Quatorze meses antes da ida dos eleitores às urnas na principal capital do país, o prefeito Ricardo Nunes (MDB) e o deputado federal Guilherme Boulos (PSOL) reinam praticamente sozinhos na articulação pública para viabilizarem suas candidaturas. Os dois anteciparam os debates com partidos e lideranças de modo a marcarem território, levando a uma cada vez mais nítida polarização, enquanto os demais concorrentes ainda patinam nos bastidores. Mas embora pareçam semelhantes, as estratégias dos dois têm especial diferença no timing do movimento mais agudo ao centro que necessariamente terá que fazer quem quiser vencer a eleição na maior cidade do país.
No caso de Guilherme Boulos, esse esforço de moderação no discurso é mais urgente e, exatamente por isso, já começou. Fortemente identificado na esquerda, por suas relações com os movimentos sociais, Boulos ganhou terreno com um discurso duro, que assusta sobretudo a classe média alta. Mudar os humores desse conjunto da sociedade pode ser determinante para garantir que, em 2024, ele não repita o segundo turno de 2020.
Apesar dessa necessidade de forçar uma centralização de sua imagem, Boulos recebeu o apoio formal do PT. Neste caso, porém, com outro objetivo: demonstrar força suficiente no campo da esquerda para neutralizar as demais candidaturas que poderiam fazer sombra ao seu nome, como a de Tabata Amaral (PSB) ou a dos próprios petistas descontentes com a entrega do protagonismo ao PSOL. Por isso foi necessária a celebração pública.
Com Ricardo Nunes, que já está mais ao centro, a lógica é diferente. A prioridade é tornar-se conhecido. E, neste caso, os encontros com Jair Bolsonaro, João Doria, com empresários e com outras lideranças na direita e na centro-direita, pela repercussão que provocam, funcionam para o momento. No caso de Bolsonaro, também garante que o campo mais extremo à direita fique interditado para um novo nome, o que seria mortal para Ricardo Nunes. Sanduichado entre um bolsonarista e um petista, ele teria enormes dificuldades de crescer em meio ao desconhecimento que ainda o assola.
Até aqui, Nunes vem se saindo bem na estratégia. Passou a ser considerado o nome mais viável para o momento na disputa com Boulos e matou no nascedouro a candidatura de Ricardo Salles, que foi dinamitada pelo PL com o apoio do próprio Bolsonaro. Com o peso de uma máquina robusta na capital financeira do país e como porto seguro para legendas que não abarcam posições tão extremas, como o MDB, PSD, PP, Republicanos e União Brasil, Nunes vai saindo de patinho feio a preferido das legendas que estão fora da esquerda. A ponto de uma parcela representativa do PSDB defender a hipótese de não ter candidato pela primeira vez em sua história para embarcar no apoio a ele.
Mas chegará o momento em que Ricardo Nunes terá também que ampliar os esforços em desfazer a vinculação com o bolsonarismo que constrói agora como efeito colateral da estratégia de fortalecimento. Ele já o faz esporadicamente, mas com cuidado para não melindrar a ala mais radical do ex-presidente. No ano que vem, porém, especialmente após o registro de candidaturas, quando não mais sofrer a ameaça de ser espremido com o surgimento de um bolsonarista, Nunes reforçará sua posição histórica ao centro. Só assim é possível vencer uma eleição na cidade de São Paulo, onde o ex-presidente é fortemente rejeitado, a ponto de fazer até o eleito Tarcísio de Freitas perder para Fernando Haddad, além de ter também sido derrotado em 2022.