Traduzindo a política

Opinião|Congresso finge que amplia combate ao crime enquanto ignora o que realmente pode fazer diferença


Constitucionalização da proibição das drogas e restrição a saidinhas são inócuas e debate sobre modernização de mecanismos para enfrentar a criminalidade não são prioridade

Por Ricardo Corrêa

De olho nos efeitos midiáticos que podem render frutos nesta ou na próxima eleição, que certamente serão marcadas pelo tema da segurança pública, as duas Casas do Congresso Nacional fingem enfrentar o problema com a aprovação de projetos sem tanto efeito prático. Medidas como a restrição das saidinhas de presos ou o reforço na Constituição da proibição do porte de drogas para consumo próprio, evidentemente, não vão resolver o problema. E podem até piorá-lo. O que realmente importa, que é uma melhora nos instrumentos para combater o crime organizado, enfrentando a lavagem de dinheiro e melhorando as ferramentas de inteligência, esses ficam em segundo plano.

Hoje, está claro que, embora o tráfico de drogas sustente as principais organizações criminosas no Brasil, é a capacidade de se infiltrar na sociedade, possibilitando a lavagem de dinheiro, que torna o negócio altamente lucrativo e difícil de ser combatido. Mas enfrentar o crime organizado que se alastra, inclusive em suas vinculações com agentes públicos, pressupõe a criação de novos mecanismos que também poderiam ser usados contra políticos, metidos historicamente em escândalos de corrupção.

CCJ do Senado aprovou nesta quarta-feira, 13, a chamada PEC das Drogas, para incluir a proibição do uso de entorpecentes na Constituição Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado
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Dificultar a modernização dos mecanismos de combate à lavagem de dinheiro inclui-se no mesmo pacote de estratégias que, nos últimos anos, dificultou a punição de agentes públicos por improbidade administrativa, que tenta impedir o fortalecimento do Ministério Público ou criar blindagens a determinados agentes, sempre sob o argumento de que é preciso proteger garantias.

Também não se interessam, Câmara e Senado, fortemente influenciados pela bancada da bala, por medidas que ampliem o controle sobre armas, cujos desvios por meio de CACs legalizados permitem engordar o arsenal que garante o controle territorial, talvez o aspecto de maior impacto a vida de milhões de brasileiros extorquidos e ameaçados cotidianamente pelos criminosos.

Enquanto isso, para passar a ideia à opinião pública de que enfrentam o problema, deputados e senadores oferecem pílulas que funcionam bem em discursos e postagens em redes sociais. A mais recente é o debate sobre a, vejam bem, “constitucionalização da proibição” do porte de drogas, aprovada na CCJ do Senado. Trata-se disso aí mesmo, a inclusão no texto constitucional do que já está expresso na Lei de Drogas de 2006 e que, na prática, não muda nada, pois nem mesmo a delimitação de critérios para a separação entre usuário e traficante essa mudança faz.

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O Senado aprovará a mudança apenas para reforçar seu posicionamento institucional diante do que considera um avanço indevido do STF sobre o poder de legislar. Contudo, estar ou não no texto constitucional a delimitação de que é proibido portar drogas não muda os debates que são travados na Corte, que estão ligados à constitucionalidade ou não de se punir alguém por algo que lesiona apenas a si próprio e à subjetividade de deixar que delegados daqui ou de lá tomem posições diferentes de acordo com a cor da pele ou a classe social do detido. A mudança aprovada no Senado não muda isso e nem impede o dever do STF de julgar o que fere ou não os direitos fundamentais do cidadão, cláusula pétrea da Carta Magna.

Já é proibido portar drogas, e o STF não quer mudar isso em sua essencialidade. O que determina a prisão de alguém por isso continua sendo a definição se tal cidadão estava ou não traficando, o que, repito, não mudará. Se mudasse, serviria para aumentar o encarceramento e o oferecimento de mais jovens para serem aliciados pelas facções criminosas que controlam as prisões brasileiras, o que pioraria o quadro em vez de melhorá-lo. Coisa que grande parte do mundo já percebeu e o Brasil, contaminado por debates ideologizados, não.

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Combate à criminalidade tem muito mais a ver com prevenção e uso de inteligência, cujos instrumentos precisam ser modernizados no Brasil Foto: WERTHER SANTANA/ESTADÃO CONTEÚDO

A discussão sobre a restrição à saidinha, já aprovada na Câmara, modificada no Senado e agora de volta ao debate entre os deputados, também é medida que não enfrenta efetivamente a criminalidade. Sua existência não é um beneplácito à criminalidade mas um incentivo ao bom comportamento do encarcerado, o que, se bem controlado, é benéfico à ressocialização. Episódios de fugas ou cometimento de crimes durante as saidinhas, não são a regra, mas a exceção. Igualar presos com bom e mau comportamento tende a elevar a tensão nas cadeias e alimentar o discurso de sedução que as organizações criminosas que controlam os presídios utilizam para cooptar cada vez mais integrantes.

Se fosse de fato o combate ao crime organizado o ponto central do debate no Brasil, uma estratégia nacional estaria sendo trabalhada entre Congresso, Judiciário, governo federal e gestões estaduais. Um debate técnico apresentaria mudanças legislativas que, em conjunto, funcionariam de forma complementar uma a outra para garantir que o Estado pudesse prevenir e desarticular as organizações em vez de enxugar gelo prendendo, trocando tiros, matando e morrendo diariamente país afora. Mas isso demanda tempo, medidas difíceis de explicar a cidadão e um trabalho por vezes silencioso, que não serve para as redes sociais e para a sempre próxima disputa eleitoral do ano corrente ou do seguinte.

De olho nos efeitos midiáticos que podem render frutos nesta ou na próxima eleição, que certamente serão marcadas pelo tema da segurança pública, as duas Casas do Congresso Nacional fingem enfrentar o problema com a aprovação de projetos sem tanto efeito prático. Medidas como a restrição das saidinhas de presos ou o reforço na Constituição da proibição do porte de drogas para consumo próprio, evidentemente, não vão resolver o problema. E podem até piorá-lo. O que realmente importa, que é uma melhora nos instrumentos para combater o crime organizado, enfrentando a lavagem de dinheiro e melhorando as ferramentas de inteligência, esses ficam em segundo plano.

Hoje, está claro que, embora o tráfico de drogas sustente as principais organizações criminosas no Brasil, é a capacidade de se infiltrar na sociedade, possibilitando a lavagem de dinheiro, que torna o negócio altamente lucrativo e difícil de ser combatido. Mas enfrentar o crime organizado que se alastra, inclusive em suas vinculações com agentes públicos, pressupõe a criação de novos mecanismos que também poderiam ser usados contra políticos, metidos historicamente em escândalos de corrupção.

CCJ do Senado aprovou nesta quarta-feira, 13, a chamada PEC das Drogas, para incluir a proibição do uso de entorpecentes na Constituição Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Dificultar a modernização dos mecanismos de combate à lavagem de dinheiro inclui-se no mesmo pacote de estratégias que, nos últimos anos, dificultou a punição de agentes públicos por improbidade administrativa, que tenta impedir o fortalecimento do Ministério Público ou criar blindagens a determinados agentes, sempre sob o argumento de que é preciso proteger garantias.

Também não se interessam, Câmara e Senado, fortemente influenciados pela bancada da bala, por medidas que ampliem o controle sobre armas, cujos desvios por meio de CACs legalizados permitem engordar o arsenal que garante o controle territorial, talvez o aspecto de maior impacto a vida de milhões de brasileiros extorquidos e ameaçados cotidianamente pelos criminosos.

Enquanto isso, para passar a ideia à opinião pública de que enfrentam o problema, deputados e senadores oferecem pílulas que funcionam bem em discursos e postagens em redes sociais. A mais recente é o debate sobre a, vejam bem, “constitucionalização da proibição” do porte de drogas, aprovada na CCJ do Senado. Trata-se disso aí mesmo, a inclusão no texto constitucional do que já está expresso na Lei de Drogas de 2006 e que, na prática, não muda nada, pois nem mesmo a delimitação de critérios para a separação entre usuário e traficante essa mudança faz.

O Senado aprovará a mudança apenas para reforçar seu posicionamento institucional diante do que considera um avanço indevido do STF sobre o poder de legislar. Contudo, estar ou não no texto constitucional a delimitação de que é proibido portar drogas não muda os debates que são travados na Corte, que estão ligados à constitucionalidade ou não de se punir alguém por algo que lesiona apenas a si próprio e à subjetividade de deixar que delegados daqui ou de lá tomem posições diferentes de acordo com a cor da pele ou a classe social do detido. A mudança aprovada no Senado não muda isso e nem impede o dever do STF de julgar o que fere ou não os direitos fundamentais do cidadão, cláusula pétrea da Carta Magna.

Já é proibido portar drogas, e o STF não quer mudar isso em sua essencialidade. O que determina a prisão de alguém por isso continua sendo a definição se tal cidadão estava ou não traficando, o que, repito, não mudará. Se mudasse, serviria para aumentar o encarceramento e o oferecimento de mais jovens para serem aliciados pelas facções criminosas que controlam as prisões brasileiras, o que pioraria o quadro em vez de melhorá-lo. Coisa que grande parte do mundo já percebeu e o Brasil, contaminado por debates ideologizados, não.

Combate à criminalidade tem muito mais a ver com prevenção e uso de inteligência, cujos instrumentos precisam ser modernizados no Brasil Foto: WERTHER SANTANA/ESTADÃO CONTEÚDO

A discussão sobre a restrição à saidinha, já aprovada na Câmara, modificada no Senado e agora de volta ao debate entre os deputados, também é medida que não enfrenta efetivamente a criminalidade. Sua existência não é um beneplácito à criminalidade mas um incentivo ao bom comportamento do encarcerado, o que, se bem controlado, é benéfico à ressocialização. Episódios de fugas ou cometimento de crimes durante as saidinhas, não são a regra, mas a exceção. Igualar presos com bom e mau comportamento tende a elevar a tensão nas cadeias e alimentar o discurso de sedução que as organizações criminosas que controlam os presídios utilizam para cooptar cada vez mais integrantes.

Se fosse de fato o combate ao crime organizado o ponto central do debate no Brasil, uma estratégia nacional estaria sendo trabalhada entre Congresso, Judiciário, governo federal e gestões estaduais. Um debate técnico apresentaria mudanças legislativas que, em conjunto, funcionariam de forma complementar uma a outra para garantir que o Estado pudesse prevenir e desarticular as organizações em vez de enxugar gelo prendendo, trocando tiros, matando e morrendo diariamente país afora. Mas isso demanda tempo, medidas difíceis de explicar a cidadão e um trabalho por vezes silencioso, que não serve para as redes sociais e para a sempre próxima disputa eleitoral do ano corrente ou do seguinte.

De olho nos efeitos midiáticos que podem render frutos nesta ou na próxima eleição, que certamente serão marcadas pelo tema da segurança pública, as duas Casas do Congresso Nacional fingem enfrentar o problema com a aprovação de projetos sem tanto efeito prático. Medidas como a restrição das saidinhas de presos ou o reforço na Constituição da proibição do porte de drogas para consumo próprio, evidentemente, não vão resolver o problema. E podem até piorá-lo. O que realmente importa, que é uma melhora nos instrumentos para combater o crime organizado, enfrentando a lavagem de dinheiro e melhorando as ferramentas de inteligência, esses ficam em segundo plano.

Hoje, está claro que, embora o tráfico de drogas sustente as principais organizações criminosas no Brasil, é a capacidade de se infiltrar na sociedade, possibilitando a lavagem de dinheiro, que torna o negócio altamente lucrativo e difícil de ser combatido. Mas enfrentar o crime organizado que se alastra, inclusive em suas vinculações com agentes públicos, pressupõe a criação de novos mecanismos que também poderiam ser usados contra políticos, metidos historicamente em escândalos de corrupção.

CCJ do Senado aprovou nesta quarta-feira, 13, a chamada PEC das Drogas, para incluir a proibição do uso de entorpecentes na Constituição Foto: Edilson Rodrigues/Agência Senado

Dificultar a modernização dos mecanismos de combate à lavagem de dinheiro inclui-se no mesmo pacote de estratégias que, nos últimos anos, dificultou a punição de agentes públicos por improbidade administrativa, que tenta impedir o fortalecimento do Ministério Público ou criar blindagens a determinados agentes, sempre sob o argumento de que é preciso proteger garantias.

Também não se interessam, Câmara e Senado, fortemente influenciados pela bancada da bala, por medidas que ampliem o controle sobre armas, cujos desvios por meio de CACs legalizados permitem engordar o arsenal que garante o controle territorial, talvez o aspecto de maior impacto a vida de milhões de brasileiros extorquidos e ameaçados cotidianamente pelos criminosos.

Enquanto isso, para passar a ideia à opinião pública de que enfrentam o problema, deputados e senadores oferecem pílulas que funcionam bem em discursos e postagens em redes sociais. A mais recente é o debate sobre a, vejam bem, “constitucionalização da proibição” do porte de drogas, aprovada na CCJ do Senado. Trata-se disso aí mesmo, a inclusão no texto constitucional do que já está expresso na Lei de Drogas de 2006 e que, na prática, não muda nada, pois nem mesmo a delimitação de critérios para a separação entre usuário e traficante essa mudança faz.

O Senado aprovará a mudança apenas para reforçar seu posicionamento institucional diante do que considera um avanço indevido do STF sobre o poder de legislar. Contudo, estar ou não no texto constitucional a delimitação de que é proibido portar drogas não muda os debates que são travados na Corte, que estão ligados à constitucionalidade ou não de se punir alguém por algo que lesiona apenas a si próprio e à subjetividade de deixar que delegados daqui ou de lá tomem posições diferentes de acordo com a cor da pele ou a classe social do detido. A mudança aprovada no Senado não muda isso e nem impede o dever do STF de julgar o que fere ou não os direitos fundamentais do cidadão, cláusula pétrea da Carta Magna.

Já é proibido portar drogas, e o STF não quer mudar isso em sua essencialidade. O que determina a prisão de alguém por isso continua sendo a definição se tal cidadão estava ou não traficando, o que, repito, não mudará. Se mudasse, serviria para aumentar o encarceramento e o oferecimento de mais jovens para serem aliciados pelas facções criminosas que controlam as prisões brasileiras, o que pioraria o quadro em vez de melhorá-lo. Coisa que grande parte do mundo já percebeu e o Brasil, contaminado por debates ideologizados, não.

Combate à criminalidade tem muito mais a ver com prevenção e uso de inteligência, cujos instrumentos precisam ser modernizados no Brasil Foto: WERTHER SANTANA/ESTADÃO CONTEÚDO

A discussão sobre a restrição à saidinha, já aprovada na Câmara, modificada no Senado e agora de volta ao debate entre os deputados, também é medida que não enfrenta efetivamente a criminalidade. Sua existência não é um beneplácito à criminalidade mas um incentivo ao bom comportamento do encarcerado, o que, se bem controlado, é benéfico à ressocialização. Episódios de fugas ou cometimento de crimes durante as saidinhas, não são a regra, mas a exceção. Igualar presos com bom e mau comportamento tende a elevar a tensão nas cadeias e alimentar o discurso de sedução que as organizações criminosas que controlam os presídios utilizam para cooptar cada vez mais integrantes.

Se fosse de fato o combate ao crime organizado o ponto central do debate no Brasil, uma estratégia nacional estaria sendo trabalhada entre Congresso, Judiciário, governo federal e gestões estaduais. Um debate técnico apresentaria mudanças legislativas que, em conjunto, funcionariam de forma complementar uma a outra para garantir que o Estado pudesse prevenir e desarticular as organizações em vez de enxugar gelo prendendo, trocando tiros, matando e morrendo diariamente país afora. Mas isso demanda tempo, medidas difíceis de explicar a cidadão e um trabalho por vezes silencioso, que não serve para as redes sociais e para a sempre próxima disputa eleitoral do ano corrente ou do seguinte.

Opinião por Ricardo Corrêa

Coordenador de política em São Paulo no Estadão e comentarista na rádio Eldorado. Escreve às quintas

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