A menos de cinco dias do primeiro turno das eleições municipais de 2024, os diretórios nacionais do PL e do PT já depositaram mais de R$ 217 milhões do fundo eleitoral diretamente nas contas de candidatos a prefeito nas capitais. O valor já supera o total de recursos que outros 21 dos 29 partidos brasileiros terão para gastar durante todo o processo eleitoral. As siglas do ex-presidente Jair Bolsonaro e do atual, Lula, detêm as maiores fatias do Fundo Eleitoral de Financiamento de Campanha (FEFC), que tem R$ 4,9 bilhões disponíveis para o pleito deste ano.
As principais apostas de PL e PT estão no Sudeste, onde candidatos concentram cerca de 50% do valor doado pelos escritórios nacionais das siglas até aqui, segundo dados do sistema DivulgaCandContas até o fim de setembro.
Guilherme Boulos (PSOL) recebeu R$ 30 milhões da direção nacional do PT para a disputa em São Paulo. É o candidato que mais recebeu recursos do partido de Lula, que até aqui doou R$ 82,7 milhões a suas apostas nas capitais. Depois de Boulos, aparecem os petistas Rogério Correia, que disputa a prefeitura de Belo Horizonte, com R$ 8 milhões, e Maria do Rosário, candidata em Porto Alegre, com R$ 7 milhões.
Já o principal beneficiado pela fatia do partido de Bolsonaro no Sudeste é Alexandre Ramagem (PL), que disputa a prefeitura do Rio. Ele recebeu R$ 26 milhões do fundão eleitoral até aqui. O PL já transferiu R$ 134,3 milhões a candidatos de capitais. Além de Ramagem, o investimento tem sido pesado nas campanhas de Ricardo Nunes (MDB), em São Paulo, e de Bruno Engler (PL), em Belo Horizonte, com R$ 17 milhões e R$ 15 milhões doados, respectivamente.
Para analistas ouvidos pelo Estadão, a disparidade entre cifras dos partidos pode reforçar a polarização no País, fazendo com que siglas com menos poder financeiro acabem tendo que se aglutinar em torno de PL e PT. “O resultado das eleições deste ano vai permitir que o Congresso e os partidos avaliem a eficácia da atual regra do fundo eleitoral”, disse o cientista político José Álvaro Moisés, da USP.
“A democracia não existe sem recursos, mas o problema é que estamos em um país de desigualdades e necessidades de recursos para políticas públicas. Então, a questão é sobre a quantidade alocada pelo Congresso para si mesmo e que acaba sendo usada de forma concentrada por partidos que vão se distanciar muito dos outros”, acrescentou Moisés.
Levantamento do Estadão com base em pesquisas recentes de intenção de voto mostra que candidaturas turbinadas pelo diretório nacional do PL têm chances de disputar o 2º turno em 15 capitais. Além de Nunes em São Paulo e Engler em Belo Horizonte, esse é o caso de candidatos como Sebastião Melo (MDB), em Porto Alegre, que já recebeu R$ 2,6 milhões do PL, e Beto Pereira (PSDB), de Campo Grande, a quem o partido de Bolsonaro doou R$ 7 milhões.
As chances de 2º turno de candidatos que receberam dinheiro do diretório nacional do PT são reduzidas a sete capitais, segundo as pesquisas mais recentes. Fábio Novo (PT), em Teresina (R$ 3 milhões até aqui), e Adriana Accorsi (PT), em Goiânia (R$ 4,9 milhões), aparecem nas pesquisas disputando vaga no 2º turno, assim como Boulos (São Paulo) e Maria do Rosário (Porto Alegre).
Candidatos no Nordeste também recebem boas quantias
Candidaturas das capitais nordestinas têm atraído a segunda maior quantidade de recursos públicos dos dirigentes de PL e PT entre as regiões do País. De olho em reverter o histórico mais favorável à esquerda na região, o diretório do PL já doou R$ 34,8 milhões a candidatos das principais prefeituras. Mais de um terço desse valor (R$ 13,2 milhões) está concentrado em uma aposta: André Fernandes (PL), na disputa pela prefeitura de Fortaleza. Candidatos do partido em Maceió (JHC), Recife (Gilson Machado) e Aracaju (Emilia Correa) receberam entre R$ 5 milhões e R$ 7 milhões.
Já o diretório nacional do PT, que doou R$ 19,9 milhões na região, priorizou até aqui repasses a suas candidaturas em Natal (Natália Bonavides, R$ 6,7 milhões) e também em Fortaleza (Evandro Leitão, R$ 4,3 milhões).
Além das candidaturas nas capitais, os diretórios nacionais dos partidos fazem repasses de recursos do fundão aos escritórios locais nos Estados e para candidaturas em cidades menores. Só ao diretório estadual mineiro do PT, por exemplo, o valor repassado foi de R$ 29,7 milhões. Para seu diretório de Rondônia, o PL doou R$ 6,3 milhões.
Como a maior parte dos recursos, por lei, deve ser utilizada no primeiro turno, a distribuição dos recursos do fundão é maior nesta primeira metade da disputa eleitoral. De acordo com os dados do DivulgaCandContas, mais de R$ 524 milhões aparecem como “doações” feitas pelo diretório nacional do PT, que tem R$ 619 milhões para usar ao todo. Na página do PL nacional, constam R$ 871 milhões em doações; o partido tem direito a R$ 886 milhões do fundão.
Em nota à reportagem, o PT defendeu o atual sistema de distribuição dos recursos do fundão. “O mesmo critério foi aplicado em outras legislaturas, outras eleições, outros períodos históricos, resultando em constantes alternâncias na posição relativa das legendas. O financiamento público das eleições e de parte das atividades partidárias, respeitado o critério da representatividade, é uma garantia democrática contra a privatização da política”, diz a sigla. O diretório nacional do PL foi procurado pela reportagem, mas não respondeu até o momento da publicação.
“As eleições municipais funcionam para indicar tendências para as eleições gerais”, afirmou Creomar de Souza, da Dharma Politics. “O esforço do bolsonarismo e do lulopetismo para gerar uma transformação no quadro de prefeituras nas capitais tem a ver com a mensagem que se quer passar para 2026, quando haverá disputa pelo Congresso. O uso dos recursos mostra a distorção de um sistema excessivamente baseado em financiamento público e um esforço das lideranças partidárias de buscarem mais a sobrevivência dos partidos do que a construção de um ambiente favorável à proposição de políticas públicas para o País”.