Com 9,3 milhões de eleitores, São Paulo vai às urnas neste domingo, 27, para escolher quem irá administrar a cidade pelos próximos quatro anos. Ricardo Nunes (MDB), que assumiu em 2021, após a morte de Bruno Covas (PSDB), aparece como favorito nas últimas pesquisas de opinião pública. De outro lado, Guilherme Boulos (PSOL) faz sua segunda tentativa de chegar à Prefeitura, mas agora em um cenário diferente: com o apoio do presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) desde o primeiro turno e uma estrutura partidária robusta. Independentemente do vencedor, o próximo prefeito enfrentará desafios complexos que a maior metrópole da América Latina apresenta. Dentre as questões mais urgentes destacadas por especialistas ouvidos pelo Estadão estão a melhoria da aprendizagem, a adaptação da cidade às mudanças climáticas e a revitalização do centro, que deixou de ser frequentado por uma parcela da população nos últimos anos.
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O tumultuado primeiro turno da eleição paulistana deixou pouco espaço para a discussão de propostas. Em vez de tratar de temas de interesse da população, os encontros entre os candidatos foram marcados por trocas de acusações, ofensas pessoais e insinuações. Em duas ocasiões, o clima de tensão escalou e foi parar na delegacia: caso da “cadeirada” de José Luiz Datena (PSDB) em Pablo Marçal (PRTB) e do soco desferido por um integrante da equipe de Marçal contra o marqueteiro de Ricardo Nunes. Esses episódios desviaram o foco dos debates e prejudicaram a discussão de temas caros à população.
No segundo turno, a temperatura da disputa diminuiu de forma considerável, mas o confronto entre os candidatos ainda ocupou lugar central. A tempestade que causou um apagão na cidade fez com que a campanha se tornasse monotemática por alguns dias. No debate promovido pelo Estadão e a TV Record, em vez de focarem em propostas para a cidade, os candidatos preferiram resgatar o passado um do outro, em estratégia que irritou eleitores que participaram de uma pesquisa qualitativa.
Educação é destaque entre eleitores
Entre tantos temas que merecem a atenção do próximo gestor, a educação ocupa posição de destaque. Com um investimento por aluno superior à média nacional, São Paulo conseguiu superar desafios comuns a outras cidades do País na área, garantindo o acesso a creches, infraestrutura escolar e transporte aos seus alunos. No entanto, a rede municipal ainda não consegue garantir o ponto fundamental da educação, que é a aprendizagem, afirma Priscila Cruz, presidente executiva do Todos Pela Educação.
“Atualmente, São Paulo apresenta níveis baixos de aprendizagem nas avaliações nacionais. Quando consideramos o Índice de Desenvolvimento da Educação Básica (Ideb) e o Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb), a cidade está apenas no pelotão do meio no ranking das capitais do País. Além disso, de acordo com o ‘Indicador Criança Alfabetizada’, do governo federal, apenas 38% das crianças do município são alfabetizadas ao final do segundo ano – índice abaixo da média nacional, que é de 56%. A média nacional é baixa e a do município mais rico do País é baixíssima”, afirma a especialista.
Para Priscila Cruz, em grande medida, São Paulo não conseguiu implementar uma política exitosa de recomposição da aprendizagem no pós-pandemia.
“Os municípios que foram determinados em recuperar o que foi perdido têm hoje resultados muito superiores a São Paulo. Uma boa política de recomposição deve utilizar as avaliações como guia, adotar um currículo, estratégias pedagógicas e formação de professores voltados a não deixar nenhum aluno para trás.”
Enquanto 100% das crianças matriculadas em creches da rede municipal de São Paulo estão em tempo integral, na pré-escola, esse percentual é de apenas 11%, segundo levantamento do próprio Todos Pela Educação. Além disso, São Paulo ocupa a 6ª posição entre as capitais em porcentual de matrículas em tempo integral, ficando atrás de cidades como Belo Horizonte, Rio de Janeiro, Porto Alegre, Curitiba e Fortaleza, onde o índice chega a 67%.
Para a educação, Ricardo Nunes defende expandir o ensino integral para 500 mil alunos, com foco no ensino infantil e os ciclos de alfabetização da 1ª à 3ª série; construir 10 novos CEUs, oferecer 40 mil vagas para alunos do 9º ano fazerem cursinho pré-vestibulinho para as ETECs e Instituto Federal. Já Boulos, sugere implementar educação integral em todas as escolas; acompanhamento psicológico nas unidades e o Programa São Paulo Livre do Analfabetismo, em parceria com MOVA e Ciejas.
Além da educação, outra área que exigirá atenção da próxima gestão é a segurança, consolidada nas pesquisas de opinião como a principal preocupação dos paulistanos nesta eleição. Embora a cidade tenha conseguido reduzir crimes como furtos, roubos e homicídios no primeiro semestre deste ano, em comparação ao ano anterior, os índices continuam em patamar elevado, fazendo com que a sensação de insegurança persista entre os moradores da capital.
Para se ter uma ideia, nos primeiros seis meses do ano, os roubos caíram 12,5% em comparação a 2023. Ainda assim, a capital teve uma média de 325 ocorrências por dia. Somado a isso, em distritos como Itaquera, na zona Leste, e Heliópolis, na zona Sul, a tendência de queda não se confirmou, e os roubos aumentaram.
Para a área da segurança, Ricardo Nunes propõe a implementação de 40 mil câmeras sensoriais e câmeras em todas as escolas municipais; a contratação de mais de 2 mil Guardas Civis Municipais; e a expansão da Operação Delegada. Guilherme Boulos fala em dobrar o efetivo da GCM e implementar a estratégia de policiamento de proximidade que garante a presença física da GCM nas ruas, a partir do mapa de incidência criminal na cidade. Ele também quer posicionar viaturas da GCM em cada escola municipal durante a entrada e a saída dos alunos e ações de inteligência em conjunto com a Polícia Civil, Receita Federal e Polícia Federal para intervir em comércios que vendiam celulares roubados.
O centro de São Paulo, outrora símbolo da pujança econômica, sofre os impactos dessa crescente sensação de insegurança, que é agravada ainda pelos saques a comércios em plena luz do dia e pela atuação das gangues quebra-vidro.
Nos últimos anos, a região deixou de ser frequentada por uma parcela dos paulistanos e ganhou destaque nos noticiários pelas constantes mudanças de localização da cracolândia, um problema que persiste há três décadas, além do cenário de degradação urbana que se desenhou. De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) de 2022, um em cada cinco imóveis residenciais no centro está vazio.
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As soluções para revitalizar o centro e torná-lo novamente atrativo para a população passam, além de melhorar a segurança, por lidar com a população em situação de rua, que aumentou de forma significativa após a pandemia da Covid-19. O censo feito pela prefeitura em 2021 indica um universo de cerca de 32 mil pessoas em situação de rua na cidade. Mas de acordo com o Observatório Brasileiro de Políticas Públicas com a População em Situação de Rua (OBPopRua/POLOS-UFMG), no mês passado, a prefeitura registrou e informou ao governo federal, para o repasse de recursos relativos à gestão do CadÚnico, a existência de 86.344 sem-teto.
Ainda segundo dados do OBPopRua/POLOS-UFMG, São Paulo teve, no último mês, a segunda pior taxa de atualização do Cadastro Único (CadÚnico), porta de entrada para diversos benefícios sociais, incluindo o Bolsa Família e o Benefício de Prestação Continuada (BPC).
“A defasagem no cadastro não apenas prejudica o diagnóstico da pobreza na capital e a invisibilização de populações historicamente vulnerabilizadas, como afeta diretamente os recursos que capital paulista recebe do governo federal, já que os repasses financeiros são calculados com base na qualidade da gestão do CadÚnico no município”, explica André Dias, coordenador do OBPopRua/POLOS-UFMG. Ele ressalta que a atualização do cadastro deverá ser uma das medidas urgentes a serem adotadas pelo próximo prefeito da capital paulista.
O crescente contingente de pessoas morando nas ruas da cidade também está conectado com a discussão habitacional, que apresenta inúmeros desafios. Bianca Tavolari, professora da FGV Direito e pesquisadora do Centro Brasileiro de Análise e Planejamento (Cebrap), diz que a cidade precisa aprovar o quanto antes o Plano Municipal de Habitação, que está parado na Câmara Municipal desde 2015 e precisa ser atualizado. Segundo ela, a falta de dados sobre o déficit habitacional deixa São Paulo “no escuro” e prejudica a formulação de políticas públicas.
A especialista também cita como prioridade a regulação das plataformas de aluguel de moradia de curta duração, como Airbnb e Booking, um tema pouco abordado na disputa municipal, mas que tem contribuído para o aumento dos aluguéis em áreas com infraestrutura consolidada. Bianca ainda destaca a necessidade de o próximo prefeito ajustar a política de produção de habitação social por agentes privados.
“Há duas tarefas centrais. A primeira é entender o tamanho das fraudes na construção de moradias de habitação social com subsídio público. O Ministério Público está investigando 240 mil apartamentos que podem ter sido enquadrados como de baixa renda, mas vendidos para um público com poder aquisitivo. A segunda tarefa é criar mecanismos que garantam que essas moradias sejam destinadas a quem realmente precisa. Hoje, há uma narrativa de que a cidade de São Paulo produz milhares de unidades de interesse social, quando na verdade estamos mirando no limite da HIS2, que é uma categoria que atende famílias com renda de até 6 salários mínimos. E essas não são as mais vulneráveis. No formato atual, o setor privado recebe recursos públicos e vários benefícios para construir habitações sociais, mas essas unidades estão sendo destinadas a outros públicos e utilizadas para outros fins, como para virar Airbnb”, afirma Bianca.
Para o centro, Nunes defende a construção do veículo leve sobre trilhos central, a revitalização do Parque Dom Pedro II e a recuperação das escadarias da Avenida Nove de Julho, da Casa das Retortas e do futuro Parque do Bixiga, além da nova sede do governo do Estado. Já Boulos propõe intensificar a zeladoria no centro, com melhorias urbanas e acolhimento para a população de rua. Ele também defende que a revitalização o centro foque em economia criativa, que haja retrofit de prédios abandonados para o “Programa Meu Primeiro Escritório”, com salas comerciais para os jovens recém-formados.
Mudanças climáticas: assunto que pautou segundo turno é tema urgente
Se houve um tema que dominou o segundo turno em São Paulo, foi o impacto das mudanças climáticas na vida dos paulistanos. O apagão que atingiu 3,1 milhões de imóveis na capital paulista e na região metropolitana, no dia 11, tomou conta do primeiro debate entre Ricardo Nunes (MDB) e Guilherme Boulos (PSOL) e expôs não só a baixa qualidade dos serviços prestados pela Enel, a distribuidora de energia que atende a cidade, mas a necessidade urgente de preparar a capital paulista para eventos climáticos extremos.
As áreas verdes desempenham um papel fundamental nesse quesito, e, como destacado pela AgendaSP, a cidade de São Paulo possui mais de 50% de cobertura vegetal. No entanto, uma parcela significativa dessa vegetação está concentrada no extremo sul da capital. Dados da Plataforma UrbVerde de 2021 revelam que, na maior parte do território paulistano, a cobertura vegetal está abaixo do adequado (igual ou superior a 20%, segundo o critério da plataforma).
Ambos os candidatos têm propostas para enfrentar esse tema. Nunes quer, entre outras medidas, aumentar a área protegida para 26% por meio de desapropriações, além de criar 7 novos parques e implementar 200 jardins de chuva. Boulos, por sua vez, sugere a atualização do Plano Diretor de Drenagem e a criação de novos parques para formar Corredores Verdes pela cidade.
O plano de governo dos dois candidatos também prevê propostas de sustentabilidade na área de mobilidade. Nunes planeja transformar 50% da frota de ônibus municipais em veículos de zero emissão de carbono, enquanto Boulos defende a renovação de 50% da frota para modelos elétricos ou híbridos.
Como mostrou a AgendaSP, uma iniciativa do Estadão promovida logo no início da campanha eleitoral, esse tema pouco andou até agora: a Prefeitura prometeu, em 2009, substituir toda a frota de ônibus por veículos movidos à energia limpa até 2018. Depois, a meta mudou para substituir 20% da frota até o fim de 2024. Mas, dos cerca de doze mil ônibus, só 180 são elétricos à bateria.
O investimento em modais sustentáveis deve ser uma prioridade para a próxima gestão. Isso inclui não apenas a ampliação da frota de ônibus elétricos, mas o incentivo a deslocamentos a pé e de bicicleta. Até junho, São Paulo contava com 743 quilômetros de malha cicloviária.
A aposta no transporte coletivo, além de melhorar a qualidade do ar na cidade, pode ajudar a resolver outro problema que se arrasta há anos: as mortes no trânsito. No ano passado, o número de vítimas de acidentes foi o maior desde 2016: 928 pessoas perderam a vida no trânsito da capital paulista.
Para reduzir a letalidade no trânsito, Nunes pretende ampliar a Faixa Azul, corredor exclusivo para motos. Boulos, por outro lado, propõe expandir corredores de ônibus, BRTs e faixas exclusivas, priorizando o transporte coletivo em uma eventual gestão.
Orçamento: do caixa recorde à necessidade de contingenciamento
O orçamento de São Paulo foi outro tema que pautou a eleição. De um lado, o atual prefeito destacou que sua gestão conseguiu ajustar as finanças da cidade. Do outro, os adversários argumentam que há espaço orçamentário suficiente para viabilizar novas propostas e tirar projetos do papel.
No artigo “Governança do orçamento de São Paulo revisitada pós 2014. Da escassez à sobra de recursos”, a pesquisa do Centro de Estudos da Metrópole (CEM-Cepid/Fapesp) Ursula Dias Peres mostra que o saldo de caixa da prefeitura de São Paulo passou de R$ 7 bilhões, em dezembro de 2016, para R$ 29 bilhões, em 2022, caindo para pouco menos de R$ 25 bilhões em dezembro de 2023.
Esse crescimento foi impulsionado por mudanças estruturais na arrecadação de impostos, como o aumento no IPTU (Imposto Predial e Territorial Urbano) após a atualização da planta genérica de valores, e a elevação na arrecadação do Imposto sobre Serviços (ISS), o que se relaciona ao fato de que São Paulo deixou de ser um centro industrial para se tornar uma capital de serviços.
Além disso, a renegociação da dívida municipal e a reforma da previdência ajudaram a reduzir despesas, ampliando o espaço fiscal. A pandemia também teve impacto, mostra a pesquisadora, com pacotes de socorro fiscal e a suspensão de dívidas, o que permitiu à cidade poupar mais.
A perspectiva para os próximos anos, no entanto, não é de tanto otimismo, e dificilmente o cenário de caixa recorde se repetirá no curto prazo. Alexandre Pires, Professor de Economia e Relações Internacionais do Ibmec SP, afirma que a cidade registrou superávit no resultado orçamentário (saldo entre as receitas arrecadadas e as despesas) entre setembro de 2021 e setembro de 2022. No entanto, já apresentou déficits no mesmo intervalo de 2023 e 2024.
“Isso mostra que a Prefeitura está gastando mais do que arrecada, provavelmente devido ao aumento de gastos relacionado ao período eleitoral. Embora a próxima gestão possa usar o saldo de caixa para adiar um ajuste imediato, se não houver correção, o caixa eventualmente se esgota, as operações de crédito se tornam mais caras e será inevitável realizar um contingenciamento”, explica o professor.
Em nota, a Prefeitura não negou o déficit. Disse que não há nada que aponte risco para o equilíbrio fiscal do município. “O aumento recorde nos níveis de investimentos registrados nos últimos anos ocorreu justamente por conta da política fiscal responsável da administração municipal, que garantiu superávits financeiros que permitiram a realização de investimentos necessários para a melhoria na qualidade de vida dos paulistanos.” Sobre a taxa de atualização do Cadastro Único, afirmou que o CadÚnico é cumulativo e autodeclaratório e, por isso, não retrata a realidade da cidade em relação à população em situação de rua. “A cidade realizou neste ano um esforço enorme para atualização do Cadúnico com uma taxa de sucesso de 84%, superior àquela registrada em 2023 (77%).”