não poderia ser usada de forma a ampliar o sigilo de documentos já confeccionados antes do advento da nova lei.
Segundo a assessoria, os órgãos públicos não poderiam classificar um documento como "secreto" ou "ultrassecreto" caso ele não tivesse sido assim discriminado na data de sua criação.
O decreto usado pela Defesa para a reclassificação -extinto no dia 16- dizia que um papel poderia sair de "confidencial" para "secreto" por meio "de expediente hábil".
Em 2011 a Folha obteve do Itamaraty, e colocou em seu site, pelo projeto Folha Transparência, a íntegra de 2.000 telegramas considerados "confidenciais". Caso o mesmo entendimento da Defesa tivesse sido adotado, os telegramas seriam trazidos a público só daqui a 15 anos.
OUTRO LADO
Divulgação poderia prejudicar interesse nacional, diz pasta DE BRASÍLIA
O Ministério da Defesa afirmou que não divulgará os dados sobre comércio de armamento para o exterior para "não comprometer interesses estratégicos, institucionais e comerciais do Brasil".
Sobre a estratégica do órgão de elevar documentos militares do grau de "confidencial" para "secreto", o ministério não se pronunciou.
Em resposta ao pedido da reportagem para ter acesso aos papéis sobre comércio bélico, o SIC (Serviço de Informações ao Cidadão) do ministério informou, na semana passada: "A classificação de sigilo confidencial deixou de existir e os documentos de controle de exportação passaram a ser classificados como secretos".
A respeito do eventual uso dos armamentos em crimes contra os direitos humanos, o ministério disse que o controle das exportações é feito em conjunto com o Ministério das Relações Exteriores, "visando justamente a uma análise criteriosa da 'Finalidade do Emprego' para impedir o uso abusivo com violações dos direitos humanos".
Procurada para falar sobre o assunto, a assessoria da CGU (Controladoria Geral da União), não havia se manifestado até o fechamento desta edição. A CGU é o órgão que acolherá os recursos sobre recusas a pedidos feitos por meio da nova lei de Acesso à Informação.