RIO – A Polícia Federal atua desde 2023 em duas frentes de investigação para apurar uma suposta tentativa de golpe de Estado após a eleição do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). A primeira apura a participação de militantes extremistas, apoiadores e financiadores do ataque aos prédios dos Três Poderes, em Brasília, no dia 8 de janeiro do ano passado. E a segunda, políticos e aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro (PL).
Nesta terça-feira, 19, mais uma etapa foi cumprida pela PF. Um general reformado, ex-integrante do governo Bolsonaro, três “kids pretos” e um policial federal foram presos por supostamente planejarem o golpe para impedir a posse de Lula e “restringir o livre exercício do Poder Judiciário”.
Presos na Operação Contragolpe
- Tentene-coronel do Exército Hélio Ferreira Lima
Ex-comandante da 3ª Companhia de Forças Especiais em Manaus, Hélio Ferreira Lima foi destituído de sua posição em fevereiro de 2024, durante investigações sobre planos antidemocráticos relacionados ao ex-presidente Jair Bolsonaro (PL). Quando convocado a depor à Polícia Federal sobre sua suposta ligação com o golpe de Estado, optou por permanecer em silêncio. Com formação em Operações Especiais, é membro do grupo de elite do Exército conhecido como “kids pretos”, especializado em missões sigilosas de alto risco.
Segundo a PF, Ferreira Lima é integrante de dois núcleos da organização criminosa: desinformação e ataques ao sistema eleitoral e núcleo operacional de apoio às ações golpistas.
- General de brigada reformado do Exército Mário Fernandes
General reformado, Mário Fernandes foi assessor do deputado Eduardo Pazuello (PL-RJ) e ministro interino da Secretaria-Geral da Presidência da República no governo de Jair Bolsonaro. Após deixar o governo, assumiu, entre 2023 e o início de 2024, um cargo na liderança do PL na Câmara dos Deputados, lotado como assessor de Pazuello, com um salário de R$ 15,6 mil. Ele foi desligado a função em 4 de março deste ano, após o ministro Alexandre de Moraes determinar seu afastamento das funções públicas.
Quando foi chamado a depor pela PF em 22 de fevereiro de 2024, Mário Fernandes, contudo, optou por ficar em silêncio, alegando não ter tido acesso ao inteiro teor dos conteúdos a investigação e, em especial, à delação do tenente-coronel Mauro Cid.
Segundo a PF, o general teria promovido ações de planejamento, coordenação e execução de atos antidemocráticos, “inclusive com registros de frequência ao acampamento montado nas adjacências do QG do Exército, em Brasília, e, até mesmo, de relação direta com manifestantes radicais que atuaram no período pós-eleições de 2022″.
Ele teria sido responsável ainda por elaborar um detalhado planejamento operacional que tinha como objetivo executar o ministro Alexandre de Moraes e os então candidatos eleitos Luiz Inácio Lula da Silva e Geraldo Alckmin.
- Major das Forças Especiais do Exército Rafael Martins de Oliveira
Major das Forças Especiais, Rafael Martins é acusado de negociar com Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, o financiamento de R$ 100 mil para levar manifestantes a Brasília, como parte de um plano golpista. Em mensagens de novembro de 2022, ele discutiu custos de logística com Cid, incluindo hospedagem e alimentação para grupos vindos do Rio de Janeiro.
Rafael Martins de Oliveira foi preso pela Polícia Federal em fevereiro de 2024 durante investigações sobre sua participação na organização de movimentos antidemocráticos. Ele havia sido solto e usava tornozeleira eletrônica.
Segundo a apuração, ele teria atuado, com outros militares, no financiamento e direcionamento das manifestações golpistas em curso naquele momento. O militar ainda teria participado do monitoramento de Alexandre de Moraes, em Brasília, em novembro daquele ano.
- Major de Infantaria do Exército Rodrigo Bezerra de Azevedo
Considerado um militar altamente qualificado, Rodrigo Bezerra de Azevedo é doutorando em Ciências Militares pela Escola de Comando e Estado-Maior do Exército (Eceme) e possui especializações em operações de guerra não convencional. Formado pela Academia Militar das Agulhas Negras (Aman) em 2003, já serviu como instrutor no Western Hemisphere Institute for Security Cooperation, nos EUA, e participou de missões no exterior, como na Costa do Marfim. Além disso, comandou a Companhia de Comando do Comando Militar da Amazônia e tem expertise acadêmica em terrorismo e relações internacionais. Ele também integra o grupo “kids pretos”, treinado para operações estratégicas.
Major de Infantaria, Rodrigo Bezerra servia no Comando de Operações Especiais do Exército. Segundo a PF, o militar era um dos integrantes da organização criminosa mais próximo do major Rafael Martins de Oliveira.
- Policial federal Wladimir Matos Soares
Agente da Polícia Federal, Wladimir Matos Soares atuou como auxiliar do núcleo vinculado à tentativa de golpe de Estado. O policial teria fornecido, segundo a PF, informações relativas à segurança do então candidato eleito Luiz Inácio Lula da Silva.
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O Estadão busca contato com os investigados e seus advogados. O espaço está aberto para manifestações.
Em fevereiro deste ano, a PF já havia deflagrado a Operação Tempus Veritatis, que cumpriu 33 mandados de busca e apreensão e quatro mandados de prisão contra aliados do ex-presidente Jair Bolsonaro na investigação da suspeita de um golpe de Estado após as eleições de 2022. Entre eles, o major das Forças Especiais do Exército Rafael Martins de Oliveira, já citado.
Presos na Operação Tempus Veritatis
- Coronel do Exército Bernardo Romão Correa Neto
O coronel Bernardo Romão Corrêa Neto é acusado de integrar um núcleo que incitava outros militares a aderirem a um golpe de Estado. O grupo realizava ataques pessoais contra comandantes que se opunham às investidas contra o Estado Democrático de Direito, de acordo com as investigações.
Corrêa Neto também é apontado pela PF como membro do “núcleo de apoio operacional”. Ele seria responsável pela manutenção de acampamentos golpistas em frente a quartéis-generais do Exército no País. Para manter os protestos, agia em interlocução direta com Mauro Cid, ex-ajudante de ordens de Jair Bolsonaro, do qual era um “homem de confiança”, segundo a investigação. O coronel é apontado como o responsável pela articulação dos “Kids Pretos” no planejamento da tentativa de golpe de Estado.
O militar foi preso em 11 de fevereiro deste ano e liberado no dia 8 de março em liberdade provisória, concedida pelo ministro Alexandre de Moraes. A defesa do coronel não se manifestou sobre o caso.
- Ex-assessor especial de Assuntos Internacionais Filipe Garcia Martins
Filipe Garcia Martins foi um dos alvos da Operação Tempus Veritatis, que apura suposta tentativa de golpe de Estado gestada no governo Bolsonaro. O tenente-coronel Mauro Cid, ex-ajudante de ordens da Presidência, citou Martins em sua delação. Afirmou que o então assessor foi o responsável por entregar a Bolsonaro uma minuta golpista, que previa a prisão de autoridades como o ministro Alexandre de Moraes e a anulação do resultado da eleição. Martins nega.
O ex-assessor está preso desde fevereiro, sendo que um dos argumentos para sua custódia foi o fato de seu nome constar na lista de passageiros do voo presidencial que decolou do Brasil com destino a Orlando (EUA) em 30 de dezembro de 2022. Desde a prisão, a defesa sustenta que, apesar de constar na lista de passageiros do voo, Martins não realizou a viagem e permaneceu no Brasil.
Em agosto deste ano, Moraes acolheu parecer da Procuradoria-Geral da República e mandou soltar Filipe Martins. “Graças a deus vencemos mais esse obstáculo”, disse o advogado Ricardo Fernandes, que defende Martins, ao Estadão à época.
A defesa de Martins, representada pelos advogados Ricardo Scheiffer e Sebastião Coelho, apresentou uma série de provas no decorrer do processo que, segundo eles, seriam suficientes para provar que o ex-assessor de Bolsonaro não deixou o País como apontado pela PF. Entre os documentos apresentados estão uma lista de passageiros do voo citado, obtida via Lei de Acesso à Informação com Gabinete de Segurança Institucional em 2023, recibos de iFood, comprovantes de movimentações bancárias e um comprovante de viagem doméstica que Martins teria feito no dia seguinte ao dia que os investigadores alegam que ele teria viajado aos Estados Unidos.
- Coronel do Exército Marcelo Câmara
Marcelo Costa Câmara era assessor especial da Presidência e é apontado como integrante do núcleo que alimentava Bolsonaro com informações que o ajudariam a consumar o suposto golpe de Estado. A investigação indica que o ex-assessor é integrante do “núcleo de desinformação e ataques ao sistema eleitoral”, um dos seis para planejar o golpe, segundo a PF.
Marcelo Costa Câmara serviu na gráfica do Exército e no gabinete do então comandante da Força, Enzo Peri. Passou a trabalhar no gabinete da Presidência em fevereiro de 2019 e integrou a equipe de ajudância de ordens de Jair Bolsonaro, tal como o tenente-coronel Mauro Cid. Ambos são investigados no caso das joias, relevado em uma série de reportagens exclusivas do Estadão.
Em maio deste ano, Câmara teve a liberdade provisória decretada por Moraes. A defesa já tinha solicitado a revogação da prisão em fevereiro, mas o pedido foi negado por Moraes. Ao Estadão, o advogado Eduardo Kuntz disse comemorar o que considera uma “vitória parcial”. “Assim como se demonstrou a desnecessidade da prisão, vai ficar demonstrada a desnecessidade da permanecia do cliente nessa investigação”, afirmou.