BRASÍLIA - Ao menos 12 servidores públicos do Poder Executivo federal receberam o equivalente a mais de R$ 1 milhão, entre salário líquido e verbas indenizatórias, ao longo do ano de 2023. Todos são diplomatas do topo da carreira do Itamaraty e ocuparam postos no exterior. Os rendimentos são puxados para cima pelo fato de ganharem seus salários em dólares americanos e por receberem um auxílio-moradia polpudo, necessário para alugar moradias em capitais estrangeiras. Apesar dos montantes elevados, não há nenhuma irregularidade nos pagamentos.
O primeiro lugar na lista ficou com o diplomata Octávio Henrique Dias Garcia Côrtes, atual embaixador do Brasil no Japão. Entre salário e auxílio-moradia, ele recebeu o equivalente a R$ 1,11 milhão entre janeiro e novembro deste ano – os dados de dezembro ainda não foram divulgados. Em agosto, por exemplo, o total de verbas indenizatórias recebidas pelo embaixador foi de US$ 13.617, o equivalente a R$ 65,7 mil na cotação desta quarta-feira, 27. O salário após descontos foi de US$ 11,5 mil, o equivalente a R$ 55,6 mil.
Abaixo de Côrtes aparece Rafael de Mello Vidal, diplomata e atual embaixador do Brasil em Angola, também com R$ 1,1 milhão recebidos entre salário após descontos e verbas indenizatórias. Assim como Côrtes, Vidal recebe seus vencimentos em dólares, conforme determina a lei de 1972 que trata do assunto. Em terceiro lugar está Eduardo Botelho Barbosa, atual cônsul-geral do Brasil em Zurique, na Suíça – o país é considerado um dos mais caros da Europa.
Quem também vive na Suíça é Guilherme de Aguiar Patriota, atual representante do Brasil na Organização Mundial de Comércio (OMC), em Genebra. Ele recebeu o equivalente a R$ 1,08 milhão ao longo de 2023 e está em quarto lugar na lista. É irmão do também diplomata Antonio Patriota, que foi ministro das Relações Exteriores do Brasil no governo de Dilma Rousseff (PT), de 2011 a 2013.
Em quinto lugar aparece o diplomata Hélio Vitor Ramos Filho – até meados deste ano, era o embaixador do Brasil em Roma, na Itália. Em 2022, chegou a ser indicado pelo ex-presidente Jair Bolsonaro (PL) como embaixador em Buenos Aires, mas a indicação acabou sendo retirada da pauta do Senado Federal após a vitória de Lula (PT) em outubro passado. Para assumir a chefia de postos no exterior, diplomatas precisam ser indicados pelo presidente da República e aprovados pelo Senado.
O levantamento foi feito pelo Estadão com base nos dados abertos do Portal da Transparência. As informações são parciais, pois só abrangem os meses de janeiro a novembro – os dados sobre dezembro ainda não foram publicados. Não são considerados militares nem servidores do Banco Central, cujas informações são publicadas separadamente.
O primeiro servidor na lista dos mais bem-pagos que não pertence ao Itamaraty é Leonardo Correia Lima Macedo, um auditor-fiscal da Receita Federal. Ele está na 67ª posição, tendo recebido R$ 814,3 mil entre janeiro e novembro, considerando salário após descontos e verbas indenizatórias. O motivo, porém, é bem parecido com o dos diplomatas: até agosto deste ano, ele recebia parte do salário em dólares, por atuar como adido tributário na Embaixada do Brasil em Buenos Aires, na Argentina. Depois dele, o próximo não diplomata na fila aparece na 104ª posição e pelo mesmo motivo: trata-se de outro auditor fiscal da Receita, adido tributário na Embaixada do Brasil em Washington (EUA).
Procurado, o Itamaraty ressaltou que os pagamentos em dólares seguem a legislação e que os valores não são atualizados desde 2015, “a despeito dos processos inflacionários em diversos países onde estão lotados os servidores do MRE”. “Por servirem no exterior, suas despesas para custeio de suas vidas e de seus familiares são igualmente realizadas em moeda estrangeira. Nessas condições, a simples conversão desses valores para o real para fins de comparação da remuneração com demais servidores não parece ter sentido”, diz a nota.
“Nessas condições, a inclusão dos servidores lotados no exterior na listagem dos maiores salários pagos ao funcionalismo público gera distorções de percepção, à luz das circunstâncias excepcionais em que vivem”, informa o órgão.
Brasil gasta quase 9% do PIB com salários de servidores
O Brasil é um dos países que mais gastam com salários de servidores públicos no mundo. Segundo dados do Fundo Monetário Internacional (FMI), as despesas com salários nos três níveis – União, Estados e municípios – somam 8,9% do PIB, o que coloca o Brasil como um dos países que mais gastam com salários no mundo, à frente de economias desenvolvidas, como França (8%), Reino Unido (7,3%) e Alemanha (5,9%). A proporção também é praticamente igual à de países com serviços públicos muito melhores que os brasileiros, como Espanha e Áustria (9%).
Em 2020, um estudo realizado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI) utilizando os mesmos dados do FMI para 2018 mostrou que o País gastava cerca de 13,4% do PIB com salários de servidores nas três esferas. O gasto colocava o Brasil na 7ª posição dos países que mais gastam com servidores, entre 70 países analisados. Há evidências de que este gasto vem caindo nos últimos anos como proporção do PIB, no que diz respeito à União.
O número de servidores em si não é tão grande quando comparado com outros países: são 11,35 milhões de pessoas, ou 12,45% do total dos trabalhadores formais, segundo a organização República.org. A proporção é menor que em vários países da OCDE e é comparável à de outros países latinoamericanos.
A maioria dos servidores públicos está nos Estados e nos municípios. Em geral são trabalhadores que recebem salários equivalentes aos pagos pela iniciativa privada para as mesmas funções. As distorções se concentram entre os servidores da União, em Brasília: estudo do Banco Mundial elaborado a pedido do governo federal mostra que profissionais do Direito chegam a ganhar 80% a mais na União em relação à iniciativa privada.
Em novembro, o Poder Executivo Federal tinha 512,4 mil servidores civis, excluídos os ligados ao Banco Central. A remuneração média dessas pessoas foi de R$ 11,684 mil, já após os descontos (como Imposto de Renda e a contribuição previdenciária) e sem contar verbas indenizatórias. Os altos salários dos servidores da União – tanto no Executivo quanto no Judiciário e no Legislativo – tornam o Distrito Federal a Unidade da Federação mais rica do Brasil, em termos de renda per capita.