Análises para entender o jogo do poder

Opinião|O que Paul e Pri me ensinaram - uma pausa para falar além da política


Há muito a se falar sobre política. Nesta semana, no entanto, eu preciso falar de Paul McCartney e também preciso falar de Priscila

Por Renata Agostini

Paul McCartney sentou-se frente ao teclado e eu rapidamente me pus na ponta dos pés na esperança de enxergar com mais nitidez o dedilhar de Let it Be. Menos de dez metros nos separavam. Ainda assim, era preciso algum malabarismo até posicionar o rosto numa fresta e ver as reações de Paul. Todo o espaço até o palco estava milimetricamente ocupado. Eram pessoas que, como eu, ainda não acreditavam estar ali, naquele salão prosaico de Brasília vendo de tão perto Paul McCartney.

Ele havia decidido fazer um show para pouquíssimos no Clube do Choro. Algumas centenas de pessoas - entre as 50 mil que estariam no Mané Garrincha dois dias depois - receberam por e-mail a chance de comprar o ingresso para aquela sessão intimista. Eu, que nunca havia conseguido nem completar cartela de bingo, lá estava a poucos passos de um dos maiores músicos da história. Eu e meus dedinhos esticados no limite, tentando o melhor ângulo enquanto cantava extasiada a letra de Let it Be.

Paul McCartney fez show intimista em Brasília. Foto: Reprodução de vídeo/Instagram @paulmccartney
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Foi quando Paul nos brindou com algo extraordinário: errou. Foi rápido. Seria até pouco perceptível não tivesse ele feito uma pequena pausa e emendado “one, two, three”, dando a senha para que sua banda recomeçasse a melodia de Let it Be. Foram segundos suficientes para me mostrar que gênios também erram e deuses, às vezes, também se enganam.

Ocupei-me o restante do show a observar as nuances de mortalidade de Paul. O suor que brilhava na testa, o cabelo que teimava em cair no rosto, o sorriso cúmplice com os companheiros de banda aqui e ali. Aos 81 anos, bilionário, reconhecido e venerado em todo o mundo, Paul parecia genuinamente se divertir tocando naquele palco miúdo. Era um lembrete sobre o que importa na vida, sobre tirar o melhor de todos os momentos, sobre ver propósito no que se faz, sobre aproveitar a jornada.

Não é como se eu tivesse transformado a experiência no Clube do Choro em meditação filosófica. Cantei a plenos pulmões Hey Jude, dancei sem pudor Ob-La-Di, Ob-La-Da, pulei com tudo de mim em Hard Day ‘s Night. Mas, em meio a tudo isso, não dava para ignorar: eu estava diante de um dos homens mais bem-sucedidos que a humanidade já produziu e ele parecia satisfeito em tocar para alguns poucos desconhecidos, por pouco dinheiro, num ambiente abafado.

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Antes de seguir, devo explicações ao leitor que chegou até aqui, pois sigo falando de Paul McCartney num espaço dedicado a tratar do poder. Há muito a se falar sobre política e voltaremos a ela na semana que vem. Nesta semana, no entanto, eu preciso falar de Paul. Nesta semana, eu preciso falar de Paul e também preciso falar de Pri.

Um dia após o show no Clube do Choro, recebi a dura mensagem de que Pri havia morrido. Priscila era uma das minhas melhores amigas há quase duas décadas. Havíamos nos conhecido na faculdade e, desde então, mesmo morando em cidades diferentes, estávamos presentes em absolutamente todos os momentos importantes da vida uma da outra. Pri tinha 40 anos recém-feitos, duas filhas pequenas. Era jovem, bonita, bem-sucedida e era, acima de tudo, uma unanimidade. Não havia quem falasse mal, fizesse reparos à Pri. Há seis meses, ela havia recebido o diagnóstico de câncer de pâncreas. Tentou o que deu, enquanto foi possível, mas não resistiu. Foi tudo muito rápido.

Nada prepara alguém para encarar uma doença assim tão avassaladora. Nada prepara alguém para aceitar a morte de alguém que amamos desta maneira. Uma de nossas amigas havia feito um altar com uma foto da Pri em casa para rezar por sua recuperação. Em desalento com a notícia, comentara que tinha pedido muito e que, naquele dia, achava que Deus não sabia de nada.

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Não sou religiosa. Tenho até a minha fé, mas não serei eu a dizer se Deus sabe ou não o que faz. Mas o fato é que a semana - com seus eventos extraordinários e trágicos - me recordou que a vida corre, corre ligeira, corre depressa. É preciso tirar o melhor dela, preenchê-la com nossos amores e afetos, enquanto ela pulsa.

Obrigada, Paul, por me mostrar que a felicidade pode estar até o fim em pequenas coisas, que seguiremos errando e está tudo bem. Obrigada, Pri, por preencher duas décadas da minha vida com generosidade e sorriso farto e me apontar para o que realmente importa.

Paul McCartney sentou-se frente ao teclado e eu rapidamente me pus na ponta dos pés na esperança de enxergar com mais nitidez o dedilhar de Let it Be. Menos de dez metros nos separavam. Ainda assim, era preciso algum malabarismo até posicionar o rosto numa fresta e ver as reações de Paul. Todo o espaço até o palco estava milimetricamente ocupado. Eram pessoas que, como eu, ainda não acreditavam estar ali, naquele salão prosaico de Brasília vendo de tão perto Paul McCartney.

Ele havia decidido fazer um show para pouquíssimos no Clube do Choro. Algumas centenas de pessoas - entre as 50 mil que estariam no Mané Garrincha dois dias depois - receberam por e-mail a chance de comprar o ingresso para aquela sessão intimista. Eu, que nunca havia conseguido nem completar cartela de bingo, lá estava a poucos passos de um dos maiores músicos da história. Eu e meus dedinhos esticados no limite, tentando o melhor ângulo enquanto cantava extasiada a letra de Let it Be.

Paul McCartney fez show intimista em Brasília. Foto: Reprodução de vídeo/Instagram @paulmccartney

Foi quando Paul nos brindou com algo extraordinário: errou. Foi rápido. Seria até pouco perceptível não tivesse ele feito uma pequena pausa e emendado “one, two, three”, dando a senha para que sua banda recomeçasse a melodia de Let it Be. Foram segundos suficientes para me mostrar que gênios também erram e deuses, às vezes, também se enganam.

Ocupei-me o restante do show a observar as nuances de mortalidade de Paul. O suor que brilhava na testa, o cabelo que teimava em cair no rosto, o sorriso cúmplice com os companheiros de banda aqui e ali. Aos 81 anos, bilionário, reconhecido e venerado em todo o mundo, Paul parecia genuinamente se divertir tocando naquele palco miúdo. Era um lembrete sobre o que importa na vida, sobre tirar o melhor de todos os momentos, sobre ver propósito no que se faz, sobre aproveitar a jornada.

Não é como se eu tivesse transformado a experiência no Clube do Choro em meditação filosófica. Cantei a plenos pulmões Hey Jude, dancei sem pudor Ob-La-Di, Ob-La-Da, pulei com tudo de mim em Hard Day ‘s Night. Mas, em meio a tudo isso, não dava para ignorar: eu estava diante de um dos homens mais bem-sucedidos que a humanidade já produziu e ele parecia satisfeito em tocar para alguns poucos desconhecidos, por pouco dinheiro, num ambiente abafado.

Antes de seguir, devo explicações ao leitor que chegou até aqui, pois sigo falando de Paul McCartney num espaço dedicado a tratar do poder. Há muito a se falar sobre política e voltaremos a ela na semana que vem. Nesta semana, no entanto, eu preciso falar de Paul. Nesta semana, eu preciso falar de Paul e também preciso falar de Pri.

Um dia após o show no Clube do Choro, recebi a dura mensagem de que Pri havia morrido. Priscila era uma das minhas melhores amigas há quase duas décadas. Havíamos nos conhecido na faculdade e, desde então, mesmo morando em cidades diferentes, estávamos presentes em absolutamente todos os momentos importantes da vida uma da outra. Pri tinha 40 anos recém-feitos, duas filhas pequenas. Era jovem, bonita, bem-sucedida e era, acima de tudo, uma unanimidade. Não havia quem falasse mal, fizesse reparos à Pri. Há seis meses, ela havia recebido o diagnóstico de câncer de pâncreas. Tentou o que deu, enquanto foi possível, mas não resistiu. Foi tudo muito rápido.

Nada prepara alguém para encarar uma doença assim tão avassaladora. Nada prepara alguém para aceitar a morte de alguém que amamos desta maneira. Uma de nossas amigas havia feito um altar com uma foto da Pri em casa para rezar por sua recuperação. Em desalento com a notícia, comentara que tinha pedido muito e que, naquele dia, achava que Deus não sabia de nada.

Não sou religiosa. Tenho até a minha fé, mas não serei eu a dizer se Deus sabe ou não o que faz. Mas o fato é que a semana - com seus eventos extraordinários e trágicos - me recordou que a vida corre, corre ligeira, corre depressa. É preciso tirar o melhor dela, preenchê-la com nossos amores e afetos, enquanto ela pulsa.

Obrigada, Paul, por me mostrar que a felicidade pode estar até o fim em pequenas coisas, que seguiremos errando e está tudo bem. Obrigada, Pri, por preencher duas décadas da minha vida com generosidade e sorriso farto e me apontar para o que realmente importa.

Paul McCartney sentou-se frente ao teclado e eu rapidamente me pus na ponta dos pés na esperança de enxergar com mais nitidez o dedilhar de Let it Be. Menos de dez metros nos separavam. Ainda assim, era preciso algum malabarismo até posicionar o rosto numa fresta e ver as reações de Paul. Todo o espaço até o palco estava milimetricamente ocupado. Eram pessoas que, como eu, ainda não acreditavam estar ali, naquele salão prosaico de Brasília vendo de tão perto Paul McCartney.

Ele havia decidido fazer um show para pouquíssimos no Clube do Choro. Algumas centenas de pessoas - entre as 50 mil que estariam no Mané Garrincha dois dias depois - receberam por e-mail a chance de comprar o ingresso para aquela sessão intimista. Eu, que nunca havia conseguido nem completar cartela de bingo, lá estava a poucos passos de um dos maiores músicos da história. Eu e meus dedinhos esticados no limite, tentando o melhor ângulo enquanto cantava extasiada a letra de Let it Be.

Paul McCartney fez show intimista em Brasília. Foto: Reprodução de vídeo/Instagram @paulmccartney

Foi quando Paul nos brindou com algo extraordinário: errou. Foi rápido. Seria até pouco perceptível não tivesse ele feito uma pequena pausa e emendado “one, two, three”, dando a senha para que sua banda recomeçasse a melodia de Let it Be. Foram segundos suficientes para me mostrar que gênios também erram e deuses, às vezes, também se enganam.

Ocupei-me o restante do show a observar as nuances de mortalidade de Paul. O suor que brilhava na testa, o cabelo que teimava em cair no rosto, o sorriso cúmplice com os companheiros de banda aqui e ali. Aos 81 anos, bilionário, reconhecido e venerado em todo o mundo, Paul parecia genuinamente se divertir tocando naquele palco miúdo. Era um lembrete sobre o que importa na vida, sobre tirar o melhor de todos os momentos, sobre ver propósito no que se faz, sobre aproveitar a jornada.

Não é como se eu tivesse transformado a experiência no Clube do Choro em meditação filosófica. Cantei a plenos pulmões Hey Jude, dancei sem pudor Ob-La-Di, Ob-La-Da, pulei com tudo de mim em Hard Day ‘s Night. Mas, em meio a tudo isso, não dava para ignorar: eu estava diante de um dos homens mais bem-sucedidos que a humanidade já produziu e ele parecia satisfeito em tocar para alguns poucos desconhecidos, por pouco dinheiro, num ambiente abafado.

Antes de seguir, devo explicações ao leitor que chegou até aqui, pois sigo falando de Paul McCartney num espaço dedicado a tratar do poder. Há muito a se falar sobre política e voltaremos a ela na semana que vem. Nesta semana, no entanto, eu preciso falar de Paul. Nesta semana, eu preciso falar de Paul e também preciso falar de Pri.

Um dia após o show no Clube do Choro, recebi a dura mensagem de que Pri havia morrido. Priscila era uma das minhas melhores amigas há quase duas décadas. Havíamos nos conhecido na faculdade e, desde então, mesmo morando em cidades diferentes, estávamos presentes em absolutamente todos os momentos importantes da vida uma da outra. Pri tinha 40 anos recém-feitos, duas filhas pequenas. Era jovem, bonita, bem-sucedida e era, acima de tudo, uma unanimidade. Não havia quem falasse mal, fizesse reparos à Pri. Há seis meses, ela havia recebido o diagnóstico de câncer de pâncreas. Tentou o que deu, enquanto foi possível, mas não resistiu. Foi tudo muito rápido.

Nada prepara alguém para encarar uma doença assim tão avassaladora. Nada prepara alguém para aceitar a morte de alguém que amamos desta maneira. Uma de nossas amigas havia feito um altar com uma foto da Pri em casa para rezar por sua recuperação. Em desalento com a notícia, comentara que tinha pedido muito e que, naquele dia, achava que Deus não sabia de nada.

Não sou religiosa. Tenho até a minha fé, mas não serei eu a dizer se Deus sabe ou não o que faz. Mas o fato é que a semana - com seus eventos extraordinários e trágicos - me recordou que a vida corre, corre ligeira, corre depressa. É preciso tirar o melhor dela, preenchê-la com nossos amores e afetos, enquanto ela pulsa.

Obrigada, Paul, por me mostrar que a felicidade pode estar até o fim em pequenas coisas, que seguiremos errando e está tudo bem. Obrigada, Pri, por preencher duas décadas da minha vida com generosidade e sorriso farto e me apontar para o que realmente importa.

Opinião por Renata Agostini

Jornalista e analista de política e economia da CNN

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