O prefeito de São Paulo, Ricardo Nunes (MDB), expandiu consideravelmente a quantidade de agendas externas nos meses que antecedem as eleições municipais de 2024. Levantamento do Estadão com base nos compromissos oficiais do mandatário mostra que o prefeito teve 236 eventos de rua entre 1º de janeiro e 13 de maio deste ano, contra 137 no mesmo período do ano passado, um aumento de 72%.
A estratégia do corpo a corpo com os eleitores vem ganhando força há cerca de 12 meses, com foco em vistorias e entregas de obras, além de eventos nos bairros denominados “Prefeitura Presente”. O ápice ocorreu justamente em abril deste ano, que foi o mês com mais agendas externas desde o início da gestão, 63.
Procurada para explicar a diferença, a gestão municipal declarou que os anúncios de inauguração são agendados conforme as obras e projetos ficam prontos. “Cada ação tem um prazo próprio de implantação e é, no mínimo, equivocado fazer qualquer relação entre esse rito e o ano eleitoral”, afirma a Prefeitura, acrescentando que a atual gestão passou “quase dois anos concentrando esforços no enfrentamento da pandemia de covid-19″. Opositores, por outro lado, reclamam do uso da máquina para benefício próprio.
Para o cientista político e professor da Fundação Getúlio Vargas (FGV) Marco Antonio Carvalho Teixeira, o aumento é significativo e mostra a importância dada ao prefeito em estar na rua como uma estratégia para se tornar mais conhecido do eleitorado paulistano. Ele lembra ainda que Nunes não foi eleito diretamente, e sim como vice na chapa de Bruno Covas, do PSDB, vindo a assumir o cargo em função da sua morte, em 2021. Até então, o emedebista era um vereador sem grande projeção na cidade em termos de voto. “Ele agora apostou tudo em obras, sobretudo as de recapeamento e manutenção da cidade, e curiosamente está entregando na véspera do processo eleitoral”, aponta.
Teixeira destaca que essa não é exatamente uma novidade e ocorreu, por exemplo, na tentativa de reeleição de outros prefeitos, como Marta Suplicy (PT), hoje vice na chapa do deputado federal Guilherme Boulos (PSOL). “Obviamente que a perspectiva é a colheita eleitoral. Ao mesmo tempo, precisamos ter um olhar crítico, porque isso mostra o quanto competir pela reeleição pende a balança para quem está no cargo. Transforma-se o evento administrativo em evento eleitoral, porque não dá para separar o candidato do prefeito. A competição é antecipada muito tempo antes e em condições completamente desiguais.”
A cientista política Vera Chaia, professora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC-SP), também entende que há uma estratégia eleitoral na quantidade de obras simultâneas na cidade, como o recapeamento de grandes avenidas. “É uma maneira de ele aparecer”, afirma. Ela ressalta, no entanto, que enquanto uma parte do eleitorado realmente acaba atraído por esse tipo de política, outra vê com desconfiança e deve levar mais em conta as soluções propostas para temas municipais complexos, como a Cracolândia e os apagões.
Os dados foram extraídos da agenda oficial de Nunes, disponibilizada diariamente no site da Prefeitura. Foram desconsiderados eventos internos e de acesso restrito, como reuniões privadas, despachos no gabinete, audiências com autoridades e entrevistas. Os compromissos depois foram classificados manualmente como obras e inaugurações, programas e ações diretas da Prefeitura ou participação em eventos realizados por terceiros, ainda que possam contar com apoio ou patrocínio do município.
Em ano eleitoral, obras dominam agenda
A análise permite constatar ainda que o prefeito tem priorizado obras, reformas e inaugurações de espaços. Foram raros os meses em que esse tipo de iniciativa, que envolve desde assinatura de ordens de serviço até vistorias e entregas, teve frequência maior do que os eventos durante o seu mandato. Desde janeiro, porém, a situação ocorreu quatro vezes de forma consecutiva. Foram 118 agendas, metade do total de compromissos na rua computados no levantamento.
Exemplo recente nesse sentido ocorreu no dia 9 de maio, quando o prefeito promoveu uma série de visitas a obras na zona sul da capital, incluindo a duplicação de uma via, a canalização de um córrego, a instalação de um parque e uma reforma de escola municipal. A maratona terminou em uma plenária com moradores de Parelheiros, no extremo sul da cidade, quando já era noite.
“Nós temos, hoje, acontecendo na cidade de São Paulo 1.800 obras. Gente, conta até 10, até 50, até 200, até 500 e imaginem. E por que a gente está conseguindo entregar e fazer tantas obras? Porque demos continuidade a um trabalho importante do Bruno e chegamos a um patamar de alto grau de investimento, com as finanças ajustadas”, disse o prefeito em sua fala, depois de enumerar detalhes sobre as visitas de mais cedo.
Candidata a vice de Boulos, a ex-prefeita Marta Suplicy obteve 37% dos votos válidos na eleição de 2016 em Parelheiros, um dos únicos locais em que o prefeito eleito, João Doria, perdeu para algum concorrente naquele pleito. Em votação equilibrada, Boulos também venceu Bruno Covas, do PSDB, no segundo turno das eleições de 2020, algo que só ocorreu em outras sete das 58 zonas eleitorais.
A zona leste, outro reduto petista, também recebe acenos do mandatário. Os compromissos, no entanto, estão espalhados por praticamente todos os bairros da cidade, como se pode notar a partir da geolocalização dos endereços informados na agenda oficial do prefeito este ano.
Adversários reclamam do uso da máquina
A priorização de obras é uma estratégia eleitoral que aparece desde o ano passado. Em junho de 2023, o MDB de São Paulo promoveu uma superexposição do prefeito na propaganda partidária de TV. O político aparecia na peça em um canteiro de obras fazendo elogios à sua gestão por construir moradias e deixar “asfalto novo em todo o canto da cidade”, entre outros pontos. E, mais de uma vez, Nunes atribuiu publicamente o seu crescimento nas pesquisas a obras feitas na cidade, sobretudo na periferia.
Adversários, por outro lado, reclamam do uso da máquina por Nunes em benefício próprio e de atalhos tomados pelo prefeito para acelerar as obras, com contratos emergenciais que dispensam licitação. Em setembro do ano passado, relatório do Tribunal de Contas do Município (TCM) apontou que esse tipo de contrato saltou de R$ 80 milhões em 2020 para R$ 2 bilhões em 2022.
“O gasto do Ricardo Nunes com as obras sem licitação foi maior do que os últimos quatro prefeitos somados. Obras sem transparência, superfaturadas e mal planejadas”, criticou a deputada federal Tabata Amaral (PSB), em postagem nas redes sociais. Ela tenta se viabilizar como alternativa a Nunes e Boulos em outubro e aparece em terceiro nas pesquisas.
Guilherme Boulos é outro que faz acusações ao prefeito em meio às obras emergenciais, mesmo na ausência de denúncia apresentada pelo Ministério Público de São Paulo (MP-SP) nesse sentido. “Os paulistanos merecem mais do que um prefeito cuja principal marca é ter contratos suspeitos em todas as áreas”, afirmou o deputado, em abril, também em publicação na internet. O prefeito tem rechaçado qualquer irregularidade e chegou a acionar Boulos judicialmente por conta de declarações semelhantes.
Nesta quarta-feira, 15, o PSOL foi à Justiça acusando Nunes de fazer campanha eleitoral antecipada em atos oficiais de inauguração de equipamentos e serviços públicos da Prefeitura. O partido de Boulos reclama que o prefeito estaria usando essas agendas para promover a sua candidatura e fazer propaganda negativa de adversários e pede que o emedebista seja multado em pelo menos R$ 15 mil.
O cientista político Marco Antonio Carvalho Teixeira pondera que não há como medir, concretamente, se o volume de obras simultâneas gera ganho ou perda eleitoral devido aos transtornos imediatos que elas podem causar à população, mas é fato que as pesquisas de opinião mostram crescimento de Nunes. “Esse crescimento pode ser por conhecimento ou por associação a entregas e ao volume de obras que estão sendo conduzidas na cidade”, explica.
Pelos levantamentos do Datafolha, por exemplo, o prefeito teve alta de 79% a 85% na taxa de conhecimento do eleitorado entre agosto de 2023 e março de 2024. O índice de aprovação do governo subiu de 23% para 29%, com a avaliação regular estática dentro da margem de erro de 3 pontos percentuais e desaprovação caindo de 31% para 24%. As sondagens eleitorais mais recentes mostram empate técnico entre Nunes e Boulos no 1º turno da eleição pela prefeitura de São Paulo, com vantagem para o emedebista nos cenários testados de 2º turno. O psolista tem um taxa de rejeição maior, de 34%, contra 26% do atual prefeito.
Para Vera Chaia, o corpo a corpo com o eleitor é uma das explicações para o desempenho recente de Nunes, mas não a única. “Ele colou a imagem dele no Bolsonaro e principalmente no Tarcísio de Freitas, que é um governante com avaliação mais positiva”, lembra. Da mesma forma, segundo ela, não se pode excluir a possibilidade de a campanha negativa nas redes sociais em cima de Boulos e do PT impulsionar os números do prefeito.