The Economist: Quão de esquerda Luiz Inácio Lula da Silva é na economia?


Uma entrevista sobre gastos públicos e crescimento com o candidato mais bem colocado na disputa presidencial brasileira

Por The Economist
Atualização:

Duas décadas atrás, quando Luiz Inácio Lula da Silva estava concorrendo à presidência, “parecia que um meteoro estava prestes a atingir o Brasil”, recorda-se o economista brasileiro Pérsio Arida. Os mercados “demonizavam” Lula, como é conhecido o ex-presidente de esquerda. A moeda, o real, perdera 35% de seu valor, e Lula teve de escrever uma carta ao povo brasileiro prometendo que, se eleito, não cometeria nenhuma irresponsabilidade. Depois que ele venceu, “o meteoro desapareceu”, afirma Arida. Lula foi prudente fiscalmente durante seu primeiro mandato de quatro anos, de 2003 a 2006. Depois de ser reeleito, o governo de seu Partido dos Trabalhadores (PT) usou uma explosão no valor das commodities para ajudar os pobres. Certas vezes as políticas de Lula foram ineficientes, e ele expandiu a burocracia brasileira. Mas Lula não foi nem irresponsável nem radical.

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Agora ele concorre novamente. Em 2 de outubro, Lula enfrenta Jair Bolsonaro, o presidente populista no cargo, no primeiro turno da eleição presidencial. Bolsonaro tenta ressuscitar temores antigos sobre Lula e muitos outros medos. O ex-presidente é um “capeta que quer impor o comunismo no nosso Brasil”, afirmou ele. A maioria dos brasileiros parece não se convencer disso. Lula lidera a disputa com 45% das intenções, contra 33% de Bolsonaro, segundo a mais recente pesquisa do instituto Datafolha. O real está estável. “Os empresários sabem como é o governo do PT (e o que esperar)”, afirma Lula a The Economist recitando suas realizações: crescimento médio de 4,5% ao ano durante seus dois mandatos; redução da dívida pública de aproximadamente o equivalente a 60% do PIB para 40%; diminuição da inflação de mais de 12%, em 2002, para menos de 6% em 2010; aumento no salário mínimo; e a retirada de 20 milhões de brasileiros da linha da pobreza.

Ainda assim, se Lula conquistar um terceiro mandato, sua função será muito mais difícil do que foi após ele assumir em 2003. A situação fiscal no Brasil piorou: a dívida pública equivale a 78% do PIB, e 93% do orçamento são consumidos em gastos obrigatórios, como salários e pensões. O panorama geral é inquietante. Apesar de preços altos de commodities terem ajudado a economia, a inflação castiga os pobres. As condições políticas também estão mais complicadas. O Congresso Nacional está mais avarento e coopera menos.

Lula à ‘The Economist’: ‘Empresários sabem o que esperar de um governo do PT’  Foto: Miguel SCHINCARIOL/AFP
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Lula gosta de lembrar os brasileiros como eles eram “felizes” quando ele assumiu a presidência pela primeira vez. Mas não reconhece que as atuais crises brasileiras começaram com sua protegida e sucessora, Dilma Rousseff, também do PT. Quando o ritmo do crescimento diminuiu, o governo dela tentou estimular a economia e escorar apoio político pegando emprestado para gastar mais. Isso ocasionou uma crise fiscal e a pior recessão na história do Brasil, entre 2014 e 2016.

Lula tem tentado convencer os mercados de que não empreenderá uma esbórnia de gastos descontrolados. Ele escolheu como vice Geraldo Alckmin, ex-governador de São Paulo, de centro-direita e amigável aos negócios. Lula criticou algumas políticas de Rousseff como manter os preços dos combustíveis artificialmente baixos e oferecer isenções de impostos equivalentes a mais de R$ 450 bilhões a empresas (o que correspondeu a 7,5% do PIB). Mas muitos economistas estão inquietos a respeito do retorno de um líder que acredita que o Estado deveria ser o motor do crescimento econômico. “Se o governo não estimula o desenvolvimento, se o governo não toma a iniciativa, se o governo não disponibiliza crédito, as coisas não acontecem”, afirma Lula.

Muitos brasileiros comuns estão frustrados pela recusa de Lula em aceitar responsabilidade sobre as políticas que levaram à recessão ou em se desculpar pelo papel do PT no escândalo de corrupção conhecido como Lava Jato. “O PT está cansado de pedir perdão”, afirma Lula, apesar de o partido jamais tê-lo feito. (Lula passou um ano e meio na prisão depois de ser considerado culpado por aceitar propinas, mas suas condenações foram posteriormente anuladas pelo Supremo Tribunal Federal. Lula se diz inocente e afirma que o “desvio” verdadeiro foi na conduta de promotores e juízes.

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Se Lula for eleito, sua prioridade será ajudar os 33 milhões de brasileiros que vivem com menos de R$ 289 por mês, o maior número desde 2012. Ele afirmou que pretende ampliar ajudas em dinheiro, expandir a rede de habitação social e introduzir um programa de perdão de dívidas. Ele qualifica isso como “colocar os pobres de volta no orçamento” e aposta que isso impulsionará o consumo e o crescimento. O FMI projeta que a economia brasileira crescerá 1,7% este ano em razão de gastos com auxílios durante o período de campanha eleitoral; mas deverá crescer apenas 0,7% em 2023. Em agosto, Bolsonaro enviou uma proposta de orçamento ao Congresso que não previu R$ 143 bilhões em gastos sociais prometidos, incluindo o atual auxílio de R$ 600 reais para 2,2 milhões de famílias pobres no Brasil e um prometido aumento de salários para o funcionalismo público, cujos ganhos estão congelados desde 2017.

Desde 2016, o orçamento brasileiro tem sido restringido por um teto de gastos constitucional que limita o aumento nos gastos ao índice de inflação. Mas recentemente o Congresso suspendeu o teto para financiar ajuda para mitigação da pandemia de covid-19 e auxílios para beneficiar a campanha de Bolsonaro. Como resultado, o teto perdeu seu poder de âncora fiscal. Até o governo favorável ao empresariado de Bolsonaro anunciou que, se reeleito, planeja substituí-lo por um regime fiscal “mais flexível”. Lula também pretende um novo ordenamento fiscal que permita mais empréstimos a curto prazo e ao mesmo tempo tranquilize os mercados garantindo que o coeficiente entre dívida e PIB diminuirá no médio prazo.

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'The Economist' chamou de 'desastrosa' a política econômica de Dilma Rousseff (PT), sucessora de Lula na Presidência. Foto: Ricardo Moraes/Reuters

Os conselheiros de Lula afirmam que também se movimentarão rapidamente no sentido de uma reforma que aumente impostos dos mais ricos ao mesmo tempo que simplifica o labirinto de taxações sobre o consumo, que prejudicam o crescimento. Tanto economistas do PT quanto os ortodoxos enfatizam a necessidade dessa manobra. Alguns petistas também buscam aumentar a arrecadação do governo taxando dividendos ou até fortunas; o que Lula não descarta. Outros economistas querem uma reforma fiscalmente neutra que pareie índices de imposto de renda mais altos sobre quem ganha mais com impostos mais baixos sobre folhas de pagamento para empresas, com objetivo de incentivar o emprego formal. De qualquer forma, isso parece improvável. Reformas tributárias escapam aos governos desde 1965, já que envolvem negociações difíceis com Estados e grupos de interesse.

A estratégia a longo prazo de Lula para o crescimento depende da expansão de grandes bancos públicos para financiamento de projetos de infraestrutura, com investimentos tanto públicos quanto privados. Lula e seus economistas citam com frequência a lei de infraestrutura do presidente americano, Joe Biden, como modelo. Mas ainda que o Brasil possa precisar de investimento, “a ideia de que o Estado sabe onde investir é um erro”, afirma o economista Bernard Appy, que deixou o governo Lula em 2009 conforme a gestão se tornou mais intervencionista. A questão crucial, afirma ele, é se Lula e sua equipe entendem que, para o Brasil crescer em ritmo mais acelerado, o país precisa de reformas para melhorar a qualidade do gasto público e o ambiente para os negócios, ou se pensam que apenas gastar mais será suficiente.

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O manifesto de campanha de Lula sugere a segunda hipótese. Além de uma clássica visão esquerdista da economia, o texto defende uma dose pesada de intervenção, descrevendo uma “política nacional de segurança alimentar”, taxa de câmbio enquanto “instrumento para reduzir a volatilidade” e a necessidade de “abrasileirar” os preços da gasolina. “O trabalhador (brasileiro) ganha em reais. Então por que você tem de dolarizar os preços da gasolina?”, afirma Lula. Em outras palavras, ele quer os preços nas bombas brasileiras divorciados dos preços mundiais. Ele sugere que isso poderia ser feito construindo mais refinarias; na prática, isso certamente requereria controles de preços e subsídios.

De acordo com Monica de Bolle, do Instituto Peterson para Economia Internacional, “esse programa é uma repetição de todos os programas do PT desde 1989 (…). O que vemos no papel e o que o presidente faz são duas coisas diferentes”. Ela e seus colegas compararam vários manifestos petistas com políticas aplicadas na prática e constataram que, quando está no poder, o PT tende a ser mais moderado do que suas propostas de campanha.

Lula deixou claro que seu governo não privatizará a Petrobras, a estatal de petróleo, nem o Banco do Brasil, o maior banco público. Mas também sugeriu que não reverterá a recente privatização da Eletrobras, a estatal de eletricidade, nem a reforma trabalhista que favorece as empresas aprovada em 2017. Meses atrás, Lula qualificou a reforma trabalhista como um produto da “mentalidade escravagista”; desde então, ele adotou um tom menos combativo e falou em “atualizar” a lei acrescentando proteções para trabalhadores temporários.

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Guilherme Mello, que coordena a equipe de política econômica do PT, afirma que os bancos públicos, em um terceiro mandato de Lula, seriam cuidadosos ao selecionar projetos para financiar. “A realidade agora não é de campeões nacionais”, afirma ele, referindo-se à desastrosa política de Rousseff de despejar crédito sobre umas poucas empresas na esperança de transformá-las em gigantes globais, enquanto a maioria das outras enfrentava dificuldades. Em vez disso, haverá um foco em crédito para pequenos negócios, incentivos para energia limpa e garantias mais fortes para investidores privados se protegerem de perdas ocasionadas por burocracia. Mello também quer que novas regras tributárias no Brasil incluam medidas para criar uma “cultura para avaliação de políticas públicas”.

Muito disso dependerá da equipe econômica de Lula. Ele afirma preferir um político em vez de um economista, possivelmente porque precisará convencer o Congresso a apoiar reformas e aliviar seu controle sobre o orçamento. Desde que Lula deixou a presidência, em 2010, as despesas discricionárias determinadas pelo presidente encolheram de 18% para 7% do orçamento, e grande parte disso vai para projetos apadrinhados por legisladores em seus próprios distritos.

No passado, o governo usava fundos próprios para pagar pelo apoio à agenda presidencial. Mas um novo tipo de emenda criado por Bolsonaro tornou essas transferências praticamente automáticas, cedendo poder de tomada de decisão para o presidente da Câmara dos Deputados, sob pouco escrutínio. Quem quer que vença a eleição “será prisioneiro desse sistema”, afirma Marcos Lisboa, do Insper, uma instituição de ensino de administração de empresas. Lula quer se livrar do governo Bolsonaro. Não será fácil convencer o Congresso.

Lula foi pragmático no passado e tenta parecer pragmático hoje. Discursando para a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, em agosto, ele falou da necessidade de uma “reindustrialização” lamentando a queda na produção do setor automobilístico e a dependência do Brasil em relação às exportações de commodities para a China. Ele propôs soluções modernas, como investimentos em tecnologia, inovação e transição energética.

Mas nem todos estão convencidos. Lula não fala muito em reduzir barreiras comerciais ou tornar o gasto público mais eficiente. Seu governo dificilmente conseguirá aprovar uma muito necessária reforma administrativa que vincularia os pagamentos dos funcionários públicos ao seu desempenho e eliminaria o gatilho que resulta em gastos maiores, automaticamente, em função do crescimento da inflação. Empresários estão preocupados. O bilionário Salo Davi Seibel, presente à fala de Lula em agosto, afirmou que o risco no Brasil não é de um meteoro, mas de um “voo de galinha”: uma economia que bate asas, decola e se estatela. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Duas décadas atrás, quando Luiz Inácio Lula da Silva estava concorrendo à presidência, “parecia que um meteoro estava prestes a atingir o Brasil”, recorda-se o economista brasileiro Pérsio Arida. Os mercados “demonizavam” Lula, como é conhecido o ex-presidente de esquerda. A moeda, o real, perdera 35% de seu valor, e Lula teve de escrever uma carta ao povo brasileiro prometendo que, se eleito, não cometeria nenhuma irresponsabilidade. Depois que ele venceu, “o meteoro desapareceu”, afirma Arida. Lula foi prudente fiscalmente durante seu primeiro mandato de quatro anos, de 2003 a 2006. Depois de ser reeleito, o governo de seu Partido dos Trabalhadores (PT) usou uma explosão no valor das commodities para ajudar os pobres. Certas vezes as políticas de Lula foram ineficientes, e ele expandiu a burocracia brasileira. Mas Lula não foi nem irresponsável nem radical.

Agora ele concorre novamente. Em 2 de outubro, Lula enfrenta Jair Bolsonaro, o presidente populista no cargo, no primeiro turno da eleição presidencial. Bolsonaro tenta ressuscitar temores antigos sobre Lula e muitos outros medos. O ex-presidente é um “capeta que quer impor o comunismo no nosso Brasil”, afirmou ele. A maioria dos brasileiros parece não se convencer disso. Lula lidera a disputa com 45% das intenções, contra 33% de Bolsonaro, segundo a mais recente pesquisa do instituto Datafolha. O real está estável. “Os empresários sabem como é o governo do PT (e o que esperar)”, afirma Lula a The Economist recitando suas realizações: crescimento médio de 4,5% ao ano durante seus dois mandatos; redução da dívida pública de aproximadamente o equivalente a 60% do PIB para 40%; diminuição da inflação de mais de 12%, em 2002, para menos de 6% em 2010; aumento no salário mínimo; e a retirada de 20 milhões de brasileiros da linha da pobreza.

Ainda assim, se Lula conquistar um terceiro mandato, sua função será muito mais difícil do que foi após ele assumir em 2003. A situação fiscal no Brasil piorou: a dívida pública equivale a 78% do PIB, e 93% do orçamento são consumidos em gastos obrigatórios, como salários e pensões. O panorama geral é inquietante. Apesar de preços altos de commodities terem ajudado a economia, a inflação castiga os pobres. As condições políticas também estão mais complicadas. O Congresso Nacional está mais avarento e coopera menos.

Lula à ‘The Economist’: ‘Empresários sabem o que esperar de um governo do PT’  Foto: Miguel SCHINCARIOL/AFP

Lula gosta de lembrar os brasileiros como eles eram “felizes” quando ele assumiu a presidência pela primeira vez. Mas não reconhece que as atuais crises brasileiras começaram com sua protegida e sucessora, Dilma Rousseff, também do PT. Quando o ritmo do crescimento diminuiu, o governo dela tentou estimular a economia e escorar apoio político pegando emprestado para gastar mais. Isso ocasionou uma crise fiscal e a pior recessão na história do Brasil, entre 2014 e 2016.

Lula tem tentado convencer os mercados de que não empreenderá uma esbórnia de gastos descontrolados. Ele escolheu como vice Geraldo Alckmin, ex-governador de São Paulo, de centro-direita e amigável aos negócios. Lula criticou algumas políticas de Rousseff como manter os preços dos combustíveis artificialmente baixos e oferecer isenções de impostos equivalentes a mais de R$ 450 bilhões a empresas (o que correspondeu a 7,5% do PIB). Mas muitos economistas estão inquietos a respeito do retorno de um líder que acredita que o Estado deveria ser o motor do crescimento econômico. “Se o governo não estimula o desenvolvimento, se o governo não toma a iniciativa, se o governo não disponibiliza crédito, as coisas não acontecem”, afirma Lula.

Muitos brasileiros comuns estão frustrados pela recusa de Lula em aceitar responsabilidade sobre as políticas que levaram à recessão ou em se desculpar pelo papel do PT no escândalo de corrupção conhecido como Lava Jato. “O PT está cansado de pedir perdão”, afirma Lula, apesar de o partido jamais tê-lo feito. (Lula passou um ano e meio na prisão depois de ser considerado culpado por aceitar propinas, mas suas condenações foram posteriormente anuladas pelo Supremo Tribunal Federal. Lula se diz inocente e afirma que o “desvio” verdadeiro foi na conduta de promotores e juízes.

Se Lula for eleito, sua prioridade será ajudar os 33 milhões de brasileiros que vivem com menos de R$ 289 por mês, o maior número desde 2012. Ele afirmou que pretende ampliar ajudas em dinheiro, expandir a rede de habitação social e introduzir um programa de perdão de dívidas. Ele qualifica isso como “colocar os pobres de volta no orçamento” e aposta que isso impulsionará o consumo e o crescimento. O FMI projeta que a economia brasileira crescerá 1,7% este ano em razão de gastos com auxílios durante o período de campanha eleitoral; mas deverá crescer apenas 0,7% em 2023. Em agosto, Bolsonaro enviou uma proposta de orçamento ao Congresso que não previu R$ 143 bilhões em gastos sociais prometidos, incluindo o atual auxílio de R$ 600 reais para 2,2 milhões de famílias pobres no Brasil e um prometido aumento de salários para o funcionalismo público, cujos ganhos estão congelados desde 2017.

Desde 2016, o orçamento brasileiro tem sido restringido por um teto de gastos constitucional que limita o aumento nos gastos ao índice de inflação. Mas recentemente o Congresso suspendeu o teto para financiar ajuda para mitigação da pandemia de covid-19 e auxílios para beneficiar a campanha de Bolsonaro. Como resultado, o teto perdeu seu poder de âncora fiscal. Até o governo favorável ao empresariado de Bolsonaro anunciou que, se reeleito, planeja substituí-lo por um regime fiscal “mais flexível”. Lula também pretende um novo ordenamento fiscal que permita mais empréstimos a curto prazo e ao mesmo tempo tranquilize os mercados garantindo que o coeficiente entre dívida e PIB diminuirá no médio prazo.

'The Economist' chamou de 'desastrosa' a política econômica de Dilma Rousseff (PT), sucessora de Lula na Presidência. Foto: Ricardo Moraes/Reuters

Os conselheiros de Lula afirmam que também se movimentarão rapidamente no sentido de uma reforma que aumente impostos dos mais ricos ao mesmo tempo que simplifica o labirinto de taxações sobre o consumo, que prejudicam o crescimento. Tanto economistas do PT quanto os ortodoxos enfatizam a necessidade dessa manobra. Alguns petistas também buscam aumentar a arrecadação do governo taxando dividendos ou até fortunas; o que Lula não descarta. Outros economistas querem uma reforma fiscalmente neutra que pareie índices de imposto de renda mais altos sobre quem ganha mais com impostos mais baixos sobre folhas de pagamento para empresas, com objetivo de incentivar o emprego formal. De qualquer forma, isso parece improvável. Reformas tributárias escapam aos governos desde 1965, já que envolvem negociações difíceis com Estados e grupos de interesse.

A estratégia a longo prazo de Lula para o crescimento depende da expansão de grandes bancos públicos para financiamento de projetos de infraestrutura, com investimentos tanto públicos quanto privados. Lula e seus economistas citam com frequência a lei de infraestrutura do presidente americano, Joe Biden, como modelo. Mas ainda que o Brasil possa precisar de investimento, “a ideia de que o Estado sabe onde investir é um erro”, afirma o economista Bernard Appy, que deixou o governo Lula em 2009 conforme a gestão se tornou mais intervencionista. A questão crucial, afirma ele, é se Lula e sua equipe entendem que, para o Brasil crescer em ritmo mais acelerado, o país precisa de reformas para melhorar a qualidade do gasto público e o ambiente para os negócios, ou se pensam que apenas gastar mais será suficiente.

O manifesto de campanha de Lula sugere a segunda hipótese. Além de uma clássica visão esquerdista da economia, o texto defende uma dose pesada de intervenção, descrevendo uma “política nacional de segurança alimentar”, taxa de câmbio enquanto “instrumento para reduzir a volatilidade” e a necessidade de “abrasileirar” os preços da gasolina. “O trabalhador (brasileiro) ganha em reais. Então por que você tem de dolarizar os preços da gasolina?”, afirma Lula. Em outras palavras, ele quer os preços nas bombas brasileiras divorciados dos preços mundiais. Ele sugere que isso poderia ser feito construindo mais refinarias; na prática, isso certamente requereria controles de preços e subsídios.

De acordo com Monica de Bolle, do Instituto Peterson para Economia Internacional, “esse programa é uma repetição de todos os programas do PT desde 1989 (…). O que vemos no papel e o que o presidente faz são duas coisas diferentes”. Ela e seus colegas compararam vários manifestos petistas com políticas aplicadas na prática e constataram que, quando está no poder, o PT tende a ser mais moderado do que suas propostas de campanha.

Lula deixou claro que seu governo não privatizará a Petrobras, a estatal de petróleo, nem o Banco do Brasil, o maior banco público. Mas também sugeriu que não reverterá a recente privatização da Eletrobras, a estatal de eletricidade, nem a reforma trabalhista que favorece as empresas aprovada em 2017. Meses atrás, Lula qualificou a reforma trabalhista como um produto da “mentalidade escravagista”; desde então, ele adotou um tom menos combativo e falou em “atualizar” a lei acrescentando proteções para trabalhadores temporários.

Guilherme Mello, que coordena a equipe de política econômica do PT, afirma que os bancos públicos, em um terceiro mandato de Lula, seriam cuidadosos ao selecionar projetos para financiar. “A realidade agora não é de campeões nacionais”, afirma ele, referindo-se à desastrosa política de Rousseff de despejar crédito sobre umas poucas empresas na esperança de transformá-las em gigantes globais, enquanto a maioria das outras enfrentava dificuldades. Em vez disso, haverá um foco em crédito para pequenos negócios, incentivos para energia limpa e garantias mais fortes para investidores privados se protegerem de perdas ocasionadas por burocracia. Mello também quer que novas regras tributárias no Brasil incluam medidas para criar uma “cultura para avaliação de políticas públicas”.

Muito disso dependerá da equipe econômica de Lula. Ele afirma preferir um político em vez de um economista, possivelmente porque precisará convencer o Congresso a apoiar reformas e aliviar seu controle sobre o orçamento. Desde que Lula deixou a presidência, em 2010, as despesas discricionárias determinadas pelo presidente encolheram de 18% para 7% do orçamento, e grande parte disso vai para projetos apadrinhados por legisladores em seus próprios distritos.

No passado, o governo usava fundos próprios para pagar pelo apoio à agenda presidencial. Mas um novo tipo de emenda criado por Bolsonaro tornou essas transferências praticamente automáticas, cedendo poder de tomada de decisão para o presidente da Câmara dos Deputados, sob pouco escrutínio. Quem quer que vença a eleição “será prisioneiro desse sistema”, afirma Marcos Lisboa, do Insper, uma instituição de ensino de administração de empresas. Lula quer se livrar do governo Bolsonaro. Não será fácil convencer o Congresso.

Lula foi pragmático no passado e tenta parecer pragmático hoje. Discursando para a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, em agosto, ele falou da necessidade de uma “reindustrialização” lamentando a queda na produção do setor automobilístico e a dependência do Brasil em relação às exportações de commodities para a China. Ele propôs soluções modernas, como investimentos em tecnologia, inovação e transição energética.

Mas nem todos estão convencidos. Lula não fala muito em reduzir barreiras comerciais ou tornar o gasto público mais eficiente. Seu governo dificilmente conseguirá aprovar uma muito necessária reforma administrativa que vincularia os pagamentos dos funcionários públicos ao seu desempenho e eliminaria o gatilho que resulta em gastos maiores, automaticamente, em função do crescimento da inflação. Empresários estão preocupados. O bilionário Salo Davi Seibel, presente à fala de Lula em agosto, afirmou que o risco no Brasil não é de um meteoro, mas de um “voo de galinha”: uma economia que bate asas, decola e se estatela. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Duas décadas atrás, quando Luiz Inácio Lula da Silva estava concorrendo à presidência, “parecia que um meteoro estava prestes a atingir o Brasil”, recorda-se o economista brasileiro Pérsio Arida. Os mercados “demonizavam” Lula, como é conhecido o ex-presidente de esquerda. A moeda, o real, perdera 35% de seu valor, e Lula teve de escrever uma carta ao povo brasileiro prometendo que, se eleito, não cometeria nenhuma irresponsabilidade. Depois que ele venceu, “o meteoro desapareceu”, afirma Arida. Lula foi prudente fiscalmente durante seu primeiro mandato de quatro anos, de 2003 a 2006. Depois de ser reeleito, o governo de seu Partido dos Trabalhadores (PT) usou uma explosão no valor das commodities para ajudar os pobres. Certas vezes as políticas de Lula foram ineficientes, e ele expandiu a burocracia brasileira. Mas Lula não foi nem irresponsável nem radical.

Agora ele concorre novamente. Em 2 de outubro, Lula enfrenta Jair Bolsonaro, o presidente populista no cargo, no primeiro turno da eleição presidencial. Bolsonaro tenta ressuscitar temores antigos sobre Lula e muitos outros medos. O ex-presidente é um “capeta que quer impor o comunismo no nosso Brasil”, afirmou ele. A maioria dos brasileiros parece não se convencer disso. Lula lidera a disputa com 45% das intenções, contra 33% de Bolsonaro, segundo a mais recente pesquisa do instituto Datafolha. O real está estável. “Os empresários sabem como é o governo do PT (e o que esperar)”, afirma Lula a The Economist recitando suas realizações: crescimento médio de 4,5% ao ano durante seus dois mandatos; redução da dívida pública de aproximadamente o equivalente a 60% do PIB para 40%; diminuição da inflação de mais de 12%, em 2002, para menos de 6% em 2010; aumento no salário mínimo; e a retirada de 20 milhões de brasileiros da linha da pobreza.

Ainda assim, se Lula conquistar um terceiro mandato, sua função será muito mais difícil do que foi após ele assumir em 2003. A situação fiscal no Brasil piorou: a dívida pública equivale a 78% do PIB, e 93% do orçamento são consumidos em gastos obrigatórios, como salários e pensões. O panorama geral é inquietante. Apesar de preços altos de commodities terem ajudado a economia, a inflação castiga os pobres. As condições políticas também estão mais complicadas. O Congresso Nacional está mais avarento e coopera menos.

Lula à ‘The Economist’: ‘Empresários sabem o que esperar de um governo do PT’  Foto: Miguel SCHINCARIOL/AFP

Lula gosta de lembrar os brasileiros como eles eram “felizes” quando ele assumiu a presidência pela primeira vez. Mas não reconhece que as atuais crises brasileiras começaram com sua protegida e sucessora, Dilma Rousseff, também do PT. Quando o ritmo do crescimento diminuiu, o governo dela tentou estimular a economia e escorar apoio político pegando emprestado para gastar mais. Isso ocasionou uma crise fiscal e a pior recessão na história do Brasil, entre 2014 e 2016.

Lula tem tentado convencer os mercados de que não empreenderá uma esbórnia de gastos descontrolados. Ele escolheu como vice Geraldo Alckmin, ex-governador de São Paulo, de centro-direita e amigável aos negócios. Lula criticou algumas políticas de Rousseff como manter os preços dos combustíveis artificialmente baixos e oferecer isenções de impostos equivalentes a mais de R$ 450 bilhões a empresas (o que correspondeu a 7,5% do PIB). Mas muitos economistas estão inquietos a respeito do retorno de um líder que acredita que o Estado deveria ser o motor do crescimento econômico. “Se o governo não estimula o desenvolvimento, se o governo não toma a iniciativa, se o governo não disponibiliza crédito, as coisas não acontecem”, afirma Lula.

Muitos brasileiros comuns estão frustrados pela recusa de Lula em aceitar responsabilidade sobre as políticas que levaram à recessão ou em se desculpar pelo papel do PT no escândalo de corrupção conhecido como Lava Jato. “O PT está cansado de pedir perdão”, afirma Lula, apesar de o partido jamais tê-lo feito. (Lula passou um ano e meio na prisão depois de ser considerado culpado por aceitar propinas, mas suas condenações foram posteriormente anuladas pelo Supremo Tribunal Federal. Lula se diz inocente e afirma que o “desvio” verdadeiro foi na conduta de promotores e juízes.

Se Lula for eleito, sua prioridade será ajudar os 33 milhões de brasileiros que vivem com menos de R$ 289 por mês, o maior número desde 2012. Ele afirmou que pretende ampliar ajudas em dinheiro, expandir a rede de habitação social e introduzir um programa de perdão de dívidas. Ele qualifica isso como “colocar os pobres de volta no orçamento” e aposta que isso impulsionará o consumo e o crescimento. O FMI projeta que a economia brasileira crescerá 1,7% este ano em razão de gastos com auxílios durante o período de campanha eleitoral; mas deverá crescer apenas 0,7% em 2023. Em agosto, Bolsonaro enviou uma proposta de orçamento ao Congresso que não previu R$ 143 bilhões em gastos sociais prometidos, incluindo o atual auxílio de R$ 600 reais para 2,2 milhões de famílias pobres no Brasil e um prometido aumento de salários para o funcionalismo público, cujos ganhos estão congelados desde 2017.

Desde 2016, o orçamento brasileiro tem sido restringido por um teto de gastos constitucional que limita o aumento nos gastos ao índice de inflação. Mas recentemente o Congresso suspendeu o teto para financiar ajuda para mitigação da pandemia de covid-19 e auxílios para beneficiar a campanha de Bolsonaro. Como resultado, o teto perdeu seu poder de âncora fiscal. Até o governo favorável ao empresariado de Bolsonaro anunciou que, se reeleito, planeja substituí-lo por um regime fiscal “mais flexível”. Lula também pretende um novo ordenamento fiscal que permita mais empréstimos a curto prazo e ao mesmo tempo tranquilize os mercados garantindo que o coeficiente entre dívida e PIB diminuirá no médio prazo.

'The Economist' chamou de 'desastrosa' a política econômica de Dilma Rousseff (PT), sucessora de Lula na Presidência. Foto: Ricardo Moraes/Reuters

Os conselheiros de Lula afirmam que também se movimentarão rapidamente no sentido de uma reforma que aumente impostos dos mais ricos ao mesmo tempo que simplifica o labirinto de taxações sobre o consumo, que prejudicam o crescimento. Tanto economistas do PT quanto os ortodoxos enfatizam a necessidade dessa manobra. Alguns petistas também buscam aumentar a arrecadação do governo taxando dividendos ou até fortunas; o que Lula não descarta. Outros economistas querem uma reforma fiscalmente neutra que pareie índices de imposto de renda mais altos sobre quem ganha mais com impostos mais baixos sobre folhas de pagamento para empresas, com objetivo de incentivar o emprego formal. De qualquer forma, isso parece improvável. Reformas tributárias escapam aos governos desde 1965, já que envolvem negociações difíceis com Estados e grupos de interesse.

A estratégia a longo prazo de Lula para o crescimento depende da expansão de grandes bancos públicos para financiamento de projetos de infraestrutura, com investimentos tanto públicos quanto privados. Lula e seus economistas citam com frequência a lei de infraestrutura do presidente americano, Joe Biden, como modelo. Mas ainda que o Brasil possa precisar de investimento, “a ideia de que o Estado sabe onde investir é um erro”, afirma o economista Bernard Appy, que deixou o governo Lula em 2009 conforme a gestão se tornou mais intervencionista. A questão crucial, afirma ele, é se Lula e sua equipe entendem que, para o Brasil crescer em ritmo mais acelerado, o país precisa de reformas para melhorar a qualidade do gasto público e o ambiente para os negócios, ou se pensam que apenas gastar mais será suficiente.

O manifesto de campanha de Lula sugere a segunda hipótese. Além de uma clássica visão esquerdista da economia, o texto defende uma dose pesada de intervenção, descrevendo uma “política nacional de segurança alimentar”, taxa de câmbio enquanto “instrumento para reduzir a volatilidade” e a necessidade de “abrasileirar” os preços da gasolina. “O trabalhador (brasileiro) ganha em reais. Então por que você tem de dolarizar os preços da gasolina?”, afirma Lula. Em outras palavras, ele quer os preços nas bombas brasileiras divorciados dos preços mundiais. Ele sugere que isso poderia ser feito construindo mais refinarias; na prática, isso certamente requereria controles de preços e subsídios.

De acordo com Monica de Bolle, do Instituto Peterson para Economia Internacional, “esse programa é uma repetição de todos os programas do PT desde 1989 (…). O que vemos no papel e o que o presidente faz são duas coisas diferentes”. Ela e seus colegas compararam vários manifestos petistas com políticas aplicadas na prática e constataram que, quando está no poder, o PT tende a ser mais moderado do que suas propostas de campanha.

Lula deixou claro que seu governo não privatizará a Petrobras, a estatal de petróleo, nem o Banco do Brasil, o maior banco público. Mas também sugeriu que não reverterá a recente privatização da Eletrobras, a estatal de eletricidade, nem a reforma trabalhista que favorece as empresas aprovada em 2017. Meses atrás, Lula qualificou a reforma trabalhista como um produto da “mentalidade escravagista”; desde então, ele adotou um tom menos combativo e falou em “atualizar” a lei acrescentando proteções para trabalhadores temporários.

Guilherme Mello, que coordena a equipe de política econômica do PT, afirma que os bancos públicos, em um terceiro mandato de Lula, seriam cuidadosos ao selecionar projetos para financiar. “A realidade agora não é de campeões nacionais”, afirma ele, referindo-se à desastrosa política de Rousseff de despejar crédito sobre umas poucas empresas na esperança de transformá-las em gigantes globais, enquanto a maioria das outras enfrentava dificuldades. Em vez disso, haverá um foco em crédito para pequenos negócios, incentivos para energia limpa e garantias mais fortes para investidores privados se protegerem de perdas ocasionadas por burocracia. Mello também quer que novas regras tributárias no Brasil incluam medidas para criar uma “cultura para avaliação de políticas públicas”.

Muito disso dependerá da equipe econômica de Lula. Ele afirma preferir um político em vez de um economista, possivelmente porque precisará convencer o Congresso a apoiar reformas e aliviar seu controle sobre o orçamento. Desde que Lula deixou a presidência, em 2010, as despesas discricionárias determinadas pelo presidente encolheram de 18% para 7% do orçamento, e grande parte disso vai para projetos apadrinhados por legisladores em seus próprios distritos.

No passado, o governo usava fundos próprios para pagar pelo apoio à agenda presidencial. Mas um novo tipo de emenda criado por Bolsonaro tornou essas transferências praticamente automáticas, cedendo poder de tomada de decisão para o presidente da Câmara dos Deputados, sob pouco escrutínio. Quem quer que vença a eleição “será prisioneiro desse sistema”, afirma Marcos Lisboa, do Insper, uma instituição de ensino de administração de empresas. Lula quer se livrar do governo Bolsonaro. Não será fácil convencer o Congresso.

Lula foi pragmático no passado e tenta parecer pragmático hoje. Discursando para a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, em agosto, ele falou da necessidade de uma “reindustrialização” lamentando a queda na produção do setor automobilístico e a dependência do Brasil em relação às exportações de commodities para a China. Ele propôs soluções modernas, como investimentos em tecnologia, inovação e transição energética.

Mas nem todos estão convencidos. Lula não fala muito em reduzir barreiras comerciais ou tornar o gasto público mais eficiente. Seu governo dificilmente conseguirá aprovar uma muito necessária reforma administrativa que vincularia os pagamentos dos funcionários públicos ao seu desempenho e eliminaria o gatilho que resulta em gastos maiores, automaticamente, em função do crescimento da inflação. Empresários estão preocupados. O bilionário Salo Davi Seibel, presente à fala de Lula em agosto, afirmou que o risco no Brasil não é de um meteoro, mas de um “voo de galinha”: uma economia que bate asas, decola e se estatela. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Duas décadas atrás, quando Luiz Inácio Lula da Silva estava concorrendo à presidência, “parecia que um meteoro estava prestes a atingir o Brasil”, recorda-se o economista brasileiro Pérsio Arida. Os mercados “demonizavam” Lula, como é conhecido o ex-presidente de esquerda. A moeda, o real, perdera 35% de seu valor, e Lula teve de escrever uma carta ao povo brasileiro prometendo que, se eleito, não cometeria nenhuma irresponsabilidade. Depois que ele venceu, “o meteoro desapareceu”, afirma Arida. Lula foi prudente fiscalmente durante seu primeiro mandato de quatro anos, de 2003 a 2006. Depois de ser reeleito, o governo de seu Partido dos Trabalhadores (PT) usou uma explosão no valor das commodities para ajudar os pobres. Certas vezes as políticas de Lula foram ineficientes, e ele expandiu a burocracia brasileira. Mas Lula não foi nem irresponsável nem radical.

Agora ele concorre novamente. Em 2 de outubro, Lula enfrenta Jair Bolsonaro, o presidente populista no cargo, no primeiro turno da eleição presidencial. Bolsonaro tenta ressuscitar temores antigos sobre Lula e muitos outros medos. O ex-presidente é um “capeta que quer impor o comunismo no nosso Brasil”, afirmou ele. A maioria dos brasileiros parece não se convencer disso. Lula lidera a disputa com 45% das intenções, contra 33% de Bolsonaro, segundo a mais recente pesquisa do instituto Datafolha. O real está estável. “Os empresários sabem como é o governo do PT (e o que esperar)”, afirma Lula a The Economist recitando suas realizações: crescimento médio de 4,5% ao ano durante seus dois mandatos; redução da dívida pública de aproximadamente o equivalente a 60% do PIB para 40%; diminuição da inflação de mais de 12%, em 2002, para menos de 6% em 2010; aumento no salário mínimo; e a retirada de 20 milhões de brasileiros da linha da pobreza.

Ainda assim, se Lula conquistar um terceiro mandato, sua função será muito mais difícil do que foi após ele assumir em 2003. A situação fiscal no Brasil piorou: a dívida pública equivale a 78% do PIB, e 93% do orçamento são consumidos em gastos obrigatórios, como salários e pensões. O panorama geral é inquietante. Apesar de preços altos de commodities terem ajudado a economia, a inflação castiga os pobres. As condições políticas também estão mais complicadas. O Congresso Nacional está mais avarento e coopera menos.

Lula à ‘The Economist’: ‘Empresários sabem o que esperar de um governo do PT’  Foto: Miguel SCHINCARIOL/AFP

Lula gosta de lembrar os brasileiros como eles eram “felizes” quando ele assumiu a presidência pela primeira vez. Mas não reconhece que as atuais crises brasileiras começaram com sua protegida e sucessora, Dilma Rousseff, também do PT. Quando o ritmo do crescimento diminuiu, o governo dela tentou estimular a economia e escorar apoio político pegando emprestado para gastar mais. Isso ocasionou uma crise fiscal e a pior recessão na história do Brasil, entre 2014 e 2016.

Lula tem tentado convencer os mercados de que não empreenderá uma esbórnia de gastos descontrolados. Ele escolheu como vice Geraldo Alckmin, ex-governador de São Paulo, de centro-direita e amigável aos negócios. Lula criticou algumas políticas de Rousseff como manter os preços dos combustíveis artificialmente baixos e oferecer isenções de impostos equivalentes a mais de R$ 450 bilhões a empresas (o que correspondeu a 7,5% do PIB). Mas muitos economistas estão inquietos a respeito do retorno de um líder que acredita que o Estado deveria ser o motor do crescimento econômico. “Se o governo não estimula o desenvolvimento, se o governo não toma a iniciativa, se o governo não disponibiliza crédito, as coisas não acontecem”, afirma Lula.

Muitos brasileiros comuns estão frustrados pela recusa de Lula em aceitar responsabilidade sobre as políticas que levaram à recessão ou em se desculpar pelo papel do PT no escândalo de corrupção conhecido como Lava Jato. “O PT está cansado de pedir perdão”, afirma Lula, apesar de o partido jamais tê-lo feito. (Lula passou um ano e meio na prisão depois de ser considerado culpado por aceitar propinas, mas suas condenações foram posteriormente anuladas pelo Supremo Tribunal Federal. Lula se diz inocente e afirma que o “desvio” verdadeiro foi na conduta de promotores e juízes.

Se Lula for eleito, sua prioridade será ajudar os 33 milhões de brasileiros que vivem com menos de R$ 289 por mês, o maior número desde 2012. Ele afirmou que pretende ampliar ajudas em dinheiro, expandir a rede de habitação social e introduzir um programa de perdão de dívidas. Ele qualifica isso como “colocar os pobres de volta no orçamento” e aposta que isso impulsionará o consumo e o crescimento. O FMI projeta que a economia brasileira crescerá 1,7% este ano em razão de gastos com auxílios durante o período de campanha eleitoral; mas deverá crescer apenas 0,7% em 2023. Em agosto, Bolsonaro enviou uma proposta de orçamento ao Congresso que não previu R$ 143 bilhões em gastos sociais prometidos, incluindo o atual auxílio de R$ 600 reais para 2,2 milhões de famílias pobres no Brasil e um prometido aumento de salários para o funcionalismo público, cujos ganhos estão congelados desde 2017.

Desde 2016, o orçamento brasileiro tem sido restringido por um teto de gastos constitucional que limita o aumento nos gastos ao índice de inflação. Mas recentemente o Congresso suspendeu o teto para financiar ajuda para mitigação da pandemia de covid-19 e auxílios para beneficiar a campanha de Bolsonaro. Como resultado, o teto perdeu seu poder de âncora fiscal. Até o governo favorável ao empresariado de Bolsonaro anunciou que, se reeleito, planeja substituí-lo por um regime fiscal “mais flexível”. Lula também pretende um novo ordenamento fiscal que permita mais empréstimos a curto prazo e ao mesmo tempo tranquilize os mercados garantindo que o coeficiente entre dívida e PIB diminuirá no médio prazo.

'The Economist' chamou de 'desastrosa' a política econômica de Dilma Rousseff (PT), sucessora de Lula na Presidência. Foto: Ricardo Moraes/Reuters

Os conselheiros de Lula afirmam que também se movimentarão rapidamente no sentido de uma reforma que aumente impostos dos mais ricos ao mesmo tempo que simplifica o labirinto de taxações sobre o consumo, que prejudicam o crescimento. Tanto economistas do PT quanto os ortodoxos enfatizam a necessidade dessa manobra. Alguns petistas também buscam aumentar a arrecadação do governo taxando dividendos ou até fortunas; o que Lula não descarta. Outros economistas querem uma reforma fiscalmente neutra que pareie índices de imposto de renda mais altos sobre quem ganha mais com impostos mais baixos sobre folhas de pagamento para empresas, com objetivo de incentivar o emprego formal. De qualquer forma, isso parece improvável. Reformas tributárias escapam aos governos desde 1965, já que envolvem negociações difíceis com Estados e grupos de interesse.

A estratégia a longo prazo de Lula para o crescimento depende da expansão de grandes bancos públicos para financiamento de projetos de infraestrutura, com investimentos tanto públicos quanto privados. Lula e seus economistas citam com frequência a lei de infraestrutura do presidente americano, Joe Biden, como modelo. Mas ainda que o Brasil possa precisar de investimento, “a ideia de que o Estado sabe onde investir é um erro”, afirma o economista Bernard Appy, que deixou o governo Lula em 2009 conforme a gestão se tornou mais intervencionista. A questão crucial, afirma ele, é se Lula e sua equipe entendem que, para o Brasil crescer em ritmo mais acelerado, o país precisa de reformas para melhorar a qualidade do gasto público e o ambiente para os negócios, ou se pensam que apenas gastar mais será suficiente.

O manifesto de campanha de Lula sugere a segunda hipótese. Além de uma clássica visão esquerdista da economia, o texto defende uma dose pesada de intervenção, descrevendo uma “política nacional de segurança alimentar”, taxa de câmbio enquanto “instrumento para reduzir a volatilidade” e a necessidade de “abrasileirar” os preços da gasolina. “O trabalhador (brasileiro) ganha em reais. Então por que você tem de dolarizar os preços da gasolina?”, afirma Lula. Em outras palavras, ele quer os preços nas bombas brasileiras divorciados dos preços mundiais. Ele sugere que isso poderia ser feito construindo mais refinarias; na prática, isso certamente requereria controles de preços e subsídios.

De acordo com Monica de Bolle, do Instituto Peterson para Economia Internacional, “esse programa é uma repetição de todos os programas do PT desde 1989 (…). O que vemos no papel e o que o presidente faz são duas coisas diferentes”. Ela e seus colegas compararam vários manifestos petistas com políticas aplicadas na prática e constataram que, quando está no poder, o PT tende a ser mais moderado do que suas propostas de campanha.

Lula deixou claro que seu governo não privatizará a Petrobras, a estatal de petróleo, nem o Banco do Brasil, o maior banco público. Mas também sugeriu que não reverterá a recente privatização da Eletrobras, a estatal de eletricidade, nem a reforma trabalhista que favorece as empresas aprovada em 2017. Meses atrás, Lula qualificou a reforma trabalhista como um produto da “mentalidade escravagista”; desde então, ele adotou um tom menos combativo e falou em “atualizar” a lei acrescentando proteções para trabalhadores temporários.

Guilherme Mello, que coordena a equipe de política econômica do PT, afirma que os bancos públicos, em um terceiro mandato de Lula, seriam cuidadosos ao selecionar projetos para financiar. “A realidade agora não é de campeões nacionais”, afirma ele, referindo-se à desastrosa política de Rousseff de despejar crédito sobre umas poucas empresas na esperança de transformá-las em gigantes globais, enquanto a maioria das outras enfrentava dificuldades. Em vez disso, haverá um foco em crédito para pequenos negócios, incentivos para energia limpa e garantias mais fortes para investidores privados se protegerem de perdas ocasionadas por burocracia. Mello também quer que novas regras tributárias no Brasil incluam medidas para criar uma “cultura para avaliação de políticas públicas”.

Muito disso dependerá da equipe econômica de Lula. Ele afirma preferir um político em vez de um economista, possivelmente porque precisará convencer o Congresso a apoiar reformas e aliviar seu controle sobre o orçamento. Desde que Lula deixou a presidência, em 2010, as despesas discricionárias determinadas pelo presidente encolheram de 18% para 7% do orçamento, e grande parte disso vai para projetos apadrinhados por legisladores em seus próprios distritos.

No passado, o governo usava fundos próprios para pagar pelo apoio à agenda presidencial. Mas um novo tipo de emenda criado por Bolsonaro tornou essas transferências praticamente automáticas, cedendo poder de tomada de decisão para o presidente da Câmara dos Deputados, sob pouco escrutínio. Quem quer que vença a eleição “será prisioneiro desse sistema”, afirma Marcos Lisboa, do Insper, uma instituição de ensino de administração de empresas. Lula quer se livrar do governo Bolsonaro. Não será fácil convencer o Congresso.

Lula foi pragmático no passado e tenta parecer pragmático hoje. Discursando para a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, em agosto, ele falou da necessidade de uma “reindustrialização” lamentando a queda na produção do setor automobilístico e a dependência do Brasil em relação às exportações de commodities para a China. Ele propôs soluções modernas, como investimentos em tecnologia, inovação e transição energética.

Mas nem todos estão convencidos. Lula não fala muito em reduzir barreiras comerciais ou tornar o gasto público mais eficiente. Seu governo dificilmente conseguirá aprovar uma muito necessária reforma administrativa que vincularia os pagamentos dos funcionários públicos ao seu desempenho e eliminaria o gatilho que resulta em gastos maiores, automaticamente, em função do crescimento da inflação. Empresários estão preocupados. O bilionário Salo Davi Seibel, presente à fala de Lula em agosto, afirmou que o risco no Brasil não é de um meteoro, mas de um “voo de galinha”: uma economia que bate asas, decola e se estatela. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

Duas décadas atrás, quando Luiz Inácio Lula da Silva estava concorrendo à presidência, “parecia que um meteoro estava prestes a atingir o Brasil”, recorda-se o economista brasileiro Pérsio Arida. Os mercados “demonizavam” Lula, como é conhecido o ex-presidente de esquerda. A moeda, o real, perdera 35% de seu valor, e Lula teve de escrever uma carta ao povo brasileiro prometendo que, se eleito, não cometeria nenhuma irresponsabilidade. Depois que ele venceu, “o meteoro desapareceu”, afirma Arida. Lula foi prudente fiscalmente durante seu primeiro mandato de quatro anos, de 2003 a 2006. Depois de ser reeleito, o governo de seu Partido dos Trabalhadores (PT) usou uma explosão no valor das commodities para ajudar os pobres. Certas vezes as políticas de Lula foram ineficientes, e ele expandiu a burocracia brasileira. Mas Lula não foi nem irresponsável nem radical.

Agora ele concorre novamente. Em 2 de outubro, Lula enfrenta Jair Bolsonaro, o presidente populista no cargo, no primeiro turno da eleição presidencial. Bolsonaro tenta ressuscitar temores antigos sobre Lula e muitos outros medos. O ex-presidente é um “capeta que quer impor o comunismo no nosso Brasil”, afirmou ele. A maioria dos brasileiros parece não se convencer disso. Lula lidera a disputa com 45% das intenções, contra 33% de Bolsonaro, segundo a mais recente pesquisa do instituto Datafolha. O real está estável. “Os empresários sabem como é o governo do PT (e o que esperar)”, afirma Lula a The Economist recitando suas realizações: crescimento médio de 4,5% ao ano durante seus dois mandatos; redução da dívida pública de aproximadamente o equivalente a 60% do PIB para 40%; diminuição da inflação de mais de 12%, em 2002, para menos de 6% em 2010; aumento no salário mínimo; e a retirada de 20 milhões de brasileiros da linha da pobreza.

Ainda assim, se Lula conquistar um terceiro mandato, sua função será muito mais difícil do que foi após ele assumir em 2003. A situação fiscal no Brasil piorou: a dívida pública equivale a 78% do PIB, e 93% do orçamento são consumidos em gastos obrigatórios, como salários e pensões. O panorama geral é inquietante. Apesar de preços altos de commodities terem ajudado a economia, a inflação castiga os pobres. As condições políticas também estão mais complicadas. O Congresso Nacional está mais avarento e coopera menos.

Lula à ‘The Economist’: ‘Empresários sabem o que esperar de um governo do PT’  Foto: Miguel SCHINCARIOL/AFP

Lula gosta de lembrar os brasileiros como eles eram “felizes” quando ele assumiu a presidência pela primeira vez. Mas não reconhece que as atuais crises brasileiras começaram com sua protegida e sucessora, Dilma Rousseff, também do PT. Quando o ritmo do crescimento diminuiu, o governo dela tentou estimular a economia e escorar apoio político pegando emprestado para gastar mais. Isso ocasionou uma crise fiscal e a pior recessão na história do Brasil, entre 2014 e 2016.

Lula tem tentado convencer os mercados de que não empreenderá uma esbórnia de gastos descontrolados. Ele escolheu como vice Geraldo Alckmin, ex-governador de São Paulo, de centro-direita e amigável aos negócios. Lula criticou algumas políticas de Rousseff como manter os preços dos combustíveis artificialmente baixos e oferecer isenções de impostos equivalentes a mais de R$ 450 bilhões a empresas (o que correspondeu a 7,5% do PIB). Mas muitos economistas estão inquietos a respeito do retorno de um líder que acredita que o Estado deveria ser o motor do crescimento econômico. “Se o governo não estimula o desenvolvimento, se o governo não toma a iniciativa, se o governo não disponibiliza crédito, as coisas não acontecem”, afirma Lula.

Muitos brasileiros comuns estão frustrados pela recusa de Lula em aceitar responsabilidade sobre as políticas que levaram à recessão ou em se desculpar pelo papel do PT no escândalo de corrupção conhecido como Lava Jato. “O PT está cansado de pedir perdão”, afirma Lula, apesar de o partido jamais tê-lo feito. (Lula passou um ano e meio na prisão depois de ser considerado culpado por aceitar propinas, mas suas condenações foram posteriormente anuladas pelo Supremo Tribunal Federal. Lula se diz inocente e afirma que o “desvio” verdadeiro foi na conduta de promotores e juízes.

Se Lula for eleito, sua prioridade será ajudar os 33 milhões de brasileiros que vivem com menos de R$ 289 por mês, o maior número desde 2012. Ele afirmou que pretende ampliar ajudas em dinheiro, expandir a rede de habitação social e introduzir um programa de perdão de dívidas. Ele qualifica isso como “colocar os pobres de volta no orçamento” e aposta que isso impulsionará o consumo e o crescimento. O FMI projeta que a economia brasileira crescerá 1,7% este ano em razão de gastos com auxílios durante o período de campanha eleitoral; mas deverá crescer apenas 0,7% em 2023. Em agosto, Bolsonaro enviou uma proposta de orçamento ao Congresso que não previu R$ 143 bilhões em gastos sociais prometidos, incluindo o atual auxílio de R$ 600 reais para 2,2 milhões de famílias pobres no Brasil e um prometido aumento de salários para o funcionalismo público, cujos ganhos estão congelados desde 2017.

Desde 2016, o orçamento brasileiro tem sido restringido por um teto de gastos constitucional que limita o aumento nos gastos ao índice de inflação. Mas recentemente o Congresso suspendeu o teto para financiar ajuda para mitigação da pandemia de covid-19 e auxílios para beneficiar a campanha de Bolsonaro. Como resultado, o teto perdeu seu poder de âncora fiscal. Até o governo favorável ao empresariado de Bolsonaro anunciou que, se reeleito, planeja substituí-lo por um regime fiscal “mais flexível”. Lula também pretende um novo ordenamento fiscal que permita mais empréstimos a curto prazo e ao mesmo tempo tranquilize os mercados garantindo que o coeficiente entre dívida e PIB diminuirá no médio prazo.

'The Economist' chamou de 'desastrosa' a política econômica de Dilma Rousseff (PT), sucessora de Lula na Presidência. Foto: Ricardo Moraes/Reuters

Os conselheiros de Lula afirmam que também se movimentarão rapidamente no sentido de uma reforma que aumente impostos dos mais ricos ao mesmo tempo que simplifica o labirinto de taxações sobre o consumo, que prejudicam o crescimento. Tanto economistas do PT quanto os ortodoxos enfatizam a necessidade dessa manobra. Alguns petistas também buscam aumentar a arrecadação do governo taxando dividendos ou até fortunas; o que Lula não descarta. Outros economistas querem uma reforma fiscalmente neutra que pareie índices de imposto de renda mais altos sobre quem ganha mais com impostos mais baixos sobre folhas de pagamento para empresas, com objetivo de incentivar o emprego formal. De qualquer forma, isso parece improvável. Reformas tributárias escapam aos governos desde 1965, já que envolvem negociações difíceis com Estados e grupos de interesse.

A estratégia a longo prazo de Lula para o crescimento depende da expansão de grandes bancos públicos para financiamento de projetos de infraestrutura, com investimentos tanto públicos quanto privados. Lula e seus economistas citam com frequência a lei de infraestrutura do presidente americano, Joe Biden, como modelo. Mas ainda que o Brasil possa precisar de investimento, “a ideia de que o Estado sabe onde investir é um erro”, afirma o economista Bernard Appy, que deixou o governo Lula em 2009 conforme a gestão se tornou mais intervencionista. A questão crucial, afirma ele, é se Lula e sua equipe entendem que, para o Brasil crescer em ritmo mais acelerado, o país precisa de reformas para melhorar a qualidade do gasto público e o ambiente para os negócios, ou se pensam que apenas gastar mais será suficiente.

O manifesto de campanha de Lula sugere a segunda hipótese. Além de uma clássica visão esquerdista da economia, o texto defende uma dose pesada de intervenção, descrevendo uma “política nacional de segurança alimentar”, taxa de câmbio enquanto “instrumento para reduzir a volatilidade” e a necessidade de “abrasileirar” os preços da gasolina. “O trabalhador (brasileiro) ganha em reais. Então por que você tem de dolarizar os preços da gasolina?”, afirma Lula. Em outras palavras, ele quer os preços nas bombas brasileiras divorciados dos preços mundiais. Ele sugere que isso poderia ser feito construindo mais refinarias; na prática, isso certamente requereria controles de preços e subsídios.

De acordo com Monica de Bolle, do Instituto Peterson para Economia Internacional, “esse programa é uma repetição de todos os programas do PT desde 1989 (…). O que vemos no papel e o que o presidente faz são duas coisas diferentes”. Ela e seus colegas compararam vários manifestos petistas com políticas aplicadas na prática e constataram que, quando está no poder, o PT tende a ser mais moderado do que suas propostas de campanha.

Lula deixou claro que seu governo não privatizará a Petrobras, a estatal de petróleo, nem o Banco do Brasil, o maior banco público. Mas também sugeriu que não reverterá a recente privatização da Eletrobras, a estatal de eletricidade, nem a reforma trabalhista que favorece as empresas aprovada em 2017. Meses atrás, Lula qualificou a reforma trabalhista como um produto da “mentalidade escravagista”; desde então, ele adotou um tom menos combativo e falou em “atualizar” a lei acrescentando proteções para trabalhadores temporários.

Guilherme Mello, que coordena a equipe de política econômica do PT, afirma que os bancos públicos, em um terceiro mandato de Lula, seriam cuidadosos ao selecionar projetos para financiar. “A realidade agora não é de campeões nacionais”, afirma ele, referindo-se à desastrosa política de Rousseff de despejar crédito sobre umas poucas empresas na esperança de transformá-las em gigantes globais, enquanto a maioria das outras enfrentava dificuldades. Em vez disso, haverá um foco em crédito para pequenos negócios, incentivos para energia limpa e garantias mais fortes para investidores privados se protegerem de perdas ocasionadas por burocracia. Mello também quer que novas regras tributárias no Brasil incluam medidas para criar uma “cultura para avaliação de políticas públicas”.

Muito disso dependerá da equipe econômica de Lula. Ele afirma preferir um político em vez de um economista, possivelmente porque precisará convencer o Congresso a apoiar reformas e aliviar seu controle sobre o orçamento. Desde que Lula deixou a presidência, em 2010, as despesas discricionárias determinadas pelo presidente encolheram de 18% para 7% do orçamento, e grande parte disso vai para projetos apadrinhados por legisladores em seus próprios distritos.

No passado, o governo usava fundos próprios para pagar pelo apoio à agenda presidencial. Mas um novo tipo de emenda criado por Bolsonaro tornou essas transferências praticamente automáticas, cedendo poder de tomada de decisão para o presidente da Câmara dos Deputados, sob pouco escrutínio. Quem quer que vença a eleição “será prisioneiro desse sistema”, afirma Marcos Lisboa, do Insper, uma instituição de ensino de administração de empresas. Lula quer se livrar do governo Bolsonaro. Não será fácil convencer o Congresso.

Lula foi pragmático no passado e tenta parecer pragmático hoje. Discursando para a Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, em agosto, ele falou da necessidade de uma “reindustrialização” lamentando a queda na produção do setor automobilístico e a dependência do Brasil em relação às exportações de commodities para a China. Ele propôs soluções modernas, como investimentos em tecnologia, inovação e transição energética.

Mas nem todos estão convencidos. Lula não fala muito em reduzir barreiras comerciais ou tornar o gasto público mais eficiente. Seu governo dificilmente conseguirá aprovar uma muito necessária reforma administrativa que vincularia os pagamentos dos funcionários públicos ao seu desempenho e eliminaria o gatilho que resulta em gastos maiores, automaticamente, em função do crescimento da inflação. Empresários estão preocupados. O bilionário Salo Davi Seibel, presente à fala de Lula em agosto, afirmou que o risco no Brasil não é de um meteoro, mas de um “voo de galinha”: uma economia que bate asas, decola e se estatela. / TRADUÇÃO DE GUILHERME RUSSO

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