Por onde se olha, no Executivo, no Legislativo ou no Judiciário, o que se vê é um país governado ou movimentado por pirraças, rancores e vinganças. É o que dá o tom dos temas que dominam os debates, declarações e decisões que, em uma democracia saudável e pacificada, tenderiam a ser baseados nos ideais de interesse público.
Exemplo claro dessa gestão baseada nos revides se dá nas atuações de Rodrigo Pacheco e, sobretudo, Arthur Lira, no comando das duas Casas no Congresso. Lira, por exemplo, irritado com a perda de espaço no governo, a briga pessoal com Alexandre Padilha, e com o fato de que teima em não aceitar o esvaziamento de sua força diante do inevitável fim do mandato no comando da Mesa, inventou de resgatar CPIs inócuas sobre assuntos debatidos cotidianamente, sem fatos determinados, que, como as demais recentemente realizadas no Congresso, não vão levar o país a nenhuma solução prática. Tudo, claro, para fustigar o governo e mostrar que ele ainda pode atrapalhar bastante qualquer pauta que Lula queira levar adiante. Em uma das CPIs, também move uma peça no sentido de se vingar do Supremo Tribunal Federal (STF) após decisões que levaram a buscas em gabinetes de parlamentares e à prisão do deputado Chiquinho Brazão, acusado de matar Marielle Franco.
O estilo vingativo de Lira, embora emblemático, se assemelha ao sentimento de grande parte dos parlamentares atualmente, na mesma cruzada contra o STF. Tanto na Câmara quanto no Senado, onde o presidente Rodrigo Pacheco, desde que foi avisado de que não seria indicado pelo governo a uma vaga na Corte e que seu futuro estava em uma disputa eleitoral de 2026, passou a também confrontar o STF com decisões que agradam ao público e à bancada bolsonarista. Foi o que se deu na votação da PEC das Drogas, criada e votada às pressas apenas para peitar o debate em andamento na Corte.
O próprio STF também parece agir com rancor e vingança em primeiro plano, que empurra penas excessivamente altas aos executores utilizados para os ataques de 8 de janeiro, que muda suas decisões para puxar de volta inquéritos contra políticos para tê-los nas mãos ou enfia tudo o que envolve ilícitos e supostos ilícitos praticados por Bolsonaro e sua trupe em um inquérito só, comandado justamente pelo principal alvo do bolsonarismo: o ministro Alexandre de Moraes. Também no STF e em outros espaços do Judiciário controlados por aliados de Moraes e Gilmar, há um claro sentimento de vingança e rancor com a Lava Jato que, entre erros (foram muitos) e acertos (igualmente), ousou desafiar o topo da classe política e flertou com investigações contra integrantes do próprio Judiciário.
Também Lula chegou inegavelmente ao poder movido por um sentimento de vingança contra Sergio Moro e a Lava Jato, que impuseram a ele mais de 580 dias preso na Superintendência da Polícia Federal no Paraná. A ponto de ter dito publicamente que, enquanto preso, afirmava que só estaria tudo bem ao “f… o Moro”.
Mas fosse apenas o embate contra um hoje senador com pouca expressão e articulação no Congresso, seria menos pior. O aspecto de vingança, pirraça e rancor no governo a afetar a imagem e a vida do brasileiro se dá no cenário externo. Movido pela ideia de que os norte-americanos tiveram papel preponderante na Lava Jato (seu entorno acha que tudo não passou de uma conspiração de americanos com a turma de Curitiba para quebrar players brasileiros no exterior), Lula resolveu romper a histórica relação de aliança entre o Brasil e os Estados Unidos para se alinhar a um outro bloco de países que inclui China, Rússia, Irã e mais uma penca de Nações que se unem na denominação de “Sul Global”. Na mesma linha da pirraça e rancor estão os embates com Israel, um aliado dos americanos e que foi usado como bandeira pelo bolsonarismo evangélico. Fosse pragmático e não agisse com o fígado, Lula não teria tirado o país da posição que sempre esteve nos conflitos no Oriente Médio: a de defensor da solução pacífica dos conflitos, com repúdio frontal ao terrorismo. O mesmo vale para o conflito entre os invasores russos e os ucranianos.
Onde mais uma gestão baseada no rancor, com uma guerra geral entre os representantes dos Três Poderes, vai nos levar? Dificilmente será na superação do cenário fiscal difícil que se avizinha, do alastramento do crime organizado se transformando em máfia, ou da epidemia de dengue. Problemas suficientes para render prioridade e atenção de nossos governantes se não estivessem hoje movidos por vingança.