BRASÍLIA – O ministro Alexandre de Moraes vai participar de sua última sessão no Tribunal Superior Eleitoral (TSE) nesta quarta-feira, 29. A presidência do tribunal será assumida pela ministra Cármen Lúcia na próxima segunda-feira, 3, e a vaga de ministro deixada por Moraes será ocupada por André Mendonça. Embora a troca provoque uma mudança no perfil da Corte, com a ala considerada conservadora preenchendo a maioria das cadeiras, a expectativa é que o TSE mantenha a mão firme no combate às fake news.
A gestão de Moraes foi marcada pelo endurecimento do combate à desinformação e pela defesa do tribunal frente a ataques antidemocráticos. As medidas encabeçadas por Moraes nos últimos um ano e nove meses foram vistas por parte da sociedade como necessárias para preservar a democracia. Outra parte, contudo, vê exageros e considera que o TSE praticou censura.
Sob a presidência de Moraes, o TSE aprovou regras para as eleições de 2022 que, depois, foram absorvidas nas resoluções que vão guiar o pleito de 2024. Dentre elas, está a norma que deu mais poder ao TSE para determinar a remoção de conteúdos no período eleitoral e encurtou, de 48h para 2h, o prazo para as redes sociais retirarem fake news do ar.
Nesse período, a Corte também proibiu o porte de armas nos locais de votação no dia da eleição e vedou o uso do celular na cabine de votação. Em suas manifestações como presidente do TSE, Moraes reiterou por diversas vezes que o objetivo do tribunal é garantir a liberdade de escolha do eleitor. Em agosto de 2023, disse que o Judiciário precisou “inovar” para preservar a lisura das eleições diante de “uma agressão inédita, pelas redes sociais, à própria democracia”.
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Nos julgamentos sobre propaganda eleitoral, o TSE formou uma jurisprudência que, segundo especialistas, refinou o conceito de desinformação. As decisões determinaram a remoção de centenas de conteúdos que o tribunal julgou serem “sabidamente inverídicos” ou “gravemente descontextualizados”. Moraes disse ver uma nova geração de desinformação marcada pela “manipulação de premissas verdadeiras”.
As decisões mais duras contra fake news nem sempre foram unânimes, mas contavam com apoio de pelo menos quatro dos sete ministros. A mudança na composição da Corte deve mudar o jogo de forças, o que faz com que os ministros sabidamente alinhados a Moraes sejam apenas três (além de Cármen, Floriano Azevedo Marques, antigo amigo do ministro, e André Ramos Tavares), ou a minoria do tribunal.
Ainda assim, o TSE se mostrou unido ao votar as resoluções para as eleições de 2024, relatadas pela ministra Cármen Lúcia. O tribunal aprovou por unanimidade as normas que impõem, entre outros pontos, mais obrigações e responsabilidades às big techs para prevenir e combater a desinformação no período eleitoral.
Um ministro do TSE ouvido pela reportagem destacou que, de maneira geral, “o tribunal tem votado com bastante consenso”, o que indica que não deve haver uma mudança significativa na orientação do TSE sobre fake news. Esse ministro afirma, ainda, que Cármen conta com o apoio integral dos atuais ministros.
O ministro André Mendonça, ao ser eleito para assumir a cadeira de Moraes, teceu elogios ao colega. “Não posso deixar de consignar expressamente meu respeito, consideração e amizade, mas até mais do que isso, registro a gestão exitosa à frente do TSE, conduzindo o tribunal em tempos onde houve, por vezes, algumas turbulências, questionamentos, e Vossa Excelência conduziu com muita competência”, afirmou.
O advogado eleitoral Fernando Neisser também diz não ver, na prática, uma alteração no perfil da Corte no combate às fake news. “Isabel Galloti não tem nenhuma decisão que se possa dizer que seja afinada ao bolsonarismo. Tampouco vejo isso do próprio ministro André Mendonça e do Kássio Nunes Marques. Não acredito que passaremos a ter outro TSE, que vá ser tolerante contra atos antidemocráticos”, afirmou ao Estadão/Broadcast Político.
“O que a gente vai ver será muito menos uma mudança na linha das decisões do que uma mudança de estilo pessoal”, afirmou. Cármen, avalia ele, deve agir com menos enfrentamento público e ser mais cautelosa na relação pública. “O que tende a acontecer é o TSE refluir um pouco do centro das atenções, da opinião pública. Não é interessante que o tribunal seja o foco, o ideal é que tenha um papel mais lateral”, disse o advogado.
Cármen já indicou que o combate à desinformação será sua bandeira à frente da Corte. Uma das principais preocupações da ministra é o avanço da inteligência artificial (IA) e de deepfake, técnica que permite criar vídeos e áudios falsos para imitar rostos e vozes dos candidatos. Ela ajudou a promover um treinamento, já em andamento nos Tribunais Regionais Eleitorais (TREs), para capacitar juízes a identificar o uso da IA nas eleições.