Enquanto a corrida pela Presidência da República terá segundo turno no próximo dia 30, a nova composição do Congresso revela um caminho de fortes embates na agenda ambiental. A pauta ganhou protagonismo diante da pressão internacional para que o Brasil contenha o desmate da Amazônia, sob ameaças de sanções econômicas de estrangeiros e cobrança interna do agronegócio, que tem medo de perder mercado.
A bancada ruralista do Congresso viu a recondução de parlamentares importantes e também houve um alto número de eleitos ligados ao presidente Jair Bolsonaro. O destaque foi o ex-ministro do Ambiente Ricardo Salles (PL), 4º deputado federal por São Paulo, com 640,9 mil votos.
Outra ex-ministra da área, Marina Silva (Rede), se elegeu com 237,5 mil votos. Ela deve ser uma das protagonistas da bancada ambientalista na Câmara, que perdeu representantes históricos e viu postulantes de peso ficarem de fora. Nos últimos quatro anos, avançaram no Congresso projetos de flexibilização das leis ambientais.
“É natural que tanto na parte do agro que me apoiou maciçamente como na Comissão de Meio Ambiente, eu tenha um papel importante”, afirmou Salles ao Estadão. “Tive o triplo de votos da Marina Silva. Se houve algum trabalho ambiental reconhecido pelos eleitores foi do meu lado e não o dela.”
Salles é lembrado por sua fala durante uma reunião ministerial de abril de 2020, que teve a gravação divulgada. Na ocasião, ele sugeriu que o governo deveria aproveitar as atenções da imprensa voltadas para a pandemia e “passar a boiada” na desregulamentação de regras ambientais.
Em maio do ano seguinte, o ex-ministro foi alvo de ação de busca e apreensão, em São Paulo e Brasília, da Polícia Federal, que investigou atos que afrouxaram regras de controle para exportação de madeira. Na época, ele classificou a ação como “exagerada” e “desnecessária”. Pouco tempo depois, ele saiu do governo.
Neófito na Câmara, o ex-ministro terá ao seu lado na bancada nomes reeleitos como Delegado Éder Mauro (PL), autor de projeto de lei (PL) que autoriza pequenos garimpos em reservas extrativistas, que são unidades protegidas. Na justificativa, ele diz que isso ajudaria pequenos garimpeiros a garantir o sustento familiar. Já ambientalistas afirmam que essas permissões causam perda de vegetação e danos aos cursos d’água.
Outro defensor da flexibilização de regras ambientais que teve o mandato renovado é Juarez Costa (MDB-MT), autor do PL 337/22, que exclui Mato Grosso da área da Amazônia Legal - classificação criada na década de 1950. A proposta muda o Código Florestal, com objetivo de diminuir a área de preservação em reservas legais dentro das propriedades rurais do Estado.
Na Amazônia Legal, essa reserva tem de ser de 80%, se estiver em áreas de florestas; 35%, em área de Cerrado; e 20% nos campos gerais. Fora da Amazônia Legal, o porcentual da reserva legal é de 20%. Segundo Costa, 4º deputado federal mais votado de Mato Grosso este ano, o custo de manter essas áreas protegidas é muito alto.
Mas os parlamentares da bancada do agronegócio, na maior parte membros do chamado Centrão, não têm atuação homogênea. Enquanto parte deles reivindica revogar regras ambientais mais restritivas, outros defendem normas intermediárias ou votam de acordo com orientações do partido.
O deputado reeleito Zé Silva (MDB-MG), por exemplo, é autor do projeto de lei da regularização fundiária, texto criticado por ambientalistas, que o apelidaram de PL da Grilagem. Por outro lado, também integra a Frente Parlamentar em Defesa dos Povos e Comunidades Tradicionais e defende transição sustentável no setor agropecuário.
Retorno ao Congresso
Nascida no Acre e com longo histórico de lutas ambientalistas desde a época em que convivia com Chico Mendes, assassinado em 1988, Marina retorna ao Congresso, mas não teve votação suficiente para levar correligionários, como Ricardo Galvão, ex-presidente do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (Inpe).
O cientista deixou o órgão federal após desentendimentos públicos com Bolsonaro, que pôs em xeque os dados de desmatamento da Amazônia medidos pelo instituto, reconhecidos internacionalmente. Além disso, a Rede Sustentabilidade, sigla fundada por Marina, só elegeu dois deputados (era uma na legislatura atual).
Marina deixou o PT em 2008, ainda no governo Lula, por não concordar com os rumos da política ambiental petista. Em sua carta de demissão, ela reclamou de “crescentes resistências junto a setores importantes do governo”. À época, ela havia sido preterida pelo ex-presidente e rivalizava com Dilma Rousseff, então ministra da Casa Civil, em razão do Plano de Aceleração do Crescimento (PAC). Marina teve de ceder ao licenciamento de obras de infraestrutura na região amazônica, como a usina hidrelétrica de Belo Monte.
Agora, Marina é cotada para ocupar novamente a pasta do Meio Ambiente em caso de vitória de Lula. Se ficar na Câmara, não terá ao seu lado nomes importantes da causa ambiental dos últimos anos, como o deputado Rodrigo Agostinho (PSB-SP), que coordenou a Frente Parlamentar Ambientalista, e Alessandro Molon (PSB-RJ), autor de projetos como a suspensão dos efeitos de decreto que reduziu a quantidade de participantes no Conselho Nacional do Meio Ambiente.
Também devem participar da discussão ambiental candidatos indígenas que saíram vitoriosos das urnas, segundo levantamento da Agência Câmara. Entre eles, estão Sônia Guajajara (SP) e Célia Xakriabá (MG), ambas do PSOL.
Já a militar Silvia Waiãpi (AP), foi eleita pelo partido de Bolsonaro. Ela é membro do grupo Liga da Lealdade, e será a única indígena da região Norte do Brasil na Câmara.
Correlação de forças
Para Pedro Luis Côrtes, professor da USP na área de ciência ambiental, a correlação de forças entre as bancadas do agro e ambientalista deve ser definida pelo peso dado pelo chefe do Executivo eleito ao setor.
Côrtes acredita que mesmo com uma bancada ruralista mais forte, são as políticas ambientais estabelecidas pelo próximo governo que irão nortear os limites da atuação dos deputados do setor. “Acredito que seja possível estabelecer uma interlocução, a depender de quem ocupar o Ministério do Meio Ambiente e o da Agricultura.”
Segundo o professor e Pós-Graduação em Ciência Ambiental do Instituto de Energia e Ambiente da USP, as prioridades para a nova legislatura devem ser norteadas por um ministério que fortaleça os órgãos de comando e controle, como o Ibama.
Com uma bancada do agronegócio mais forte, ele prevê que isso pode motivar queixas entre deputados, governadores e prefeitos ligados ao setor, mas confia que pode haver interlocução do Executivo. “O que não pode é cair na ideia de que o desenvolvimento e a preservação não conseguem conviver.”