RIO - Em entrevista coletiva à imprensa nesta quinta-feira, 17,o procurador do Ministério Público Federal no Rio de Janeiro (MPF-RJ) Renato Oliveira informou que o pagamento de propinas a ex-funcionários da Petrobrás por pessoas ligadas à empresa holandesa SBM Offshore era uma recompensa pela obtenção de informações técnicas privilegiadas e pelo favorecimento em processos licitatórios. A procuradoria obteve provas de que o ex-diretor da Área Internacional, Jorge Luiz Zelada, repassou dados confidenciais da Petrobrás para a SBM.
Um dos documentos repassados à empresa holandesa tinha como autor “SG9W”, assinatura de Zelada no sistema da Petrobrás. “Houve pagamentos mensais de US$ 10 mil a Zelada por cerca de cinco anos (2007 a 2012) em troca de informações confidenciais e quaisquer outras informações estratégicas necessárias à SBM”, afirmou Olveira.
O esquema, porém, era mais amplo e começou no fim de 1997. Segundo os procuradores, a Petrobrás pagava à SBM o valor acertado em contrato, e a empresa holandesa repassava uma comissão a seus agentes de vendas (Julio Faerman e Luiz Eduardo Campos Barbosa da Silva). Duas empresas brasileiras (Faercom Energia Ltda. e Oildrive Consultoria em Energia e Petróleo Ltda.) recebiam 1% da comissão, recursos que eram legais.
O restante da comissão, que variava de 2% a 9%, era paga no exterior para contas em bancos na Suíça. Essas comissões somaram US$ 91 milhões, e os procuradores identificaram que US$ 42 milhões foram efetivamente propinas.
Ainda de acordo com a denúncia, a propina era dividida entre os agentes de vendas, funcionários da Petrobrás e executivos da SBM Offshore.Três membros do alto escalão foram denunciados pelo MPF-RJ: o atual vice-presidente para as Américas, Robert Zubiate e dois ex-presidentes da SBM, Didier Keller e Tony Mace.
Keller e Mace, já aposentados, devem responder ao processo em liberdade. Zubiate tem contra ele um mandado de prisão, e a Polícia Federal vai pedir ajuda à Interpol para cumprí-lo. “Houve necessidade de prisão preventiva, uma vez que ele é executivo ainda em atividade e poderia atrapalhar investigações e destruir provas”, disse o delegado Frederico Skora, da Polícia Federal.
Na Petrobrás, além de Zelada, participaram do esquema o ex-diretor de Serviços Renato Duque, o ex-gerente-executivo de Engenharia Pedro Barusco (que fechou acordo de delação premiada com a Justiça Federal do Rio de Janeiro) e Paulo Roberto Buarque Carneiro, que era membro da comissão de licitação de diversos contratos investigados. Carneiro foi preso nesta manhã em Angra dos Reis, na Costa Verde do Rio. Zelada e Duque estão presos em Curitiba devido à Operação Lava Jato.
As comissões começaram tímidas, ainda em 1997. “No começo, havia repasse de 0,25% do contrato para Carneiro, 0,25% para Barusco e 0,25% para Zubiate”, explicou o procurador Leonardo Cardoso de Freitas. Desde então, Zubiate sempre recebeu o mesmo porcentual de propina que os funcionários da Petrobrás, de acordo com a investigação.
Três executivos atuais da SBM Offshore tentaram travar as investigações brasileiras e responderão por favorecimento pessoal: o atual presidente da companhia, Bruno Chabas, o diretor de compliance, Sietze Hepkema, e o representante da SBM no Brasil, Philippe Jacques Levy.
De acordo com o procurador Renato Oliveira, a primeira das duas comissões internas de investigação instauradas pela Petrobrás foi fundamental para o trabalho do Ministério Público, que também tem pedido a colaboração dos investigadores da Lava Jato. “Por conta disso, tivemos um ponto de partida muito melhor do que normalmente teríamos em uma investigação deste porte”, disse.
O caso. Em fevereiro de 2014, um ex-funcionário da empresa holandesa SBM Offshore, que aluga navios-plataforma (FPSOs) a petroleiras, sugeriu que funcionários da Petrobrás receberam propina para fechar negócios. O relatório apontava o pagamento de US$ 250 milhões em subornos a autoridades de governos e de empresas estatais de diversos países, incluindo o Brasil.
As informações faziam parte de um dossiê da investigação feita pelo Ministério Público da Holanda. Julio Faerman, representante comercial da SBM no Brasil, seria o principal agente repassador das propinas. Ele teve seu acordo de delação premiada homologado pela Justiça Federal do Rio de Janeiro em agosto deste ano. O acerto com as autoridades brasileiras prevê a devolução de US$ 54 milhões.
Em abril do ano passado, a própria SBM informou oficialmente que pagou US$ 139,1 milhões a um representante no Brasil, mas que não encontrou evidências do pagamento das propinas. A empresa negocia um acordo de leniência com a Controladoria-Geral da União (CGU), ainda não fechado. Os valores em negociação poderiam chegar a R$ 1 bilhão, mas o órgão de controle não chegou a confirmar essa informação.
Por conta das tratativas de acordo, a SBM recebeu o aval da CGU para voltar a participar de licitações da Petrobrás. Em relação aos acordos fechados antes da investigação, a estatal estimava negócios no valor de US$ 27 bilhões com a empresa holandesa.
Em abril deste ano, o ex-diretor da SBM Offshore Jonathan David Taylor afirmou ao jornal Folha de S. Paulo que prestou depoimento e entregou mil páginas de documentos internos da empresa à Controladoria-Geral da União (CGU), com provas de pagamento de propina a funcionários da Petrobrás. As conversas com a CGU ocorreram entre agosto e outubro de 2014, em plena campanha eleitoral, mas o órgão só anunciou a abertura de processo contra a SBM em 12 de novembro, 17 dias após o segundo turno da eleição presidencial.