Retorno de militares ao poder com Bolsonaro é retratado em livro


Relações entre os civis e Forças Armadas na República é o tema principal ‘O Poder Camuflado’, do jornalista e e pesquisador Fábio Victor

Por Marcelo Godoy
Atualização: Correção:

Ninguém pode acusar os generais de terem sido enganados por notícias falsas quando decidiram apoiar Jair Bolsonaro, como se fosse possível moderar o presidente que diariamente produzia crises no cercadinho ou com suas publicações nas redes sociais. Ou que o negacionismo e o extremismo do presidente os tenha surpreendido. O reaparecimento dos militares ao cenário político depois da volta aos quartéis patrocinada por Leônidas Pires Gonçalves após o fim da ditadura militar, em 1985, até a chegada ao poder de Jair Bolsonaro é o tema do livro O Poder Camuflado, do jornalista e pesquisador Fábio Victor.

Mais do que Jair Bolsonaro e o bolsonarismo são as relações entre os civis e os militares na República o tema principal do livro de Victor. Mesmo assim, a obra faz um retrato de Bolsonaro e do caminho percorrido pelo capitão, proibido de entrar nos quartéis nos anos 1990 até a reabilitação daquele que um dia foi chamado de “mau militar” pelo presidente Ernesto Geisel, um homem que “faltou com a verdade”, conforme o editorial do Exército A Verdade: Símbolo da Honra Militar, publicado pelo ministro Leônidas Pires Gonçalves, em 1988.

Foi a ação do general Sérgio de Ary Pires, então no Superior Tribunal Militar e desafeto de Leônidas, que salvou Bolsonaro de ser demitido por ser indigno do oficialato, como ele havia sido declarado pelo Conselho de Justificação aberto por ordem do ministro. Victor entrevista o filho de Leônidas, que confirma a pendenga entre o pai e Ary Pires.

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O presidente Jair Bolsonaro durante cerimônia militar em Resende (RJ)  Foto: Isac Nóbrega/PR - 26/11/22

O capitão estava salvo e decidiu entrar na política. Foi ela – e o voto popular – que fez com que o personagem malvisto nos quartéis se tornasse o candidato escolhido pela quase totalidade dos militares nas urnas em 2018. E aqui Victor mostra uma diferença entre o desembarque na política feitos pelos militares até 1964 – onde predominavam razões exógenas à caserna, como a Guerra Fria – e a manifestação atual, eivada de razões endógenas, representadas pela defesa de interesses corporativos e pela resposta a agravos supostamente feitos ao estamento pela Comissão nacional da Verdade.

Aliada à ‘guerra ideológica’ patrocinada pelos ‘guerreiros ideológicos da Comunidade de Informações, como o general Sérgio Augusto de Avellar Coutinho, Victor examina a ascensão de Bolsonaro em seu tempo. Pouco a pouco o parlamentar se tornou um representante dos interesses do Exército no Congresso – e ali está a evolução dos recursos que o deputado destinou às Forças por meio de emendas a partir de 2009.

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O livro mostra ainda o emaranhado das relações entre os militares e os presidentes civis da Nova República e como o processo de reparação às vítimas do regime militar levou à constantes atritos com os governos e à queixas dos generais que se viam pagando uma pena por atos que não cometeram até que a Comissão Nacional da Verdade e a pressão para a revisão da Lei de Anistia envenenou os militares de vez com o governo de Dilma Rousseff (PT), abrindo caminho para a aproximação entre os generais Eduardo Villas Bôas e Sérgio Etchegoyen com Michel Temer (MDB), que assumiria a presidência após o impeachment de sua colega de chapa.

Nesse processo Victor traz revelações, como a declaração do general Marco Aurélio Almeida Rosa, que negou ter recebido qualquer sondagem de parlamentares de esquerda para a decretação de Estado de Defesa durante o impeachment de Dilma. O caso foi mais de uma vez citado por Bolsonaro e Villas Bôas e desmentido por Dilma. Villas Bôas afirmava que a sondagem teria sido feita à assessoria militar no Congresso. Rosa era então o chefe da assessoria e disse ao jornalistas que tal sondagem nunca aconteceu, que a história era mera “fofocaida, conversa de corredor, da arraia miúda do Congresso, mas jamais um fato efetivo”. Essa não seria a única notícia falsa que os generais engoliram quando lhes interessava.

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O jornalista aborda em seguinte o episódio do tuíte de Villas Bôas na véspera do julgamento do habeas corpus de Luiz Inácio Lula da Silva e exibe como o documento foi feito após consulta ao ministro da Defesa, general Silva e Luna, e outros oficiais generais que deram pitaco sobre a redação final da manifestação “contra a impunidade”. O Grande Mudo voltara a falar e a ocupar espaços a céu aberto no Poder. Victor mostra, por meio de um levantamento detalhado sobre a presença de militares na Esplanada, como o fenômeno se inicia no governo de Temer e se aprofunda no de Bolsonaro. E como o salvacionismo levou à defesa de interesses corporativos ao mesmo tempo que os investimento em defesa diminuem.

O livro de Victor merecia um complemento. É que a obra conclui sua análise a quente, como uma reportagem das movimentações de Bolsonaro contra as urnas eletrônicas e das manifestações com as quais pretendeu, segundo seus adversários, criar as condições para um golpe. A narrativa se conclui às vésperas do primeiro turno das eleições deste ano. Em uma segunda edição, certamente o autor poderá expandi-la até o fim do governo Bolsonaro e com o início do governo Lula afim de mostrar ao leitor as consequência da volta do poder aos civis e como ficaram as relações destes com os militares na volta da esquerda ao poder. Por enquanto, é desde já um dos mais completos relatos sobre as relações entre os civis e os militares neste governo, o que não é pouco.

Ninguém pode acusar os generais de terem sido enganados por notícias falsas quando decidiram apoiar Jair Bolsonaro, como se fosse possível moderar o presidente que diariamente produzia crises no cercadinho ou com suas publicações nas redes sociais. Ou que o negacionismo e o extremismo do presidente os tenha surpreendido. O reaparecimento dos militares ao cenário político depois da volta aos quartéis patrocinada por Leônidas Pires Gonçalves após o fim da ditadura militar, em 1985, até a chegada ao poder de Jair Bolsonaro é o tema do livro O Poder Camuflado, do jornalista e pesquisador Fábio Victor.

Mais do que Jair Bolsonaro e o bolsonarismo são as relações entre os civis e os militares na República o tema principal do livro de Victor. Mesmo assim, a obra faz um retrato de Bolsonaro e do caminho percorrido pelo capitão, proibido de entrar nos quartéis nos anos 1990 até a reabilitação daquele que um dia foi chamado de “mau militar” pelo presidente Ernesto Geisel, um homem que “faltou com a verdade”, conforme o editorial do Exército A Verdade: Símbolo da Honra Militar, publicado pelo ministro Leônidas Pires Gonçalves, em 1988.

Foi a ação do general Sérgio de Ary Pires, então no Superior Tribunal Militar e desafeto de Leônidas, que salvou Bolsonaro de ser demitido por ser indigno do oficialato, como ele havia sido declarado pelo Conselho de Justificação aberto por ordem do ministro. Victor entrevista o filho de Leônidas, que confirma a pendenga entre o pai e Ary Pires.

O presidente Jair Bolsonaro durante cerimônia militar em Resende (RJ)  Foto: Isac Nóbrega/PR - 26/11/22

O capitão estava salvo e decidiu entrar na política. Foi ela – e o voto popular – que fez com que o personagem malvisto nos quartéis se tornasse o candidato escolhido pela quase totalidade dos militares nas urnas em 2018. E aqui Victor mostra uma diferença entre o desembarque na política feitos pelos militares até 1964 – onde predominavam razões exógenas à caserna, como a Guerra Fria – e a manifestação atual, eivada de razões endógenas, representadas pela defesa de interesses corporativos e pela resposta a agravos supostamente feitos ao estamento pela Comissão nacional da Verdade.

Aliada à ‘guerra ideológica’ patrocinada pelos ‘guerreiros ideológicos da Comunidade de Informações, como o general Sérgio Augusto de Avellar Coutinho, Victor examina a ascensão de Bolsonaro em seu tempo. Pouco a pouco o parlamentar se tornou um representante dos interesses do Exército no Congresso – e ali está a evolução dos recursos que o deputado destinou às Forças por meio de emendas a partir de 2009.

O livro mostra ainda o emaranhado das relações entre os militares e os presidentes civis da Nova República e como o processo de reparação às vítimas do regime militar levou à constantes atritos com os governos e à queixas dos generais que se viam pagando uma pena por atos que não cometeram até que a Comissão Nacional da Verdade e a pressão para a revisão da Lei de Anistia envenenou os militares de vez com o governo de Dilma Rousseff (PT), abrindo caminho para a aproximação entre os generais Eduardo Villas Bôas e Sérgio Etchegoyen com Michel Temer (MDB), que assumiria a presidência após o impeachment de sua colega de chapa.

Nesse processo Victor traz revelações, como a declaração do general Marco Aurélio Almeida Rosa, que negou ter recebido qualquer sondagem de parlamentares de esquerda para a decretação de Estado de Defesa durante o impeachment de Dilma. O caso foi mais de uma vez citado por Bolsonaro e Villas Bôas e desmentido por Dilma. Villas Bôas afirmava que a sondagem teria sido feita à assessoria militar no Congresso. Rosa era então o chefe da assessoria e disse ao jornalistas que tal sondagem nunca aconteceu, que a história era mera “fofocaida, conversa de corredor, da arraia miúda do Congresso, mas jamais um fato efetivo”. Essa não seria a única notícia falsa que os generais engoliram quando lhes interessava.

O jornalista aborda em seguinte o episódio do tuíte de Villas Bôas na véspera do julgamento do habeas corpus de Luiz Inácio Lula da Silva e exibe como o documento foi feito após consulta ao ministro da Defesa, general Silva e Luna, e outros oficiais generais que deram pitaco sobre a redação final da manifestação “contra a impunidade”. O Grande Mudo voltara a falar e a ocupar espaços a céu aberto no Poder. Victor mostra, por meio de um levantamento detalhado sobre a presença de militares na Esplanada, como o fenômeno se inicia no governo de Temer e se aprofunda no de Bolsonaro. E como o salvacionismo levou à defesa de interesses corporativos ao mesmo tempo que os investimento em defesa diminuem.

O livro de Victor merecia um complemento. É que a obra conclui sua análise a quente, como uma reportagem das movimentações de Bolsonaro contra as urnas eletrônicas e das manifestações com as quais pretendeu, segundo seus adversários, criar as condições para um golpe. A narrativa se conclui às vésperas do primeiro turno das eleições deste ano. Em uma segunda edição, certamente o autor poderá expandi-la até o fim do governo Bolsonaro e com o início do governo Lula afim de mostrar ao leitor as consequência da volta do poder aos civis e como ficaram as relações destes com os militares na volta da esquerda ao poder. Por enquanto, é desde já um dos mais completos relatos sobre as relações entre os civis e os militares neste governo, o que não é pouco.

Ninguém pode acusar os generais de terem sido enganados por notícias falsas quando decidiram apoiar Jair Bolsonaro, como se fosse possível moderar o presidente que diariamente produzia crises no cercadinho ou com suas publicações nas redes sociais. Ou que o negacionismo e o extremismo do presidente os tenha surpreendido. O reaparecimento dos militares ao cenário político depois da volta aos quartéis patrocinada por Leônidas Pires Gonçalves após o fim da ditadura militar, em 1985, até a chegada ao poder de Jair Bolsonaro é o tema do livro O Poder Camuflado, do jornalista e pesquisador Fábio Victor.

Mais do que Jair Bolsonaro e o bolsonarismo são as relações entre os civis e os militares na República o tema principal do livro de Victor. Mesmo assim, a obra faz um retrato de Bolsonaro e do caminho percorrido pelo capitão, proibido de entrar nos quartéis nos anos 1990 até a reabilitação daquele que um dia foi chamado de “mau militar” pelo presidente Ernesto Geisel, um homem que “faltou com a verdade”, conforme o editorial do Exército A Verdade: Símbolo da Honra Militar, publicado pelo ministro Leônidas Pires Gonçalves, em 1988.

Foi a ação do general Sérgio de Ary Pires, então no Superior Tribunal Militar e desafeto de Leônidas, que salvou Bolsonaro de ser demitido por ser indigno do oficialato, como ele havia sido declarado pelo Conselho de Justificação aberto por ordem do ministro. Victor entrevista o filho de Leônidas, que confirma a pendenga entre o pai e Ary Pires.

O presidente Jair Bolsonaro durante cerimônia militar em Resende (RJ)  Foto: Isac Nóbrega/PR - 26/11/22

O capitão estava salvo e decidiu entrar na política. Foi ela – e o voto popular – que fez com que o personagem malvisto nos quartéis se tornasse o candidato escolhido pela quase totalidade dos militares nas urnas em 2018. E aqui Victor mostra uma diferença entre o desembarque na política feitos pelos militares até 1964 – onde predominavam razões exógenas à caserna, como a Guerra Fria – e a manifestação atual, eivada de razões endógenas, representadas pela defesa de interesses corporativos e pela resposta a agravos supostamente feitos ao estamento pela Comissão nacional da Verdade.

Aliada à ‘guerra ideológica’ patrocinada pelos ‘guerreiros ideológicos da Comunidade de Informações, como o general Sérgio Augusto de Avellar Coutinho, Victor examina a ascensão de Bolsonaro em seu tempo. Pouco a pouco o parlamentar se tornou um representante dos interesses do Exército no Congresso – e ali está a evolução dos recursos que o deputado destinou às Forças por meio de emendas a partir de 2009.

O livro mostra ainda o emaranhado das relações entre os militares e os presidentes civis da Nova República e como o processo de reparação às vítimas do regime militar levou à constantes atritos com os governos e à queixas dos generais que se viam pagando uma pena por atos que não cometeram até que a Comissão Nacional da Verdade e a pressão para a revisão da Lei de Anistia envenenou os militares de vez com o governo de Dilma Rousseff (PT), abrindo caminho para a aproximação entre os generais Eduardo Villas Bôas e Sérgio Etchegoyen com Michel Temer (MDB), que assumiria a presidência após o impeachment de sua colega de chapa.

Nesse processo Victor traz revelações, como a declaração do general Marco Aurélio Almeida Rosa, que negou ter recebido qualquer sondagem de parlamentares de esquerda para a decretação de Estado de Defesa durante o impeachment de Dilma. O caso foi mais de uma vez citado por Bolsonaro e Villas Bôas e desmentido por Dilma. Villas Bôas afirmava que a sondagem teria sido feita à assessoria militar no Congresso. Rosa era então o chefe da assessoria e disse ao jornalistas que tal sondagem nunca aconteceu, que a história era mera “fofocaida, conversa de corredor, da arraia miúda do Congresso, mas jamais um fato efetivo”. Essa não seria a única notícia falsa que os generais engoliram quando lhes interessava.

O jornalista aborda em seguinte o episódio do tuíte de Villas Bôas na véspera do julgamento do habeas corpus de Luiz Inácio Lula da Silva e exibe como o documento foi feito após consulta ao ministro da Defesa, general Silva e Luna, e outros oficiais generais que deram pitaco sobre a redação final da manifestação “contra a impunidade”. O Grande Mudo voltara a falar e a ocupar espaços a céu aberto no Poder. Victor mostra, por meio de um levantamento detalhado sobre a presença de militares na Esplanada, como o fenômeno se inicia no governo de Temer e se aprofunda no de Bolsonaro. E como o salvacionismo levou à defesa de interesses corporativos ao mesmo tempo que os investimento em defesa diminuem.

O livro de Victor merecia um complemento. É que a obra conclui sua análise a quente, como uma reportagem das movimentações de Bolsonaro contra as urnas eletrônicas e das manifestações com as quais pretendeu, segundo seus adversários, criar as condições para um golpe. A narrativa se conclui às vésperas do primeiro turno das eleições deste ano. Em uma segunda edição, certamente o autor poderá expandi-la até o fim do governo Bolsonaro e com o início do governo Lula afim de mostrar ao leitor as consequência da volta do poder aos civis e como ficaram as relações destes com os militares na volta da esquerda ao poder. Por enquanto, é desde já um dos mais completos relatos sobre as relações entre os civis e os militares neste governo, o que não é pouco.

Ninguém pode acusar os generais de terem sido enganados por notícias falsas quando decidiram apoiar Jair Bolsonaro, como se fosse possível moderar o presidente que diariamente produzia crises no cercadinho ou com suas publicações nas redes sociais. Ou que o negacionismo e o extremismo do presidente os tenha surpreendido. O reaparecimento dos militares ao cenário político depois da volta aos quartéis patrocinada por Leônidas Pires Gonçalves após o fim da ditadura militar, em 1985, até a chegada ao poder de Jair Bolsonaro é o tema do livro O Poder Camuflado, do jornalista e pesquisador Fábio Victor.

Mais do que Jair Bolsonaro e o bolsonarismo são as relações entre os civis e os militares na República o tema principal do livro de Victor. Mesmo assim, a obra faz um retrato de Bolsonaro e do caminho percorrido pelo capitão, proibido de entrar nos quartéis nos anos 1990 até a reabilitação daquele que um dia foi chamado de “mau militar” pelo presidente Ernesto Geisel, um homem que “faltou com a verdade”, conforme o editorial do Exército A Verdade: Símbolo da Honra Militar, publicado pelo ministro Leônidas Pires Gonçalves, em 1988.

Foi a ação do general Sérgio de Ary Pires, então no Superior Tribunal Militar e desafeto de Leônidas, que salvou Bolsonaro de ser demitido por ser indigno do oficialato, como ele havia sido declarado pelo Conselho de Justificação aberto por ordem do ministro. Victor entrevista o filho de Leônidas, que confirma a pendenga entre o pai e Ary Pires.

O presidente Jair Bolsonaro durante cerimônia militar em Resende (RJ)  Foto: Isac Nóbrega/PR - 26/11/22

O capitão estava salvo e decidiu entrar na política. Foi ela – e o voto popular – que fez com que o personagem malvisto nos quartéis se tornasse o candidato escolhido pela quase totalidade dos militares nas urnas em 2018. E aqui Victor mostra uma diferença entre o desembarque na política feitos pelos militares até 1964 – onde predominavam razões exógenas à caserna, como a Guerra Fria – e a manifestação atual, eivada de razões endógenas, representadas pela defesa de interesses corporativos e pela resposta a agravos supostamente feitos ao estamento pela Comissão nacional da Verdade.

Aliada à ‘guerra ideológica’ patrocinada pelos ‘guerreiros ideológicos da Comunidade de Informações, como o general Sérgio Augusto de Avellar Coutinho, Victor examina a ascensão de Bolsonaro em seu tempo. Pouco a pouco o parlamentar se tornou um representante dos interesses do Exército no Congresso – e ali está a evolução dos recursos que o deputado destinou às Forças por meio de emendas a partir de 2009.

O livro mostra ainda o emaranhado das relações entre os militares e os presidentes civis da Nova República e como o processo de reparação às vítimas do regime militar levou à constantes atritos com os governos e à queixas dos generais que se viam pagando uma pena por atos que não cometeram até que a Comissão Nacional da Verdade e a pressão para a revisão da Lei de Anistia envenenou os militares de vez com o governo de Dilma Rousseff (PT), abrindo caminho para a aproximação entre os generais Eduardo Villas Bôas e Sérgio Etchegoyen com Michel Temer (MDB), que assumiria a presidência após o impeachment de sua colega de chapa.

Nesse processo Victor traz revelações, como a declaração do general Marco Aurélio Almeida Rosa, que negou ter recebido qualquer sondagem de parlamentares de esquerda para a decretação de Estado de Defesa durante o impeachment de Dilma. O caso foi mais de uma vez citado por Bolsonaro e Villas Bôas e desmentido por Dilma. Villas Bôas afirmava que a sondagem teria sido feita à assessoria militar no Congresso. Rosa era então o chefe da assessoria e disse ao jornalistas que tal sondagem nunca aconteceu, que a história era mera “fofocaida, conversa de corredor, da arraia miúda do Congresso, mas jamais um fato efetivo”. Essa não seria a única notícia falsa que os generais engoliram quando lhes interessava.

O jornalista aborda em seguinte o episódio do tuíte de Villas Bôas na véspera do julgamento do habeas corpus de Luiz Inácio Lula da Silva e exibe como o documento foi feito após consulta ao ministro da Defesa, general Silva e Luna, e outros oficiais generais que deram pitaco sobre a redação final da manifestação “contra a impunidade”. O Grande Mudo voltara a falar e a ocupar espaços a céu aberto no Poder. Victor mostra, por meio de um levantamento detalhado sobre a presença de militares na Esplanada, como o fenômeno se inicia no governo de Temer e se aprofunda no de Bolsonaro. E como o salvacionismo levou à defesa de interesses corporativos ao mesmo tempo que os investimento em defesa diminuem.

O livro de Victor merecia um complemento. É que a obra conclui sua análise a quente, como uma reportagem das movimentações de Bolsonaro contra as urnas eletrônicas e das manifestações com as quais pretendeu, segundo seus adversários, criar as condições para um golpe. A narrativa se conclui às vésperas do primeiro turno das eleições deste ano. Em uma segunda edição, certamente o autor poderá expandi-la até o fim do governo Bolsonaro e com o início do governo Lula afim de mostrar ao leitor as consequência da volta do poder aos civis e como ficaram as relações destes com os militares na volta da esquerda ao poder. Por enquanto, é desde já um dos mais completos relatos sobre as relações entre os civis e os militares neste governo, o que não é pouco.

Ninguém pode acusar os generais de terem sido enganados por notícias falsas quando decidiram apoiar Jair Bolsonaro, como se fosse possível moderar o presidente que diariamente produzia crises no cercadinho ou com suas publicações nas redes sociais. Ou que o negacionismo e o extremismo do presidente os tenha surpreendido. O reaparecimento dos militares ao cenário político depois da volta aos quartéis patrocinada por Leônidas Pires Gonçalves após o fim da ditadura militar, em 1985, até a chegada ao poder de Jair Bolsonaro é o tema do livro O Poder Camuflado, do jornalista e pesquisador Fábio Victor.

Mais do que Jair Bolsonaro e o bolsonarismo são as relações entre os civis e os militares na República o tema principal do livro de Victor. Mesmo assim, a obra faz um retrato de Bolsonaro e do caminho percorrido pelo capitão, proibido de entrar nos quartéis nos anos 1990 até a reabilitação daquele que um dia foi chamado de “mau militar” pelo presidente Ernesto Geisel, um homem que “faltou com a verdade”, conforme o editorial do Exército A Verdade: Símbolo da Honra Militar, publicado pelo ministro Leônidas Pires Gonçalves, em 1988.

Foi a ação do general Sérgio de Ary Pires, então no Superior Tribunal Militar e desafeto de Leônidas, que salvou Bolsonaro de ser demitido por ser indigno do oficialato, como ele havia sido declarado pelo Conselho de Justificação aberto por ordem do ministro. Victor entrevista o filho de Leônidas, que confirma a pendenga entre o pai e Ary Pires.

O presidente Jair Bolsonaro durante cerimônia militar em Resende (RJ)  Foto: Isac Nóbrega/PR - 26/11/22

O capitão estava salvo e decidiu entrar na política. Foi ela – e o voto popular – que fez com que o personagem malvisto nos quartéis se tornasse o candidato escolhido pela quase totalidade dos militares nas urnas em 2018. E aqui Victor mostra uma diferença entre o desembarque na política feitos pelos militares até 1964 – onde predominavam razões exógenas à caserna, como a Guerra Fria – e a manifestação atual, eivada de razões endógenas, representadas pela defesa de interesses corporativos e pela resposta a agravos supostamente feitos ao estamento pela Comissão nacional da Verdade.

Aliada à ‘guerra ideológica’ patrocinada pelos ‘guerreiros ideológicos da Comunidade de Informações, como o general Sérgio Augusto de Avellar Coutinho, Victor examina a ascensão de Bolsonaro em seu tempo. Pouco a pouco o parlamentar se tornou um representante dos interesses do Exército no Congresso – e ali está a evolução dos recursos que o deputado destinou às Forças por meio de emendas a partir de 2009.

O livro mostra ainda o emaranhado das relações entre os militares e os presidentes civis da Nova República e como o processo de reparação às vítimas do regime militar levou à constantes atritos com os governos e à queixas dos generais que se viam pagando uma pena por atos que não cometeram até que a Comissão Nacional da Verdade e a pressão para a revisão da Lei de Anistia envenenou os militares de vez com o governo de Dilma Rousseff (PT), abrindo caminho para a aproximação entre os generais Eduardo Villas Bôas e Sérgio Etchegoyen com Michel Temer (MDB), que assumiria a presidência após o impeachment de sua colega de chapa.

Nesse processo Victor traz revelações, como a declaração do general Marco Aurélio Almeida Rosa, que negou ter recebido qualquer sondagem de parlamentares de esquerda para a decretação de Estado de Defesa durante o impeachment de Dilma. O caso foi mais de uma vez citado por Bolsonaro e Villas Bôas e desmentido por Dilma. Villas Bôas afirmava que a sondagem teria sido feita à assessoria militar no Congresso. Rosa era então o chefe da assessoria e disse ao jornalistas que tal sondagem nunca aconteceu, que a história era mera “fofocaida, conversa de corredor, da arraia miúda do Congresso, mas jamais um fato efetivo”. Essa não seria a única notícia falsa que os generais engoliram quando lhes interessava.

O jornalista aborda em seguinte o episódio do tuíte de Villas Bôas na véspera do julgamento do habeas corpus de Luiz Inácio Lula da Silva e exibe como o documento foi feito após consulta ao ministro da Defesa, general Silva e Luna, e outros oficiais generais que deram pitaco sobre a redação final da manifestação “contra a impunidade”. O Grande Mudo voltara a falar e a ocupar espaços a céu aberto no Poder. Victor mostra, por meio de um levantamento detalhado sobre a presença de militares na Esplanada, como o fenômeno se inicia no governo de Temer e se aprofunda no de Bolsonaro. E como o salvacionismo levou à defesa de interesses corporativos ao mesmo tempo que os investimento em defesa diminuem.

O livro de Victor merecia um complemento. É que a obra conclui sua análise a quente, como uma reportagem das movimentações de Bolsonaro contra as urnas eletrônicas e das manifestações com as quais pretendeu, segundo seus adversários, criar as condições para um golpe. A narrativa se conclui às vésperas do primeiro turno das eleições deste ano. Em uma segunda edição, certamente o autor poderá expandi-la até o fim do governo Bolsonaro e com o início do governo Lula afim de mostrar ao leitor as consequência da volta do poder aos civis e como ficaram as relações destes com os militares na volta da esquerda ao poder. Por enquanto, é desde já um dos mais completos relatos sobre as relações entre os civis e os militares neste governo, o que não é pouco.

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