Traduzindo a política

Opinião|Bolsonarismo engordou Centrão que agora abraça Lula


Voto conservador impulsionado pelo ex-presidente inflou bancadas, que, em parte, foram entregues de bandeja a Lula por posições radicais ampliadas no pós-eleição

Por Ricardo Corrêa

Distante da polarização que dividiu famílias e tornou o Brasil um caldeirão de pólvora nas eleições de 2022 e cujos efeitos nas relações pessoais sentimos até hoje, há grupos que em momento nenhum tiveram seu futuro em risco. Esses estão no Centrão, em especial no PP e no Republicanos, alas do grupo que abraçam o governo Lula em meio a uma minirreforma ministerial. Um apoio envergonhado, é bem verdade, mas que deve se traduzir nos votos preciosos que Lula precisa para tocar uma mínima agenda em um Congresso hostil.

O Centrão que agora abraça Lula – à exceção da maioria do PL que pela vinculação mais íntima com Bolsonaro não pode dar as caras na Esplanada – é o mesmo que foi inflado pelo bolsonarismo, seja nas negociações que permearam o momento mais difícil do governo anterior, seja nas urnas. Não fosse o forte voto conservador que impactou a eleição em 2022 – e ao nosso sistema proporcional –, o PP não teria passado de 38 deputados quatro anos antes para 47. Nem o Republicanos teria ido de 30 para 41. Foi o bolsonarismo, com candidatos indelevelmente vinculados a ele espalhados nesses partidos – quem tornou o Centrão ainda mais “ão” e garantiu que ele tivesse força suficiente para fazer a difícil balança de um Congresso polarizado pender agora para o lado do Executivo.

Alexandre Padilha (esquerda) já anunciou André Fufuca (direita) como futuro ministro do governo Lula, mesmo ainda sem ministério confirmado Foto: Gil Ferreira/Ascom-SRI
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O próprio Bolsonaro, bem depois de ouvir o general Augusto Heleno cantar que “se gritar pega Centrão não fica um meu irmão”, afirmou, quando ainda não tinha escolhido o PL para se filiar, que o grupo o representava ou estava encarnado nele: “Eu sou do Centrão”. Foi uma escolha de Bolsonaro para sobreviver após esticar a corda com os demais Poderes e começar a ser massacrado pela oposição no Senado àquela altura. Ao se defender da incoerência da aliança para alguém eleito como outsider (ainda que nunca tenha sido), vitaminou os partidos que escancaravam a fantasia do conservadorismo para surfar no espaço que estava aberto de um país dividido.

Depois de fazê-los crescer, Bolsonaro e seus aliados convictos também contribuíram para entregar esse espólio a um governo de esquerda. Primeiro, com o 8 de janeiro, que tornou um pouco mais tóxica a vinculação ao núcleo do ex-presidente. Depois, com a posição intransigente do ex-presidente contra a reforma tributária na Câmara. Foi quando a dúvida se dissipou na cabeça de muitos parlamentares que ainda não sabiam se valia o desgaste para ingressar no governo atual.

Agora, o Centrão, ou grande parte dele, é Lula. E não é surpresa para ninguém que isso aconteça. Não bastasse a histórica vinculação desses partidos com os governos de ocasião, sejam eles quais forem, dias após a eleição já havia líderes do Centrão admitindo por aí que estar no Executivo era uma questão de tempo. E que só não se poderia fazer anúncios de apoio explícitos e imediatos para não melindrar um eleitorado bolsonarista que havia acabado de alçá-los ao Congresso. A cada dia que passa, porém, o clássico rebranding do Centrão, que ocorre sempre que há alternância de poder, vai ganhando corpo.

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E ao governo pouco importa o que esses grupos fizeram nos verões passados. Se na resolução para as eleições de 2024 o PT veda alianças com bolsonaristas, no governo Lula pode entrar quem abraçou Bolsonaro na campanha, quem votou pelo impeachment de Dilma Rousseff e até quem até ontem tinha vergonha de aparecer ao lado do hoje presidente. Se o objetivo é esticar o apoio, a porta agora está aberta é justamente para quem se elegeu de mãos dadas com Bolsonaro.

Margarete Coelho (de calça rosa em evento de campanha de Jair Bolsonaro em 2022) é cotada agora para presidir a Caixa no governo Lula, sob as bênçãos de Arthur Lira Foto: Reprodução/Instagram

É verdade que na escolha dos ministros - bizarramente anunciados antes de seus lugares serem definidos - a busca foi por nomes já próximos a figuras de esquerda. Silvio Costa Filho (Republicanos-PE), que o nome já entrega ser herdeiro de Silvio Costa, um fiel defensor dos governos petistas - e André Fufuca (PP-MA), com sua proximidade reconhecida com Flávio Dino - ajudam a dissolver a desconfiança. Margarete Coelho, a cotada para assumir a Caixa, porém, tem um bolsonarismo mais carimbado pelas imagens de campanha. Nesse caso, porém, importa mais é a fidelidade a Arthur Lira, o homem do destino do governo na Câmara.

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A entrada no governo será discreta. Formalmente, se dando à revelia dos comandos das duas legendas que não querem se indispor com os conservadores. Oficialmente, quem entra o faz na cota pessoal e por desejo próprio e não de um grupo. Não é verdade. E nem se espera que esses partidos entreguem todos os seus votos ao governo, evidentemente. Se mantiverem a taxa de governismo que ostentam hoje com uma bose dose de emendas e o aval pessoal de Lira (perto de 70% para cada um deles, e levemente maior no Republicanos), já será um grande avanço. Nas pautas econômicas e sociais, que fique claro. Nas ideológicas, de viés progressista, eles não ajudarão em nada. Mas com isso só a militância petista mesmo se preocupa. Lula, no máximo, simula também se preocupar, assim como um dia o Centrão simulou se preocupar com Bolsonaro.

Distante da polarização que dividiu famílias e tornou o Brasil um caldeirão de pólvora nas eleições de 2022 e cujos efeitos nas relações pessoais sentimos até hoje, há grupos que em momento nenhum tiveram seu futuro em risco. Esses estão no Centrão, em especial no PP e no Republicanos, alas do grupo que abraçam o governo Lula em meio a uma minirreforma ministerial. Um apoio envergonhado, é bem verdade, mas que deve se traduzir nos votos preciosos que Lula precisa para tocar uma mínima agenda em um Congresso hostil.

O Centrão que agora abraça Lula – à exceção da maioria do PL que pela vinculação mais íntima com Bolsonaro não pode dar as caras na Esplanada – é o mesmo que foi inflado pelo bolsonarismo, seja nas negociações que permearam o momento mais difícil do governo anterior, seja nas urnas. Não fosse o forte voto conservador que impactou a eleição em 2022 – e ao nosso sistema proporcional –, o PP não teria passado de 38 deputados quatro anos antes para 47. Nem o Republicanos teria ido de 30 para 41. Foi o bolsonarismo, com candidatos indelevelmente vinculados a ele espalhados nesses partidos – quem tornou o Centrão ainda mais “ão” e garantiu que ele tivesse força suficiente para fazer a difícil balança de um Congresso polarizado pender agora para o lado do Executivo.

Alexandre Padilha (esquerda) já anunciou André Fufuca (direita) como futuro ministro do governo Lula, mesmo ainda sem ministério confirmado Foto: Gil Ferreira/Ascom-SRI

O próprio Bolsonaro, bem depois de ouvir o general Augusto Heleno cantar que “se gritar pega Centrão não fica um meu irmão”, afirmou, quando ainda não tinha escolhido o PL para se filiar, que o grupo o representava ou estava encarnado nele: “Eu sou do Centrão”. Foi uma escolha de Bolsonaro para sobreviver após esticar a corda com os demais Poderes e começar a ser massacrado pela oposição no Senado àquela altura. Ao se defender da incoerência da aliança para alguém eleito como outsider (ainda que nunca tenha sido), vitaminou os partidos que escancaravam a fantasia do conservadorismo para surfar no espaço que estava aberto de um país dividido.

Depois de fazê-los crescer, Bolsonaro e seus aliados convictos também contribuíram para entregar esse espólio a um governo de esquerda. Primeiro, com o 8 de janeiro, que tornou um pouco mais tóxica a vinculação ao núcleo do ex-presidente. Depois, com a posição intransigente do ex-presidente contra a reforma tributária na Câmara. Foi quando a dúvida se dissipou na cabeça de muitos parlamentares que ainda não sabiam se valia o desgaste para ingressar no governo atual.

Agora, o Centrão, ou grande parte dele, é Lula. E não é surpresa para ninguém que isso aconteça. Não bastasse a histórica vinculação desses partidos com os governos de ocasião, sejam eles quais forem, dias após a eleição já havia líderes do Centrão admitindo por aí que estar no Executivo era uma questão de tempo. E que só não se poderia fazer anúncios de apoio explícitos e imediatos para não melindrar um eleitorado bolsonarista que havia acabado de alçá-los ao Congresso. A cada dia que passa, porém, o clássico rebranding do Centrão, que ocorre sempre que há alternância de poder, vai ganhando corpo.

E ao governo pouco importa o que esses grupos fizeram nos verões passados. Se na resolução para as eleições de 2024 o PT veda alianças com bolsonaristas, no governo Lula pode entrar quem abraçou Bolsonaro na campanha, quem votou pelo impeachment de Dilma Rousseff e até quem até ontem tinha vergonha de aparecer ao lado do hoje presidente. Se o objetivo é esticar o apoio, a porta agora está aberta é justamente para quem se elegeu de mãos dadas com Bolsonaro.

Margarete Coelho (de calça rosa em evento de campanha de Jair Bolsonaro em 2022) é cotada agora para presidir a Caixa no governo Lula, sob as bênçãos de Arthur Lira Foto: Reprodução/Instagram

É verdade que na escolha dos ministros - bizarramente anunciados antes de seus lugares serem definidos - a busca foi por nomes já próximos a figuras de esquerda. Silvio Costa Filho (Republicanos-PE), que o nome já entrega ser herdeiro de Silvio Costa, um fiel defensor dos governos petistas - e André Fufuca (PP-MA), com sua proximidade reconhecida com Flávio Dino - ajudam a dissolver a desconfiança. Margarete Coelho, a cotada para assumir a Caixa, porém, tem um bolsonarismo mais carimbado pelas imagens de campanha. Nesse caso, porém, importa mais é a fidelidade a Arthur Lira, o homem do destino do governo na Câmara.

A entrada no governo será discreta. Formalmente, se dando à revelia dos comandos das duas legendas que não querem se indispor com os conservadores. Oficialmente, quem entra o faz na cota pessoal e por desejo próprio e não de um grupo. Não é verdade. E nem se espera que esses partidos entreguem todos os seus votos ao governo, evidentemente. Se mantiverem a taxa de governismo que ostentam hoje com uma bose dose de emendas e o aval pessoal de Lira (perto de 70% para cada um deles, e levemente maior no Republicanos), já será um grande avanço. Nas pautas econômicas e sociais, que fique claro. Nas ideológicas, de viés progressista, eles não ajudarão em nada. Mas com isso só a militância petista mesmo se preocupa. Lula, no máximo, simula também se preocupar, assim como um dia o Centrão simulou se preocupar com Bolsonaro.

Distante da polarização que dividiu famílias e tornou o Brasil um caldeirão de pólvora nas eleições de 2022 e cujos efeitos nas relações pessoais sentimos até hoje, há grupos que em momento nenhum tiveram seu futuro em risco. Esses estão no Centrão, em especial no PP e no Republicanos, alas do grupo que abraçam o governo Lula em meio a uma minirreforma ministerial. Um apoio envergonhado, é bem verdade, mas que deve se traduzir nos votos preciosos que Lula precisa para tocar uma mínima agenda em um Congresso hostil.

O Centrão que agora abraça Lula – à exceção da maioria do PL que pela vinculação mais íntima com Bolsonaro não pode dar as caras na Esplanada – é o mesmo que foi inflado pelo bolsonarismo, seja nas negociações que permearam o momento mais difícil do governo anterior, seja nas urnas. Não fosse o forte voto conservador que impactou a eleição em 2022 – e ao nosso sistema proporcional –, o PP não teria passado de 38 deputados quatro anos antes para 47. Nem o Republicanos teria ido de 30 para 41. Foi o bolsonarismo, com candidatos indelevelmente vinculados a ele espalhados nesses partidos – quem tornou o Centrão ainda mais “ão” e garantiu que ele tivesse força suficiente para fazer a difícil balança de um Congresso polarizado pender agora para o lado do Executivo.

Alexandre Padilha (esquerda) já anunciou André Fufuca (direita) como futuro ministro do governo Lula, mesmo ainda sem ministério confirmado Foto: Gil Ferreira/Ascom-SRI

O próprio Bolsonaro, bem depois de ouvir o general Augusto Heleno cantar que “se gritar pega Centrão não fica um meu irmão”, afirmou, quando ainda não tinha escolhido o PL para se filiar, que o grupo o representava ou estava encarnado nele: “Eu sou do Centrão”. Foi uma escolha de Bolsonaro para sobreviver após esticar a corda com os demais Poderes e começar a ser massacrado pela oposição no Senado àquela altura. Ao se defender da incoerência da aliança para alguém eleito como outsider (ainda que nunca tenha sido), vitaminou os partidos que escancaravam a fantasia do conservadorismo para surfar no espaço que estava aberto de um país dividido.

Depois de fazê-los crescer, Bolsonaro e seus aliados convictos também contribuíram para entregar esse espólio a um governo de esquerda. Primeiro, com o 8 de janeiro, que tornou um pouco mais tóxica a vinculação ao núcleo do ex-presidente. Depois, com a posição intransigente do ex-presidente contra a reforma tributária na Câmara. Foi quando a dúvida se dissipou na cabeça de muitos parlamentares que ainda não sabiam se valia o desgaste para ingressar no governo atual.

Agora, o Centrão, ou grande parte dele, é Lula. E não é surpresa para ninguém que isso aconteça. Não bastasse a histórica vinculação desses partidos com os governos de ocasião, sejam eles quais forem, dias após a eleição já havia líderes do Centrão admitindo por aí que estar no Executivo era uma questão de tempo. E que só não se poderia fazer anúncios de apoio explícitos e imediatos para não melindrar um eleitorado bolsonarista que havia acabado de alçá-los ao Congresso. A cada dia que passa, porém, o clássico rebranding do Centrão, que ocorre sempre que há alternância de poder, vai ganhando corpo.

E ao governo pouco importa o que esses grupos fizeram nos verões passados. Se na resolução para as eleições de 2024 o PT veda alianças com bolsonaristas, no governo Lula pode entrar quem abraçou Bolsonaro na campanha, quem votou pelo impeachment de Dilma Rousseff e até quem até ontem tinha vergonha de aparecer ao lado do hoje presidente. Se o objetivo é esticar o apoio, a porta agora está aberta é justamente para quem se elegeu de mãos dadas com Bolsonaro.

Margarete Coelho (de calça rosa em evento de campanha de Jair Bolsonaro em 2022) é cotada agora para presidir a Caixa no governo Lula, sob as bênçãos de Arthur Lira Foto: Reprodução/Instagram

É verdade que na escolha dos ministros - bizarramente anunciados antes de seus lugares serem definidos - a busca foi por nomes já próximos a figuras de esquerda. Silvio Costa Filho (Republicanos-PE), que o nome já entrega ser herdeiro de Silvio Costa, um fiel defensor dos governos petistas - e André Fufuca (PP-MA), com sua proximidade reconhecida com Flávio Dino - ajudam a dissolver a desconfiança. Margarete Coelho, a cotada para assumir a Caixa, porém, tem um bolsonarismo mais carimbado pelas imagens de campanha. Nesse caso, porém, importa mais é a fidelidade a Arthur Lira, o homem do destino do governo na Câmara.

A entrada no governo será discreta. Formalmente, se dando à revelia dos comandos das duas legendas que não querem se indispor com os conservadores. Oficialmente, quem entra o faz na cota pessoal e por desejo próprio e não de um grupo. Não é verdade. E nem se espera que esses partidos entreguem todos os seus votos ao governo, evidentemente. Se mantiverem a taxa de governismo que ostentam hoje com uma bose dose de emendas e o aval pessoal de Lira (perto de 70% para cada um deles, e levemente maior no Republicanos), já será um grande avanço. Nas pautas econômicas e sociais, que fique claro. Nas ideológicas, de viés progressista, eles não ajudarão em nada. Mas com isso só a militância petista mesmo se preocupa. Lula, no máximo, simula também se preocupar, assim como um dia o Centrão simulou se preocupar com Bolsonaro.

Opinião por Ricardo Corrêa

Coordenador de política em São Paulo no Estadão e comentarista na rádio Eldorado. Escreve às quintas

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