É bastante cedo para a conclusão taxativa de que o ataque a Donald Trump em um comício na Pensilvânia tende a gerar a mesma consequência do atentado contra Jair Bolsonaro (PL) no Brasil em 2018. É fato que a situação traz um novo desafio aos democratas de como lidar com um adversário apresentado como vítima da violência política. Porém, por diversos aspectos, o cenário eleitoral é bastante diferente daquele experimentado no Brasil, o que torna impossível, já imediatamente, decretar que Trump está eleito. Ele já era favorito, continua favorito, talvez um pouco mais no cenário imediato, mas a eleição ainda não acabou.
Um primeiro ponto fundamental que difere os dois cenários é o tempo até a eleição. Quando Bolsonaro foi alvo de uma facada na rua Halfeld, em Juiz de Fora, em 6 de setembro de 2018, restava um mês para as eleições daquele ano. A pauta do atentado rendeu por semanas, alcançando o dia da votação do primeiro turno. Nos Estados Unidos, restam ainda quatro meses até a ida às urnas e o assunto dificilmente se manterá no mesmo patamar até lá.
Além disso, o estado de saúde de Bolsonaro era bastante mais grave do que o de Trump. O então candidato do PSL foi internado, sofreu intervenções cirúrgicas, precisou abdicar de toda a campanha e, debilitado, foi poupado por seus adversários. Também deixou de ir aos debates, ocasiões que eram esperança de desconstrução por parte de seus rivais. Trump, apesar do susto, deixou o palco em boas condições e poderá seguir sua campanha após alguns dias apesar da gravidade do ato praticado contra ele. O fato de ter deixado o palco erguendo o punho e dizendo que lutará só reforça isso.
Àquela época, Bolsonaro era um candidato em ascensão, mas ainda desconhecido de importante parcela do eleitorado. O atentado fez dele a figura mais conhecida do Brasil naquelas semanas e impediu justamente a desconstrução que seus adversários, em especial o hoje vice-presidente Geraldo Alckmin, na época no PSDB, planejavam para a reta final da campanha. Essa desconstrução era considerada fundamental para recuperar espaço na parcela antipetista do eleitorado que acabou ficando com Bolsonaro.
A situação de Donald Trump é bastante diferente. Ele já é conhecido por todos os norte-americanos, e a exposição não fará ele alcançar maiores parcelas do eleitorado que pudessem nunca ter ouvido falar daquele que foi presidente do país por quatro anos e já disputa sua terceira eleição seguida.
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Outra diferença marcante de 2018 no Brasil para 2024 nos Estados Unidos é o fato de que há menos espaço para um candidato crescer do que havia aqui. A polarização está dada, e nem é hoje, e são apenas dois candidatos viáveis na eleição americana. É difícil imaginar que uma parcela relevante de democratas possa mudar de lado rapidamente como se deu por aqui com a grande margem de indecisos e votos pulverizados que ainda tínhamos a um mês das eleições.
Por fim, olhando pelo lado dos democratas, também há o fato de que era Joe Biden quem estava nas cordas, e a mudança no noticiário, em algum aspecto, pode até fazê-lo ganhar fôlego, seja mudando um pouco o assunto e permitindo que arrefeça a pauta sobre sua idade, seja permitindo que ele se apresente como um estadista que, independentemente das diferenças, prestou toda solidariedade ao adversário e condenou o ato. Ou reforçar que é aquele que defende mais controle sobre armas e que prega o distensionamento da sociedade. Se, por outro lado, as pesquisas mostrarem que o cenário de fato piorou, poderia ampliar a pressão por sua desistência, o que não seria lamentado por grande parte dos democratas e poderia forçar uma mudança do jogo a depender do novo candidato escolhido.
Dizer tudo isso não significa desconsiderar a força que pode ter para a campanha de Trump a imagem dele, ensanguentado, erguendo o punho e prometendo lutar. É apenas dizer que cravar sua eleição definitivamente é desconsiderar que muita coisa ainda precisa ser entendida nos próximos dias e com as próximas pesquisas e que os Estados Unidos de 2024 não são o Brasil de 2018.