O que une o ex-presidente Jair Bolsonaro ao presidente do PL, Valdemar Costa Neto, é nada mais nada menos do que muito dinheiro. E, por isso, não é uma fala daqui ou dali de elogio a Lula, um desentendimento sobre a campanha eleitoral de 2024 ou posições conflitantes sobre propostas em debate no Parlamento que vão “implodir” essa relação, como chegou a ameaçar o ex-chefe do Executivo. O recado de Bolsonaro, propositalmente vazado, serve apenas como satisfação a seus aliados e eleitores, sem que dê qualquer pista sobre eventual rompimento.
A parceria é financeiramente ótima para os dois. Valdemar garante controle de vasto recurso de fundo partidário e eleitoral que os deputados bolsonaristas ajudaram a conquistar em 2022 e podem contribuir novamente em 2026 e, em contrapartida, o ex-presidente e seus aliados ganham salários polpudos sendo empregados pelo PL. Não há qualquer constrangimento público que possa mudar isso, ao menos no curto prazo.
Embora seja difícil precisar quanto o PL perderia sem os bolsonaristas, o comparativo entre a última eleição geral antes da aliança com Bolsonaro e a primeira depois disso dá uma pista. Na comparação entre esses dois pleitos, o PL saiu de 40 deputados eleitos em 2018 (quando ainda se chamava PR) para 99 em 2022. Por causa desse crescimento, terá direito a um fundo eleitoral, em 2024, da ordem de R$ 870 milhões. Se considerarmos esse incremento de 60% no número de parlamentares após a aproximação com o bolsonarismo, poderíamos estimar que algo em torno de R$ 520 milhões desses recursos vieram da bancada que surgiu dessa aliança. Isso sem falar em cerca de R$ 120 milhões dos R$ 200 milhões anuais de fundo eleitoral que o PL tem direito. Em uma conta grossa, em um ciclo de quatro anos, com duas eleições com fundo eleitoral igual (considerando que não aumentará de novo em 2026), e quatro anos de fundo partidário nesse patamar, o PL poderá receber em torno de R$ 1,5 bilhão a mais graças ao incremento da bancada trazida por Bolsonaro.
E isso tem uma compensação clara quando se olha para a folha de pagamento do partido, bancada com esses recursos públicos. Só Jair Bolsonaro e a esposa Michelle receberam até outubro de 2023, segundo prestação entregue ao TSE, R$ 466 mil da sigla. Bolsonaro recebeu menos pois começou a ser remunerado depois, já que passou uma temporada nos Estados Unidos. Foram R$ 200.281,14 de maio a outubro. Considerando o salário mensal de R$ 30.483 bancado pela legenda, estima-se que, quando a prestação inteira estiver entregue, o valor repassado a ele em 2023 chegará a R$ 262 mil, sem contar eventual 13º salário. Já Michelle, que recebeu R$ 266.873,64 até outubro, poderia chegar a R$ 328 mil.
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Soma-se a isso o enorme investimento que o PL faz em figuras próximas a Bolsonaro, o que ajuda a aumentar a fidelidade a ele. O ex-ministro e vice em sua chapa derrotada em 2022, Walter Braga Netto, por exemplo, recebeu R$ 328.531,47 até outubro. Além disso, houve gastos de R$ 1.062.500 com a FW Comunicação, empresa do assessor e advogado Fábio Wajngarten, que presta serviços de comunicação. Além dele, pelo menos outros 10 ex-assessores de governo - da Presidência e da Vice-Presidência -, e um filho de um ex-ministro de Bolsonaro embolsaram um total de R$ 1.240.434,90 de janeiro a outubro do ano passado, para ficar apenas no levantamento dos salários mais altos.
Qual outro partido hoje teria fôlego financeiro para bancar tanta gente? Os poucos que existem têm líderes que não estão dispostos a dividir poder com Bolsonaro, que já se aproximaram suficientemente de Lula ou com quem o ex-presidente já rompeu. A construção de um partido também não é opção para ele após o fracasso do Aliança pelo Brasil. E, ainda que saísse do papel, só teria direito a verbas públicas após 2026, em caso de sucesso.
Assim, só uma coisa poderia mudar a relação de ganha-ganha entre Valdemar e Bolsonaro: um eventual enfraquecimento expressivo do bolsonarismo, o que não está no horizonte de curto prazo. Embora tenha experimentado algumas fissuras em seu apoio, com partidos de seus antigos aliados migrando para o governo, a força do ex-presidente ainda pode ser vista e sentida. A polarização continua persistente e é suficiente para gerar a perspectiva de que, novamente em 2026, as bancadas de PT e PL serão as principais beneficiadas pelo resultado das urnas, com reflexos no fundos partidário e eleitoral. Se até lá ou depois disso as coisas mudarem e Bolsonaro, inelegível e talvez até preso, deixar de influenciar um contingente tão grande de pessoas, Valdemar pode refazer as contas. Antes disso, a aliança é garantida ainda que não tenha nada a ver com ideologia ou admiração pessoal.