Na noite de domingo de 8 de janeiro, a presidente Rosa Weber, acompanhada por alguns assessores e pelos ministros Dias Toffoli e Luís Roberto Barroso, que estavam em Brasília, chegou ao prédio do Supremo Tribunal Federal (STF) destruído por vândalos. Lentamente, foi passando os olhos pelos estragos. As cadeiras do plenário, que estava alagado, haviam voado para a calçada. O brasão da República foi arrancado da parede. A estátua “A Justiça”, de Alfredo Ceschiatti, estava pichada. Os vidros do prédio, quebrados.
Weber, ali mesmo, determinou um levantamento dos estragos e afirmou: “vamos reconstruir”. No dia seguinte, a presidente da Corte subiu até o seu gabinete. Retratos partidos, móveis arrebentados. Não conteve as lágrimas. Foi sua maior prova durante o mandato. “Ela fez uma gestão integradora e teve esse enorme desafio que foi o 8 de janeiro”, disse o ministro Gilmar Mendes, decano do Tribunal.
Foi o maior, mas sem dúvida não foi o único da ministra que se aposenta aos 75 anos, e que comandou as difíceis eleições para presidente da República, em 2018, na condição de presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Colegas são unânimes em citar que a senhora de fala doce, mas ferrenha determinação, deixa um grande legado de institucionalidade e o fim de dois mecanismos que, até então, ninguém conseguia acabar e que Gilmar Mendes chamava de “fraturas expostas”.
Entre as alterações regimentais que ela fez questão de promover, está a emenda estabelecendo que os pedidos de vista feitos antes da mudança ou as liminares concedidas antes da publicação das regras tenham 90 dias úteis para estarem aptas a voltar à pauta. “Ela colocou em pauta temas importantes para os direitos humanos e fundamentais, aperfeiçoou o regimento interno, com alterações necessárias e soube conduzir, com firmeza e maestria, a reconstrução do STF após os inomináveis ataques de 8 de janeiro”, afirmou o ministro Edson Fachin.
Weber foi a terceira mulher a ocupar o posto mais alto do Judiciário brasileiro. Antes dela, presidiram a Corte as ministras Ellen Gracie - que já se aposentou – e Carmen Lúcia, que comandou o STF de 2016 a 2018. “A experiência de compor o colegiado do Supremo Tribunal Federal sob a liderança da ministra presidente Rosa Weber foi verdadeiramente enriquecedora. Seu desempenho sólido como magistrada e sua postura profissional e pessoal, plenas de ética, decoro e responsabilidade, traduziram-se em decisões equilibradas e alinhadas com os princípios da Justiça”, acrescentou Fachin.
Mãe de dois filhos, Weber foi sempre elogiada por sua dedicação ao trabalho. “Este ano com ela foi muito diferente dos demais. Porque tudo que se passa no STF, ela gosta de saber. Tem alguns que criticam dizem que ela faz microgerenciamento e quer decidir tudo. Mas é isso que fez sua gestão diferenciada, porque quer se envolver em tudo”, disse um assessor do STF.
Gaúcha de Porto Alegre, Rosa Maria Pires Weber ingressou na magistratura trabalhista em 1976, como juíza substituta no Tribunal Regional do Trabalho da 4ª Região (Rio Grande do Sul). Foi professora da Faculdade de Direito da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul (PUC-RS), entre 1989 e 1990. Em dezembro de 2011, Weber foi indicada ao STF pela então presidente Dilma Rousseff. Em sua sabatina no Senado, afirmou: “Rosa Maria, magistrada há 35 anos. Tenho muito orgulho de ser uma juíza do Trabalho. É essa a minha formação profissional”
Edson Fachin
Diferentemente de outros colegas, a ministra muito raramente falava de improviso e escrevia ela mesma seus discursos e pronunciamentos. Foi dela a ideia de traduzir a Constituição para uma língua indígena e levar, ela mesma, os exemplares até uma tribo em São Gabriel da Cachoeira (AM). Sempre, também de acordo com esses assessores, teve uma personalidade integradora e, todos os dias, conversava com o ministro Gilmar Mendes. Buscava tomar decisões ouvindo os colegas e, com seu estilo suave, tirou da frente da pauta temas que se arrastavam já há bastante tempo como o do juiz de garantias, a ação penal do ex-presidente Fernando Collor e o marco temporal, a descriminalização das drogas e o aborto, um processo que ela mesma relatou e, no qual deixou seu voto a favor num parecer de 129 páginas, dado no plenário virtual. “Seguindo o exemplo que ela nos deixa, torço para que o presidente Lula escolha outra mulher para a vaga”, disse o ministro aposentado Marco Aurélio.
Segundo Fachin, por mais desafiadores que sejam os tempos atuais, a ministra demonstrou independência pessoal que fortaleceu a independência constitucional da Suprema Corte. “Assim, o caminho trilhado pela ministra presidente é digno de nossa reverência e de nosso profundo respeito. Colocou o exercício da Presidência do STF a serviço da judicatura na salvaguarda dos direitos fundamentais, como deve ser. Sua trajetória na Presidência deve ser sempre lembrada como um período de referência na história judiciária. A ministra Rosa Weber deixa um exemplo de ética e seriedade para os ministros que a sucederão na cadeira da Presidência”, afirmou Fachin.
Além de, como diz Fachin, Rosa Weber ter sido um exemplo de ética e seriedade, também foi, no comando da Casa, uma magistrada extremamente sensível. Ela mesma se definiu assim, nesta terça-feira, por chorar ao presidir a última sessão de seu mandato à frente do Conselho Nacional de Justiça (CNJ). Emocionada, disse: “É um verdadeiro mar de emoções que toma conta de mim. E eu estou com enorme necessidade de impedir que os diques internos se abram e que as lágrimas transbordem. Eu choro muito, eu sou muito chorona, mas as lágrimas elas sempre escorrem para dentro. Mas nesses dias elas têm teimado em mudar o rumo”.
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No mesmo pronunciamento, segundo ela, não pode existir maior honra para um magistrado, uma magistrada de carreira, do que exercer a jurisdição constitucional na Suprema Corte do país. “E sobretudo, porque nós temos uma lei fundamental, uma Constituição Federal cidadã, que nos incentiva a todos e serve como um norte na busca de uma sociedade, Márcio hoje lembrou, mais justa, mais solidária, mais fraterna, mais igualitária”, acrescentou.
Weber, que se aposenta nesta semana, é a primeira ministra a deixar o STF ao atingir o limite de idade durante o exercício da Presidência desde 2012. O último ministro a se aposentar compulsoriamente em meio ao comando da Corte – aos 75 anos – foi Ayres Britto. Se não fosse pela idade, ela teria mais um ano de mandato à frente da Corte e terminaria somente em setembro de 2024. Com seu afastamento, assume a presidência do STF, o ministro Luís Roberto Barroso.