Está na pauta do Supremo Tribunal Federal (STF) desta quinta-feira, 4, o julgamento da constitucionalidade do decreto que regulamenta a titulação de terras das comunidades remanescentes de quilombos. O julgamento, que pode ocorrer hoje ou nos próximos dias, causa apreensão entre quilombolas e organizações não governamentais. Se o decreto for considerado inconstitucional, quase 1400 processos de titulação que tramitam no Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) poderão ser paralisados.
O que está em discussão é o Decreto 4.887. Assinado em 2003 pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva, ele regulamenta o artigo 68 do Ato das Disposições Transitórias da Constituição de 1988 - que garantiu o direito dos quilombolas às terras que ocupam.
Em 2004, o Partido da Frente Liberal (PFL), atual Democratas (DEM), ajuizou uma Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) no STF questionando a validade legal do decreto, cujos itens abrangem questões de identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras.
Segundo o DEM, o decreto é ilegal porque invade a esfera do Legislativo. O partido também questiona o critério de autoatribuição para identificar os remanescentes de quilombos.
Hoje qualquer grupo pode se autoidentificar como quilombola. Se for reconhecido pela Fundação Cultural Palmares, também pode reivindicar as terras que ocupa junto ao Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra).
Ao se manifestarem sobre a chamada ADI 3239, a Procuradoria Geral da República e a Advocacia Geral da União (AGU) disseram que é improcedente. Mas o ministro Antônio Cezar Peluso, que foi relator do caso antes de se aposentar, votou pela inconstitucionalidade do decreto.
Em 2012, um pedido de vista, apresentado pela ministra Rosa Weber, interrompeu o julgamento, que agora retorna à pauta do STF.
Para a Comissão Pró-Índio de São Paulo, que acompanha a questão da titulação de terras de remanescentes de quilombos, a ação proposta pelo DEM faz parte de uma ofensiva conservadora cujo objetivo é impedir a efetivação dos direitos previstos na Constituição.
Em manifesto sobre o julgamento, a Comissão Pastoral da Terra (CPT) disse esperar que "os ministros do STF julguem a ADIN 3239 a partir dos direitos fundamentais da pessoa humana e não se enredem em questões minúsculas de formalidades jurídicas". Para a organização, o que está em jogo é "o direito de populações que historicamente foram discriminadas, massacradas, jogadas à margem da sociedade".
Quando os constituintes incluíram a questão das terras de remanescentes de quilombos no texto constitucional, estimava-se em torno de 100 o total de comunidades. Só neste ano, porém, foram certificadas 155 no Brasil. Ao todo, hoje, são 2.480 comunidades reconhecidas.
O número de comunidades com títulos de propriedade fundiária, porém, é muito inferior. No total são apenas 218 comunidades quilombolas, instaladas em 129 territórios, com 1,08 milhão de hectares.
Atualmente existem 1.386 processos de regularização fundiária abertos nas superintendências regionais do Incra.
Apesar do pequeno número de terras tituladas, o nível de tensão em torno da questão quilombola é menor do que no caso das terras indígenas. Segundo um assessor da Confederação Nacional da Agricultura (CNA), isso se deve em grande parte ao pagamento de indenizações.
No caso das disputas com os índios, os agricultores obrigados a sair das terras que eles reivindicam recebem indenizações apenas pelas benfeitorias - e o pagamento é feito com títulos da dívida agrária (TDAs). No caso dos quilombos, são pagas as benfeitorias e a terra, em dinheiro. O que causa mais debate na Justiça é o valor estipulado pelo governo.