Durante as sete semanas oficiais da campanha eleitoral em São Paulo, os quatro candidatos mais bem posicionados nas pesquisas percorreram todas as zonas da cidade, formada por 96 distritos. Segundo levantamento do Estadão, 82 deles tiveram pelo menos uma agenda pública dos candidatos Ricardo Nunes (MDB), Guilherme Boulos (PSOL), Pablo Marçal (PRTB) ou Tabata Amaral (PSB) desde o dia 16 de agosto, data em que a corrida pela Prefeitura começou oficialmente, até esta sexta-feira, 4.
Enquanto Boulos foi o candidato com mais agendas, totalizando 114, Marçal, o ex-coach campeão de engajamento nas redes sociais, foi quem teve a presença no mundo real menos expressiva, com apenas 39 agendas de rua. Somados, os quatro concorrentes ao comando do município foram encontrar o eleitor paulistano 328 vezes – quase sete agendas de campanha por dia pela cidade. Neste sábado, 5, véspera do pleito, os candidatos pretendem dar o último gás e buscar, no corpo a corpo, angariar os últimos votos.
A região mais visitada em agendas públicas dos políticos foi a zona sul, com 90 compromissos. O local é reduto eleitoral do atual prefeito, que nasceu na região. Em 2018, quando tentou uma vaga no Legislativo federal e não foi eleito, Nunes acumulou lá a maioria dos 47 mil votos que recebeu. A localidade, que abrange os distritos com maior concentração de famílias com renda de até meio salário mínimo per capita, também é onde Tabata nasceu e foi criada. Como mostrou o Estadão, tanto os dois candidatos quanto os demais fizeram acenos explícitos aos eleitores da periferia durante toda a campanha, buscando votos dos moradores desses bairros.
Os candidatos também promoveram 83 eventos de campanha na zona leste; 58 agendas na região central; 59 na zona norte; e 37 na zona oeste. O levantamento foi feito a partir das divulgações das assessorias de cada campanha e desconsiderou sabatinas, entrevistas em podcasts e debates eleitorais, além de agendas fechadas, como reuniões de planejamento e gravações de campanha.
Campeão de agendas oficiais neste primeiro turno, Boulos concentrou os eventos na zona leste, com 39 – sendo 24 deles descritos como “caminhadas” pelas proximidades –, como nos distritos de Cidade Tiradentes, onde esteve em sete agendas, e em Itaquera, em seis ocasiões. Em um mesmo dia, 28 de agosto, por exemplo, com a presença do padrinho político Luiz Inácio Lula da Silva (PT), Boulos esteve em dois extremos da capital, em Campo Limpo, zona leste, e São Miguel, zona oeste, em comícios em que dividiu o palco com o presidente.
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O atual prefeito aparece em segundo lugar, com presença equilibrada em todas as regiões da cidade: de 17 compromissos na zona oeste a 28 na zona sul. No total, Nunes promoveu 107 agendas no período, desde o início oficial da campanha até esta sexta-feira. Proibido pela legislação eleitoral de inaugurar obras com dinheiro público no período, o prefeito participou de agendas como caminhadas, eventos sociais, reuniões com empresários, missas e cultos religiosos, além de 18 lançamentos de candidaturas de vereadores ou outro tipo de eventos com eles.
Tabata aparece em terceiro lugar entre os que mais estiveram na rua, com 68 agendas públicas, espalhadas de forma uniforme entre todas as regiões – com exceção da zona oeste, onde a candidata esteve o menor número de vezes, em apenas cinco ocasiões. Uma delas foi em seu primeiro dia oficial de campanha, quando lançou o plano de seu eventual governo. Além de caminhadas, a candidata promoveu panfletagens, encontros com trabalhadores, eventos em sindicatos, missas e outras atividades sociais.
Já Marçal, em contraste com a presença constante nas redes sociais com estratégias de marketing digital aplicadas à corrida eleitoral, foi o candidato mais bem posicionado nas pesquisas que menos esteve nas ruas. O ex-coach teve 39 agendas públicas, concentradas nas zonas sul (11), oeste (dez) e leste (nove). Entre os eventos, estão dez carreatas, duas motociatas e seis caminhadas. O empresário esteve mais vezes no distrito de Itaim Bibi, um dos mais ricos da cidade, com quatro agendas.
Em comparação aos eventos de pré-campanha, levantados pelo Estadão entre 7 de março e 6 de julho, Nunes e Boulos descentralizaram as agendas e partiram para localidades periféricas, consideradas essenciais para aumentar a capilaridade das campanhas.
Além de formar a camada mais numerosa da sociedade, a população de baixa renda – predominante nas periferias – também pode ser estratégica, porque há uma tendência de que os eleitores que fazem parte deste extrato estejam menos convictos sobre o campo ideológico que vão escolher votar.
Estudo obtido e publicado com exclusividade pelo Estadão mostrou haver uma migração conjunta das preferências do eleitorado no espectro ideológico entre eleições consecutivas em locais em que há concentração de famílias com renda de até meio salário mínimo per capita, em distritos da zona sul. Ou seja, são nesses territórios onde o jogo “está aberto”, tanto à direita quanto à esquerda.
‘Aperto de mão’ e política tradicional
As agendas de rua ganham contornos ainda mais importantes no pleito municipal porque o eleitor tem uma expectativa de proximidade em relação ao candidato que ganhará seu voto. “É diferente da eleição nacional em que ele não espera conhecer, ter apertado a mão, ter visto, ser próximo daquele em quem ele vai votar”, explicou a professora de Ciência Política e coordenadora do Laboratório de Eleições, Partidos e Política Comparada (Lappcom), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Mayra Goulart.
“A eleição municipal é aquela que ocorre na cidade. Então, o eleitor está preocupado se a pessoa em quem ele vai votar é capaz de cuidar do lugar onde ele anda, onde ele vive, do bairro, das ruas”, disse. Nesse sentido, a maior descentralização dos eventos é uma forma de os candidatos mostrarem que não vão governar para apenas uma região da cidade.
Na avaliação da professora, as eleições deste ano têm mostrado que aspectos da política tradicional permanecem fortes, citando como exemplo a comunicação de cada campanha. “Às vezes, temos a falsa impressão de que todo mundo recebe informação por meio de redes sociais, e essa eleição, assim como as outras, demonstram a importância do rádio e da TV para fazer chegar a informação nas pessoas que não têm esse hábito”, disse. Segundo ela, o ato de entregar um “santinho” na rua e fazer esse corpo a corpo também alcançam esse eleitor que não usa as redes como fonte de informação.
Sobre a presença menos expressiva de Marçal nas ruas, em comparação com os outros candidatos e com sua própria atuação constante nas redes, Mayra avalia que o ex-coach, além de não ter usado recurso disponível via Fundo Eleitoral – fato destacado por ele em diversos momentos da campanha –, também não tem um perfil que se conecta com o eleitor que se informa via métodos tradicionais.
“A expectativa de encontrar o cabo eleitoral entregando papelzinho e criar a imagem de que ele é um candidato forte, que está presente, faz parte da estratégia dessa militância”, segundo Mayra. “Marçal não está ligado a essa expectativa, do mesmo modo não está ligado a expectativa de gestor. Ele não parece ser alguém que vai ser o zelador da sua rua. E está muito mais conectado a questões de empreendedorismo, questões mais abstratas e ideológicas”, avaliou. / COLABORARAM BIANCA GOMES, HUGO HENUD, ZECA FERREIRA, PEDRO LIMA, JULIANO GALISI e ADRIANA VICTORINO