BRASÍLIA – “Ao meu lado, o analista de inteligência Eduardo”. Apresentado sem nenhuma credencial pelo presidente Jair Bolsonaro, o “analista Eduardo” foi peça-chave na live em que o presidente reconheceu não ter provas de fraude na eleição passada, mas usou da emissora pública, a TV Brasil Gov, para disseminar dúvidas e informações falsas sobre as urnas eletrônicas.
Apesar do traje civil, terno e gravata, trata-se de mais um oficial verde-oliva a se envolver na pressão do governo Bolsonaro por mudanças no sistema de votação, a pouco mais de um ano das eleições de 2022. Como o Estadão revelou na semana passada, o ministro da Defesa, general de Exército da reserva Walter Souza Braga Netto, mandou recado à cúpula do Congresso de que não haveria eleições sem voto impresso. O próprio presidente ameaçou: “Ou fazemos eleições limpas no Brasil ou não temos eleições”. Bolsonaro abriu uma crise e foi rebatido no dia seguinte por autoridades do Legislativo e do Judiciário.
Com a palavra, o “analista Eduardo”, conhecido como “coronel Eduardo” nos tempos fardados, disse que as urnas têm “problemas” e precisam de “melhorias”. Sem apresentar dados, afirmou que há desconfiança da população e que “o brasileiro não se sente confortável”. “O voto impresso pode contribuir para a transparência e paz social no Brasil”, disse o militar, em sintonia com o pensamento de Bolsonaro.
O coronel de Artilharia da reserva do Exército Eduardo Gomes da Silva, de 54 anos, goza da confiança do ministro Luiz Eduardo Ramos, atualmente na Secretaria-Geral da Presidência. Foi levado por Ramos para o Palácio do Planalto, março de 2020, ao lado de outros oficiais com experiência na área de Inteligência do Exército. À época, o general de Exército Ramos estava prestigiado e chefiava a Secretaria de Governo (Segov).
Primeiro, Eduardo atuou como secretário adjunto na Secretaria Especial de Relações Institucionais. Participava da interlocução direta com parlamentares no Congresso. Ramos montou um esquema na Segov para monitorar a fidelidade de deputados e senadores ao governo em votações e declarações nas redes sociais, atrelando a ficha de cada um cargos de indicados e verbas liberadas.
Em abril, quando o ministro foi deslocado para a Casa Civil, Eduardo acompanhou o chefe e passou a ter uma atuação mais discreta, com o cargo de assessor especial. No cargo comissionado do Planalto, recebia o equivalente a R$ 13,6 mil, que se somam aos R$ 23,3 mil de vencimentos da reserva. São quase R$ 37 mil brutos de salário por mês, segundo o Portal da Transparência.
Em uma rede dedicada a experiências profissionais, ele se apresenta como “assessor de Inteligência” no governo federal. Em verdade, Eduardo foi oficial de Inteligência do Centro de Inteligência do Exército (CIE), quando o general Eduardo Villas Bôas era o comandante-geral. O CIE faz parte do “Gabinetão” do comandante-geral, no Forte Apache, em Brasília.
Antes de passar à reserva, em dezembro de 2019, com a Ordem do Mérito Militar, no grau cavaleiro, o coronel Eduardo trabalhou também como oficial de Estado-Maior no Comando Militar do Sudeste, em São Paulo, de onde o ministro Ramos passou direto para o Palácio do Planalto.
Eduardo vem da turma de 1990 da Academia Militar das Agulhas Negras. Cursou mestrado em Ciências Militares na Escola de Comando e Estado-Maior do Exército. Foi comandante de Organizações Operacionais do Exército. Antes da experiência em Brasília, onde chegou em 2014, quando o comandante-geral era o general Enzo Peri, ele serviu em Santa Maria (RS), na 3ª Divisão do Exército, um dos maiores contingentes do País. Por dois anos, comandou o Regimento Mallet - 3º Grupo de Artilharia de Campanha Autopropulsado, o mais tradicional.
Ele tem experiência com as Forças Armadas de países vizinhos. Integrou comitivas militares enviadas a reuniões de intercâmbio com o Paraguai e, em 2016, foi à Argentina fazer o Curso Superior de Defesa Nacional.
Segundo oficiais contemporâneos, em 2018 o coronel já demonstrava simpatia por Bolsonaro enquanto estava na ativa e defendia a eleição do capitão reformado. Em grupos virtuais de militares, ele “patrulhava” os críticos da partidarização bolsonarista na tropa. Um dos alvos, diz que era uma prática intimidatória, embora antes Eduardo se mostrasse uma pessoa tranquila.
“É complicado um oficial que serviu no CIE ter esse tipo de postura como a de ontem. É revelador de que, talvez, a política partidária já seja um assunto bem acompanhado pelo Centro”, diz o coronel da reserva Marcelo Pimentel, que era amigo de Eduardo Gomes da Silva e colega de mestrado.