Em mais uma tentativa para enquadrar o Palácio do Planalto e mirar no “gabinete do ódio”, o projeto de lei das fake news que tramita no Senado busca agora cassar o uso de CPFs “laranjas” e aumentar a pena de crimes contra a honra cometidos pela internet. O relator do projeto, senador Ângelo Coronel (PSD) – que preside a CPI das Fake News –, prepara um parecer endurecendo a proposta.
O projeto já teve a votação adiada duas vezes, nas últimas duas semanas, e enfrenta resistências não só pelo potencial de atingir publicações favoráveis ao governo do presidente Jair Bolsonaro, mas também as redes sociais ligadas à oposição.
O presidente da CPI vê possibilidade de chegar à autoria dos crimes cibernéticos por meio da identificação dos usuários de celular, por onde as mensagens são transmitidas. Coronel antecipou que o seu parecer vai obrigar as companhias telefônicas no País a recadastrar todos os chips de celular pré-pago para identificar o dono de cada linha.
A intenção é evitar o uso de “CPFs laranjas”, ou seja, em nome de terceiros, para a produção e disseminação de notícias falsas pelas redes. Atualmente, o consumidor precisa fornecer um CPF para ativar uma linha de celular. O projeto pode obrigar empresas de telefonia móvel a validar a informação fornecida pelo usuário, confirmando que o comprador não está fornecendo dados de outra pessoa.
Se a proposta for aprovada, a mesma obrigação valerá para plataformas de redes sociais, que já pedem informações pessoais como número de celular e CPF aos usuários. O presidente da CPI das Fake News acredita que, com a autenticação pelas operadoras, é possível identificar o autor de ofensas, calúnias e difamações em eventual quebra de sigilo telefônico. “Os portadores ou encomendadores de CPFs frios estarão com seus dias contados. A raiz das fake news é essa”, afirmou Coronel.
A disseminação de informações por contas falsas de agentes públicos é classificada como improbidade administrativa no projeto, que proíbe o uso de “robôs” e limita disparos em massa de mensagens por aplicativos. A proposta é vista como vacina contra o “gabinete do ódio”, grupo de assessores do Planalto comandado pelo vereador Carlos Bolsonaro (Republicanos-RJ). A existência desse grupo foi revelada pelo Estadão.
Aliados do Planalto tentam barrar o avanço da proposta. “Na medida em que não houver a possibilidade de patrocínio oculto da rede eletrônica artificial de distribuição e contas falsas, não haverá a atuação de estruturas como essa do gabinete do ódio”, afirmou o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), autor do projeto.
Para virar lei, o texto ainda precisa de aval do Senado, da Câmara e, ainda, da sanção de Bolsonaro. Ao relatar a proposta, Angelo Coronel foi além e enquadrou grupos formados para disseminar notícias falsas como organizações criminosas. O senador negou, no entanto, uma ofensiva contra Bolsonaro. "O projeto não é contra o governo. É para proteger a sociedade desta pandemia digital”, disse ele.
Mais frentes
Além do projeto, há outras frentes em curso mirando o Palácio do Planalto. No Supremo Tribunal Federal (STF), por exemplo, está em curso o inquérito das fake news aberto, aberto em março do ano passado para investigar ataques a integrantes da Corte. Em maio, quando autorizou mandados de busca e apreensão a aliados de Bolsonaro, o ministro Alexandre de Moraes – que conduz a investigação – classificou o “gabinete do ódio” como “associação criminosa”.
O Congresso, por sua vez, investiga a disseminação de notícias falsas em uma CPI formada por deputados e senadores. Os trabalhos do colegiado devem durar mais 180 dias a contar do retorno das sessões presenciais, ainda sem data para ocorrer. A comissão busca identificar como agem as milícias digitais na internet e enfrenta resistência de governistas.
Mais recentemente, apoiadores de Bolsonaro voltaram sua artilhada para ex-aliados, como a líder do PSL na Câmara, Joice Hasselmann (SP). A deputada foi acusada por bolsonaristas de sustentar uma rede de perfis falsos para atacar o governo nas redes sociais e negou que tenha adotado a prática.
Black Mirror
No projeto das fake news, Angelo Coronel vai recuperar, ainda, um ponto do pacote anticrime que aumenta a pena de seis meses para até seis anos em delitos contra a honra, quando praticados pela internet. O dispositivo chegou a ser aprovado no Congresso, no ano passado, mas foi vetado por Bolsonaro. Além disso, o parecer do senador também classifica como organizações criminosas grupos formados "para propagação de discursos de ódio, de crimes contra a honra, de conteúdo manipulado ou de desinformação."
Apesar disso, Coronel desistiu de alguns itens polêmicos, como um sistema de pontos para usuários das redes sociais, conforme seus respectivos históricos nas plataformas. O sistema recebeu o apelido de Black Mirror, por causa da série de TV, que narra um episódio no qual as pessoas recebem notas de acordo com o comportamento social e só assim têm acesso a produtos e serviços.
Diante das polêmicas, os senadores desistiram de pôr no projeto uma definição clara de fake news e uma punição específica para esse tipo de crime. Autor da proposta, Alessandro Vieira tem conversado com o relator Angelo Coronel e pretende aprovar uma versão simplificada do texto, voltada para regras de boas práticas nas plataformas digitais. "Não haverá nenhuma referência a conteúdo. Tratamos das ferramentas, contas falsas e identificação do usuário. O projeto não conduz a nenhum tipo de censura”, argumentou.