Bastou encerrarem-se as propagandas eleitorais no rádio e na televisão, os debates, as entrevistas e sabatinas dos candidatos, para que Pablo Marçal resolvesse novamente lançar em seus canais nas redes sociais mais uma acusação a um adversário direto. Após prometer criar ondas na reta final da campanha, ele divulgou uma imagem do que dizia ser um laudo médico em que aponta o uso de cocaína por parte de Guilherme Boulos. Sabe agora que era uma farsa. Na reta final e com pouco tempo para que a história seja desmentida, espera ganhar votos enquanto desidrata um concorrente que disputa com ele palmo a palmo uma vaga no segundo turno.
Marçal conseguirá a atenção que queria e o tema já domina as redes sociais. Pouco importa que o número do documento de Boulos esteja errado no suposto receituário. Que o médico tenha morrido e não possa dizer se é fato o que ali está. Que a clínica onde o documento foi produzido seja de um vizinho e aliado de Marçal já condenado por falsificação de documento. Que sua ex-secretária tenha dito que a assinatur anão é dele. Ou mesmo que as redes de Guilherme Boulos estejam recheadas de imagens de suas agendas na véspera, no dia registrado no documento e nos seguintes, incluindo até a gravação de um vídeo dois dias depois da suposta recomendação de internação por uso de drogas.
A narrativa que Marçal apresenta era inverossímil: Boulos, já amplamente conhecido por ter disputado as eleições de 2018 a presidente da República, depois a de 2020 à Prefeitura de São Paulo, é levado em janeiro de 2021, em suposto surto psicótico, a uma clínica popular no Jabaquara, mesmo tendo pais médicos infectologistas renomados na capital, a mãe dirigindo uma unidade do Hospital das Clínicas da USP e o pai ex-diretor da Faculdade de Medicina da USP. Lá, é consultado por um hematologista, que dá um diagnóstico psiquiátrico. Mesmo assim, Boulos continua realizando agendas, publicando nas redes sociais, fazendo live naquele mesmo dia, gravando vídeos e participando de ações nos dias seguintes. Faz algum sentido?
Para Marçal importam menos os fatos. Foi assim durante toda a campanha, quando disparou acusações sem qualquer elemento probatório contra diversos aliados. Quando reconstruiu histórias reais para que parecessem um pouco mais do que eram. E, assim, conseguiu apoio para chegar às portas do segundo turno. De polêmica em polêmica, seu nome aparece todo dia.
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De nada adiantará o pedido de Boulos para que ele seja preso. Isso não acontecerá. Até mesmo por conta da legislação. Ou qualquer ação da Justiça Eleitoral, por mais rápida que seja. O assunto já está espalhado por grupos de WhatsApp afora, com o print da publicação que foi apagada posteriormente. Um direito de resposta de Boulos na rede social (reserva, pois a principal já havia sido retirada do ar por outro ilícito), ainda que fosse providenciado em tempo, não permitiria que a acusação fosse desmentida com a mesma eficácia.
Há precedentes que podem dar a Marçal – e eventualmente a São Paulo se ele acabar eleito – um destino melancólico alguns anos depois. Fernando Francischini foi cassado por compartilhar flagrante notícia falsa sobre as urnas eletrônicas. A decisão criou jurisprudência. A decisão condenou o então parlamentar por uso indevido dos meios de comunicação, além de abuso de poder político e de autoridade, práticas vedadas ela Lei de Inelegibilidade. Para Marçal, porém, parece valer o risco. E essa despreocupação, o sentimento de que vale a pena driblar as regras, o que foi verdade pelo menos até aqui, é um sinal bastante ruim para a Justiça Eleitoral e para a democracia brasileira.