BRASÍLIA - A indicação do ministro da Justiça, Flávio Dino (PSB), para o Supremo Tribunal Federal (STF) desencadeou uma disputa pelo espólio político dele no Maranhão. Líder do grupo que comanda as principais áreas de poder do Estado, desde o governo local, passando pelas bancadas federal e estadual até as prefeituras e câmaras de vereadores, Dino se vê agora diante de uma incógnita.
Políticos do Maranhão, aliados e adversários têm um conjunto de questões não resolvidas: Flávio Dino passará seu bastão de comando se chegar ao STF? Quem assumirá o poder político que o ministro acumulou nos últimos 17 anos, desde que ele entrou na política e começou a impor derrotas à família Sarney? Ou ele continuará articulando a política do seu reduto eleitoral, o que seria inusitado e até incompatível com a toga de magistrado da mais alta Corte do Judiciário?
O governador do Maranhão, Carlos Brandão (PSB), que foi vice de Dino e depois assumiu o cargo e foi reeleito, não poderá mais disputar a reeleição. Brandão ainda não decidiu seu futuro político, mas no momento aliados apostam que ele tentará uma vaga no Senado em 2026. “O governador tem a tarefa de manter a unidade do grupo. Hoje, estamos praticamente sem oposição”, disse o deputado Rubens Pereira Júnior (PT-MA) ao Estadão.
O vice-governador Felipe Camarão (PT) é afilhado de Flávio Dino, a quem trata como mentor, amigo pessoal e professor, e desponta como possível candidato a governador e herdeiro do padrinho no Estado. Após o anúncio da indicação de Lula, na segunda-feira, 27, Camarão comemorou nas redes sociais e evidenciou a torcida. “Ganha o judiciário, ganha o Brasil. Viva Flávio Dino!”, escreveu.
Assim que o nome de Flávio Dino foi anunciado para o STF, as movimentações no Maranhão se intensificaram. Uma delas foi a filiação do diretor administrativo da Assembleia Legislativa, Marcus Brandão, irmão do governador, no MDB. A deputada Roseana Sarney (MDB) passou a presidência estadual do partido para Marcus Brandão, em uma cerimônia na sexta-feira, 1°. Atualmente, o MDB faz parte da mesma aliança do ministro da Justiça e a mudança aumentou as especulações de que os Brandão se movimentam para disputar o espólio de Dino no Maranhão, em alinhamento com os Sarney.
Um ingrediente a mais no cenário é a movimentação do secretário de Assuntos Municipalistas do Maranhão, Orleans Brandão, filho de Marcus e sobrinho do governador, para ser candidato a vice-prefeito em São Luís na chapa do atual prefeito Eduardo Braide (PSD), que tentará a reeleição. Ele deve disputar a corrida contra o deputado federal Duarte Junior (PSB), preferido de Dino. O resultado da eleição municipal na capital será decisivo para a reorganização política no Estado após a ida do ministro ao STF, se de fato ele for aprovado pelo Senado e tomar posse na Corte.
Outros aliados de Dino não ficaram parados. O ex-presidente da Assembleia Legislativa Othelino Neto (PCdoB) pediu exoneração do escritório de representação do Maranhão em Brasília para reassumir a vaga de deputado estadual, na quarta-feira, 29. Ele é marido da senadora Ana Paula Lobato (PSB), suplente de Dino, que herdará definitivamente o mandato se o ministro for aprovado para o STF.
A decisão foi interpretada por políticos maranhenses como uma tentativa de reposicionamento de Othelino no xadrez político local, por influência do próprio ministro. A atual presidente da Assembleia Legislativa, Iracema Vale (PSB), também busca seu lugar ao sol como futura candidata a governadora.
Senadores e ministros correm por fora na disputa por herança de Dino
Por fora, ainda corre na disputa o senador Weverton Rocha (PDT). Ele foi eleito para o Senado em 2018 com apoio do ministro, se voltou contra ele em 2022 e agora se reaproximou se tornando relator de sua indicação ao STF no Senado. “Está todo mundo igual, no mesmo patamar”, afirmou Weverton ao blog Marco Aurélio D’Eça, ao falar sobre o reposicionamento dos políticos do Maranhão.
Também orbitam o grupo os ministros das Comunicações, Juscelino Filho (União), e do Esporte, André Fufuca (PP), que por enquanto querem se consolidar no Congresso e ficam entre disputar a reeleição como deputados federais ou tentar uma vaga no Senado em 2026.
A mesma situação vive a senadora Eliziane Gama (PSD), aliada de primeira hora de Dino. Eliziane ganhou projeção e reforçou os laços com o ministro da Justiça ao ser relatora da Comissão Parlamentar Mista de Inquérito CPMI) do 8 de Janeiro no Congresso. Agora, ela colocou seu nome à disposição para ser candidata a presidente do Senado em 2025.
‘Não dá para sepultar o dinismo’, diz aliado de Flávio Dino
É fato que todos os políticos que disputam o espólio político de Dino são aliados do ministro da Justiça. Desde 2012, nenhum senador ou governador se elegeu no Maranhão não sendo aliado ou ele próprio. O ministro interrompeu as agendas envolvendo a política do Maranhão desde que foi anunciado pelo presidente para a vaga no Supremo e deixou muitos interlocutores à espera de um sinal do que será feito em seu reduto.
Há quem aposte que, mesmo com a toga, o dinismo se fortaleça e o ministro continue influenciando a política no Maranhão. “O papel dele como ator político muda, mas não dá para sepultar o dinismo. A influência dele vai continuar super forte, viva e organizadora da política”, afirmou o deputado Márcio Jerry (PCdoB-MA) ao Estadão.
Na história republicana, o Maranhão sempre foi governado por grupos oligárquicos. O senador Vitorino Freire mandou e desmandou no Estado com uma rede de chefetes — políticos locais subordinados a ele — pelo interior nos anos 1940 e 1950. A oligarquia dele foi arrasada com a ascensão de José Sarney como governador em 1966, que teve a posse transformada num filme de Glauber Rocha, ícone do Cinema Novo.
A influência da família Sarney se ramificou na Assembleia, no Tribunal de Justiça e, principalmente, nas prefeituras. A esquerda, liderada especialmente pelo ex-prefeito de São Luís Jaques Lago, nunca foi páreo. Foi em conversas com o grupo de Sarney que Flávio Dino, então juiz federal, ensaiou uma candidatura à prefeitura da capital em 2004, mas foi em 2006 que ele entrou de fato para a política, quando foi eleito deputado federal pelas mãos do então governador José Reinaldo Tavares (PSB), rompido com a família Sarney.
Em 2014, com a eleição de Flávio Dino para o Palácio dos Leões, o grupo de Sarney deixa de fato o poder. A rede de prefeitos aliou-se ao novo governador. Em 2018, na reeleição para governador, nenhum parlamentar mais conseguiu ser eleito no Estado se estivesse unicamente vinculado a Sarney. Agora, Dino luta para ser o segundo maranhense no Supremo, nomeado por Lula, após o pioneiro Carlos Madeira, colocado por Sarney na Corte em 1985, e o espólio — que já foi designado de vitorinismo, sarneísmo e por pouco tempo dinismo — é alvo de disputa.