BRASÍLIA – Duas instituições, duas decisões. O Supremo Tribunal Federal (STF) rejeitou, por 9 votos a 2, a tese do marco temporal para demarcação das terras indígenas na semana passada, decidindo que ela é inconstitucional por ferir os direitos dos povos originários. Nesta quarta-feira, 27, foi a vez de o Senado Federal decidir o contrário.
A Casa legislativa aprovou, por 43 votos a 21, o projeto que estabelece o marco como referência para definição das áreas. O projeto, que já tinha passado pela Câmara dos Deputados, vai à sanção do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A divergência pode provocar uma confusão jurídica até que Legislativo e Judiciário se acertem.
O marco temporal é uma tese que estipula que um território indígena só poderia ser demarcado se houvesse comprovação de que a comunidade estivesse no local na data da promulgação da Constituição Federal, ou seja, no dia 5 de outubro de 1988. Quem estivesse fora da área ou chegasse depois desse dia, não teria direito a pedir a demarcação.
Após a aprovação do Senado, Lula tem 15 dias para sancionar a lei aprovada pelo Senado para que então ela passe a vigorar. Por outro lado, o acórdão com a decisão do STF sobre o tema tem até 60 dias para ser publicado no Diário Oficial da União.
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O que acontece se Lula sancionar a lei? E se vetar?
De acordo com especialistas em direito constitucional ouvidos pelo Estadão, mesmo sem a publicação do acórdão do STF e a sanção ou veto de Lula, a decisão da Suprema Corte deverá ser seguida na prática, já que é de conhecimento geral da Justiça brasileira que a tese foi declarada inconstitucional. Dificilmente um juiz quererá contrariar a decisão do Judiciário.
“Enquanto não é publicada a decisão do Supremo, se houver outros casos concretos sobre demarcações de terras com um juiz abaixo do Supremo eles podem decidir como quiserem. Só que, por prudência nenhum juiz deve fazer isso, todos devem esperar a decisão do Supremo”, explica Emanuel Pessoa, doutor em direito pela Universidade de São Paulo (USP).
Caso Lula decida vetar a íntegra ou trechos do projeto de lei ou trechos do texto aprovado pelos parlamentares, o Congresso ainda pode derrubar o ato presidencial. Enquanto isso, processos de demarcação de terras indígenas e ações judiciais contestando demarcação de reservas podem entrar em compasso de espera.
Como fica a demarcação de novas áreas?
O governo federal, a quem compete demarcar as novas reservas indígenas, terá que escolher que caminho seguir: a decisão do STF ou o projeto aprovado pelo Congresso.
STF pode derrubar decisão do Senado assim que ela entrar em vigor
Se a lei aprovada pelo Legislativo entrar em vigor, entidades civis e partidos políticos podem recorrer ao Supremo para tentar invalidar o projeto de lei, em uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI). Na prática, significa que alguma representação irá “lembrar” o STF de que ele próprio decidiu que a tese do marco temporal fere o direito dos povos indígenas e foi declarada inconstitucional.
O Supremo pode, então, em caráter liminar, suspender a vigência da lei até que os ministros decidam se o novo texto do Congresso é ou não inconstitucional. Ou seja, o último a falar é o Supremo Tribunal Federal.
Supremo pode mudar a sua própria decisão
Um outro cenário é mais distante, mas pode ocorrer. Se novamente provocado, o STF pode realizar um novo julgamento e decidir mudar o seu pensamento sobre a inconstitucionalidade do marco temporal. Essa possibilidade apenas seria mais viável em uma nova composição da Corte, e é uma das expectativas dos apoiadores da lei aprovada pelo Congresso, tendo em vista que muitas discussões demoram anos para serem finalizadas pelos ministros.