Sem diretrizes, emendas de vereadores de São Paulo favorecem redutos com ‘padrinhos’ na Câmara


Modelo replica prerrogativa de deputados federais e estaduais, mas carece sem regras precisas; como efeito, repasses às subprefeituras da capital destoam entre si; Câmara diz que respeita autonomia dos mandatos

Por Juliano Galisi
Atualização:

Desde 2021, cada vereador da Câmara Municipal de São Paulo dispõe, por ano, de R$ 5 milhões em emendas ao orçamento da cidade. Ao contrário do que ocorre com deputados federais e estaduais, não há diretrizes legais precisas para o direcionamento desse montante, e cada vereador é inteiramente autônomo para direcionar as próprias emendas, estabelecendo sua própria política de destinação dos valores. Como efeito, há regiões da capital paulista que recebem mais de 120 vezes mais recursos em emendas do que outras. O levantamento do Estadão também revela que, de forma proporcional ao orçamento de cada região, a distorção pode chegar a dez pontos porcentuais.

As 32 subprefeituras de São Paulo são instâncias regionais da administração municipal e, por possuírem dotação orçamentária própria, estão habilitadas a receber recursos por meio de emendas. De janeiro de 2021 a abril de 2024, R$ 160,21 milhões foram empenhados aos orçamentos das subprefeituras via indicação de parlamentares.

Vereadores podem destinar até cinco milhões de reais por ano em emendas ao orçamento da cidade de São Paulo Foto: Nilton Fukuda/Estadão
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O valor liberado não corresponde necessariamente aos recursos que, de fato, foram utilizados pela subprefeitura. O órgão pode receber verbas para determinado investimento mas não as utilizar de modo integral. De qualquer forma, o valor empenhado fornece estofo no orçamento para que uma subprefeitura realize obras estruturantes ou programas de governo, o que não ocorre de forma equânime em todas as regiões da cidade de São Paulo. A distribuição dos recursos não é igualitária e, na prática, quem tem mais “padrinhos” na Câmara recebe mais verbas.

Líder em emendas ganha até 120 vezes mais

O levantamento do Estadão com dados da Secretaria Municipal da Casa Civil demonstra que, entre 2021 e 2024, a diferença nos valores liberados para cada região chegou a mais de 120 vezes. A subprefeitura que mais recebeu empenhos no período foi a do Ipiranga, com R$ 13,8 milhões. Outras duas regiões também superaram a marca de R$ 13 milhões em emendas orçamentárias: Itaquera, com R$ 13,7 milhões, e Capela do Socorro, com R$ 13,5 milhões.

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O valor destinado ao Ipiranga é 124 vezes maior do que o montante destinado à Sé, a subprefeitura que menos recebeu verbas por meio de emendas na atual legislatura, com R$ 110 mil liberados. Desde 2021, além da Sé, outras duas subprefeituras registram empenhos em emendas abaixo de R$ 1 milhão: Cidade Tiradentes, com 835 mil, e Vila Mariana, com 928 mil.

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Quanto ao número de emendas liberadas, a Sé também é a última colocada, com apenas duas indicações desde 2021. Neste quesito, a região melhor elencada é a Capela do Socorro, com 75 emendas, seguida por Itaquera, com 45, e Santo Amaro, com 40.

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Distorção na extensão do orçamento

Anualmente, o orçamento da cidade de São Paulo destina um determinado valor a cada uma das 32 subprefeituras. De 2021 a 2023, as administrações regionais receberam, somadas, R$ 4,03 bilhões em recursos da Prefeitura. Já as emendas de vereadores neste período somam o montante de R$ 156,16 milhões. Isto quer dizer que, em média, as emendas parlamentares aumentaram em 3,73% o orçamento das subprefeituras paulistanas no período.

Ocorre que, em um comparativo proporcional, a distribuição dos recursos não é equânime. Entre 2021 e 2023, metade das 32 subprefeituras incrementou sua receita abaixo da linha dos 3,73%, o índice médio que, em tese, cada órgão deveria receber. O menor porcentual neste comparativo é justamente da Sé, que estendeu seu orçamento em 0,04%, As administrações de Vila Mariana e Ermelino Matarazzo, por sua vez, aumentaram suas receitas em apenas 0,71%.

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Enquanto algumas subprefeituras recebem menos recursos do que poderiam, há regiões que angariam quase três vezes mais do que o índice médio. Entre 2021 e 2023, a subprefeitura que mais expandiu seu orçamento com emendas de vereadores foi a do Ipiranga, com 10,65%, seguida por Capela do Socorro, com 9,49%, e Itaquera, com 9,39%.

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Sem normas, emendas são liberadas de modo disforme

Se a distribuição dos recursos é desigual entre as regiões da cidade, também há desproporção entre as verbas destinadas às secretarias municipais. Como mostrou o Estadão, de janeiro a abril deste ano, os vereadores de São Paulo direcionaram R$ 26,7 milhões em emendas para a Secretaria Municipal de Esportes e Lazer, uma quantia 356 vezes maior que o montante liberado para a pasta de Educação.

Tanto no caso das subprefeituras quanto no das secretarias, a diferença nos repasses ocorre porque não há restrição da Prefeitura ou da Câmara para o direcionamento dos recursos, ao contrário das emendas individuais de deputados federais ou estaduais de São Paulo. O legislador federal é livre para indicar o destino da verba, mas precisa, de forma obrigatória, fornecer ao menos 50% do montante para a área de Saúde. O modelo é replicado pelo Governo de São Paulo para as emendas dos deputados estaduais.

Quanto às emendas de vereadores, não há qualquer normativa do gênero. Questionada, a Câmara diz que “cada gabinete define a política pública ou área que deseja destinar recursos, conforme autonomia de cada mandato”. A Prefeitura reitera que as emendas são de “livre iniciativa dos vereadores”. A Secretaria de Casa Civil pode até negar a liberação do valor, mas não tem a prerrogativa de empenhá-los em áreas ou regiões específicas. “Não há direcionamento do Executivo, que apenas encaminha as indicações para análise de viabilidade dos órgãos responsáveis”, diz a Prefeitura, em nota.

Como efeito, cada um dos 55 vereadores estabelece uma doutrina própria para a liberação dos recursos e as estratégias, em muitos casos, destoam completamente entre si. Entre janeiro de 2021 e abril 2024, por exemplo, três vereadores destinaram 100% dos valores empenhados em emendas para as subprefeituras, enquanto outros onze encaminharam a integridade de suas indicações às secretarias municipais.

Políticos de ‘causas’ e de ‘territórios’

A preferência de um vereador quanto ao órgão executor das emendas pode indicar seu perfil de atuação política. É o que explica Mayra Goulart, professora de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

O primeiro fator a se considerar é que as indicações não são impositivas, ou seja, não precisam ser acatadas de modo obrigatório pela Prefeitura. Segundo Mayra, isso as torna “objetos de negociação” entre vereador e Prefeitura, “demandando um movimento mais expressivo de aproximação com o Executivo para que a emenda, de fato, seja liberada”. “As secretarias são parte do Executivo e mostram a aproximação do vereador com este poder”, diz a pesquisadora.

Mas há vereadores que contrariam a tendência, preferindo atuar de modo direto nas regiões da cidade. Nestes casos, o político prefere se engajar mais em prol de uma região do que eleger uma bandeira a empunhar durante o mandato. “É menos alguém associado a uma causa, um político de opinião, e tende a ter uma atuação mais territorial”, diz Mayra Goulart.

Arselino Tatto (PT) é o vereador que mais destinou emendas às subprefeituras na atual legislatura: desde 2021, o petista já encaminhou 66 emendas para as administrações regionais. Entre as indicações, 45 foram destinadas à Capela do Socorro, o que torna Arselino o vereador que mais liberou emendas a uma única subprefeitura.

“É onde eu milito há 50 anos”, diz o vereador sobre as regiões escolhidas para o direcionamento das verbas. “O vereador não é autônomo. No meu caso, me reúno nos bairros, aí o povo fala: ‘Olha, tem que fazer uma emenda aqui’. É assim que é decidido o encaminhamento”, diz Arselino.

O deputado estadual Reis (PT), vereador da capital entre 2021 e 2022, direcionou 100% de suas indicações para subprefeituras, totalizando R$ 2,5 milhões em empenhos, a maior cifra entre os parlamentares que optaram por investir apenas em subprefeituras. Questionado sobre a estratégia, o deputado diz que respondeu a “demandas populares, surgidas a partir de reuniões nos territórios”.

Reis destinou todas as suas emendas aos territórios, mas diversificou os investimentos entre cinco regiões. O vereador Xexéu Tripoli (União Brasil), por outro lado, investiu mais em secretarias do que em subprefeituras, mas, das sete emendas que indicou às regiões paulistanas, todas foram para Pinheiros. A assessoria do vereador, em nota, explica que Xexéu “tem uma íntima relação com a área, sendo um dos seus muitos residentes”.

Fiscalização dos valores

Além da ausência de diretrizes para a destinação dos montantes, a fiscalização da execução dos valores é comprometida por um entrave técnico. Ao analisar a viabilidade de um projeto e autorizar o repasse do valor, a Casa Civil o faz por meio de um processo administrativo, identificado no portal eletrônico da Prefeitura pro meio de um código denominado SEI (Sistema Eletrônico de Informações).

Ocorre que há um número SEI para o processo que libera valor e outro processo, na rubrica de outro SEI, para que o órgão indicado pelo vereador execute a verba liberada, sem que haja qualquer indicação de que um processo está associado ao outro.

O valor liberado não necessariamente é utilizado de forma integral. Além disso, uma emenda indicada para um único “objeto” – uma obra, um programa cultural ou afins – pode ser desmembrada em duas ou mais execuções. Sem que haja uma correlação entre os processos que liberam o valor da emenda e os que de fato a executam, a fiscalização acaba comprometida.

A Prefeitura foi questionada pelo Estadão sobre o entrave para fiscalizar a execução das emendas, mas não respondeu.

Desde 2021, cada vereador da Câmara Municipal de São Paulo dispõe, por ano, de R$ 5 milhões em emendas ao orçamento da cidade. Ao contrário do que ocorre com deputados federais e estaduais, não há diretrizes legais precisas para o direcionamento desse montante, e cada vereador é inteiramente autônomo para direcionar as próprias emendas, estabelecendo sua própria política de destinação dos valores. Como efeito, há regiões da capital paulista que recebem mais de 120 vezes mais recursos em emendas do que outras. O levantamento do Estadão também revela que, de forma proporcional ao orçamento de cada região, a distorção pode chegar a dez pontos porcentuais.

As 32 subprefeituras de São Paulo são instâncias regionais da administração municipal e, por possuírem dotação orçamentária própria, estão habilitadas a receber recursos por meio de emendas. De janeiro de 2021 a abril de 2024, R$ 160,21 milhões foram empenhados aos orçamentos das subprefeituras via indicação de parlamentares.

Vereadores podem destinar até cinco milhões de reais por ano em emendas ao orçamento da cidade de São Paulo Foto: Nilton Fukuda/Estadão

O valor liberado não corresponde necessariamente aos recursos que, de fato, foram utilizados pela subprefeitura. O órgão pode receber verbas para determinado investimento mas não as utilizar de modo integral. De qualquer forma, o valor empenhado fornece estofo no orçamento para que uma subprefeitura realize obras estruturantes ou programas de governo, o que não ocorre de forma equânime em todas as regiões da cidade de São Paulo. A distribuição dos recursos não é igualitária e, na prática, quem tem mais “padrinhos” na Câmara recebe mais verbas.

Líder em emendas ganha até 120 vezes mais

O levantamento do Estadão com dados da Secretaria Municipal da Casa Civil demonstra que, entre 2021 e 2024, a diferença nos valores liberados para cada região chegou a mais de 120 vezes. A subprefeitura que mais recebeu empenhos no período foi a do Ipiranga, com R$ 13,8 milhões. Outras duas regiões também superaram a marca de R$ 13 milhões em emendas orçamentárias: Itaquera, com R$ 13,7 milhões, e Capela do Socorro, com R$ 13,5 milhões.

O valor destinado ao Ipiranga é 124 vezes maior do que o montante destinado à Sé, a subprefeitura que menos recebeu verbas por meio de emendas na atual legislatura, com R$ 110 mil liberados. Desde 2021, além da Sé, outras duas subprefeituras registram empenhos em emendas abaixo de R$ 1 milhão: Cidade Tiradentes, com 835 mil, e Vila Mariana, com 928 mil.

Quanto ao número de emendas liberadas, a Sé também é a última colocada, com apenas duas indicações desde 2021. Neste quesito, a região melhor elencada é a Capela do Socorro, com 75 emendas, seguida por Itaquera, com 45, e Santo Amaro, com 40.

Distorção na extensão do orçamento

Anualmente, o orçamento da cidade de São Paulo destina um determinado valor a cada uma das 32 subprefeituras. De 2021 a 2023, as administrações regionais receberam, somadas, R$ 4,03 bilhões em recursos da Prefeitura. Já as emendas de vereadores neste período somam o montante de R$ 156,16 milhões. Isto quer dizer que, em média, as emendas parlamentares aumentaram em 3,73% o orçamento das subprefeituras paulistanas no período.

Ocorre que, em um comparativo proporcional, a distribuição dos recursos não é equânime. Entre 2021 e 2023, metade das 32 subprefeituras incrementou sua receita abaixo da linha dos 3,73%, o índice médio que, em tese, cada órgão deveria receber. O menor porcentual neste comparativo é justamente da Sé, que estendeu seu orçamento em 0,04%, As administrações de Vila Mariana e Ermelino Matarazzo, por sua vez, aumentaram suas receitas em apenas 0,71%.

Enquanto algumas subprefeituras recebem menos recursos do que poderiam, há regiões que angariam quase três vezes mais do que o índice médio. Entre 2021 e 2023, a subprefeitura que mais expandiu seu orçamento com emendas de vereadores foi a do Ipiranga, com 10,65%, seguida por Capela do Socorro, com 9,49%, e Itaquera, com 9,39%.

Sem normas, emendas são liberadas de modo disforme

Se a distribuição dos recursos é desigual entre as regiões da cidade, também há desproporção entre as verbas destinadas às secretarias municipais. Como mostrou o Estadão, de janeiro a abril deste ano, os vereadores de São Paulo direcionaram R$ 26,7 milhões em emendas para a Secretaria Municipal de Esportes e Lazer, uma quantia 356 vezes maior que o montante liberado para a pasta de Educação.

Tanto no caso das subprefeituras quanto no das secretarias, a diferença nos repasses ocorre porque não há restrição da Prefeitura ou da Câmara para o direcionamento dos recursos, ao contrário das emendas individuais de deputados federais ou estaduais de São Paulo. O legislador federal é livre para indicar o destino da verba, mas precisa, de forma obrigatória, fornecer ao menos 50% do montante para a área de Saúde. O modelo é replicado pelo Governo de São Paulo para as emendas dos deputados estaduais.

Quanto às emendas de vereadores, não há qualquer normativa do gênero. Questionada, a Câmara diz que “cada gabinete define a política pública ou área que deseja destinar recursos, conforme autonomia de cada mandato”. A Prefeitura reitera que as emendas são de “livre iniciativa dos vereadores”. A Secretaria de Casa Civil pode até negar a liberação do valor, mas não tem a prerrogativa de empenhá-los em áreas ou regiões específicas. “Não há direcionamento do Executivo, que apenas encaminha as indicações para análise de viabilidade dos órgãos responsáveis”, diz a Prefeitura, em nota.

Como efeito, cada um dos 55 vereadores estabelece uma doutrina própria para a liberação dos recursos e as estratégias, em muitos casos, destoam completamente entre si. Entre janeiro de 2021 e abril 2024, por exemplo, três vereadores destinaram 100% dos valores empenhados em emendas para as subprefeituras, enquanto outros onze encaminharam a integridade de suas indicações às secretarias municipais.

Políticos de ‘causas’ e de ‘territórios’

A preferência de um vereador quanto ao órgão executor das emendas pode indicar seu perfil de atuação política. É o que explica Mayra Goulart, professora de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

O primeiro fator a se considerar é que as indicações não são impositivas, ou seja, não precisam ser acatadas de modo obrigatório pela Prefeitura. Segundo Mayra, isso as torna “objetos de negociação” entre vereador e Prefeitura, “demandando um movimento mais expressivo de aproximação com o Executivo para que a emenda, de fato, seja liberada”. “As secretarias são parte do Executivo e mostram a aproximação do vereador com este poder”, diz a pesquisadora.

Mas há vereadores que contrariam a tendência, preferindo atuar de modo direto nas regiões da cidade. Nestes casos, o político prefere se engajar mais em prol de uma região do que eleger uma bandeira a empunhar durante o mandato. “É menos alguém associado a uma causa, um político de opinião, e tende a ter uma atuação mais territorial”, diz Mayra Goulart.

Arselino Tatto (PT) é o vereador que mais destinou emendas às subprefeituras na atual legislatura: desde 2021, o petista já encaminhou 66 emendas para as administrações regionais. Entre as indicações, 45 foram destinadas à Capela do Socorro, o que torna Arselino o vereador que mais liberou emendas a uma única subprefeitura.

“É onde eu milito há 50 anos”, diz o vereador sobre as regiões escolhidas para o direcionamento das verbas. “O vereador não é autônomo. No meu caso, me reúno nos bairros, aí o povo fala: ‘Olha, tem que fazer uma emenda aqui’. É assim que é decidido o encaminhamento”, diz Arselino.

O deputado estadual Reis (PT), vereador da capital entre 2021 e 2022, direcionou 100% de suas indicações para subprefeituras, totalizando R$ 2,5 milhões em empenhos, a maior cifra entre os parlamentares que optaram por investir apenas em subprefeituras. Questionado sobre a estratégia, o deputado diz que respondeu a “demandas populares, surgidas a partir de reuniões nos territórios”.

Reis destinou todas as suas emendas aos territórios, mas diversificou os investimentos entre cinco regiões. O vereador Xexéu Tripoli (União Brasil), por outro lado, investiu mais em secretarias do que em subprefeituras, mas, das sete emendas que indicou às regiões paulistanas, todas foram para Pinheiros. A assessoria do vereador, em nota, explica que Xexéu “tem uma íntima relação com a área, sendo um dos seus muitos residentes”.

Fiscalização dos valores

Além da ausência de diretrizes para a destinação dos montantes, a fiscalização da execução dos valores é comprometida por um entrave técnico. Ao analisar a viabilidade de um projeto e autorizar o repasse do valor, a Casa Civil o faz por meio de um processo administrativo, identificado no portal eletrônico da Prefeitura pro meio de um código denominado SEI (Sistema Eletrônico de Informações).

Ocorre que há um número SEI para o processo que libera valor e outro processo, na rubrica de outro SEI, para que o órgão indicado pelo vereador execute a verba liberada, sem que haja qualquer indicação de que um processo está associado ao outro.

O valor liberado não necessariamente é utilizado de forma integral. Além disso, uma emenda indicada para um único “objeto” – uma obra, um programa cultural ou afins – pode ser desmembrada em duas ou mais execuções. Sem que haja uma correlação entre os processos que liberam o valor da emenda e os que de fato a executam, a fiscalização acaba comprometida.

A Prefeitura foi questionada pelo Estadão sobre o entrave para fiscalizar a execução das emendas, mas não respondeu.

Desde 2021, cada vereador da Câmara Municipal de São Paulo dispõe, por ano, de R$ 5 milhões em emendas ao orçamento da cidade. Ao contrário do que ocorre com deputados federais e estaduais, não há diretrizes legais precisas para o direcionamento desse montante, e cada vereador é inteiramente autônomo para direcionar as próprias emendas, estabelecendo sua própria política de destinação dos valores. Como efeito, há regiões da capital paulista que recebem mais de 120 vezes mais recursos em emendas do que outras. O levantamento do Estadão também revela que, de forma proporcional ao orçamento de cada região, a distorção pode chegar a dez pontos porcentuais.

As 32 subprefeituras de São Paulo são instâncias regionais da administração municipal e, por possuírem dotação orçamentária própria, estão habilitadas a receber recursos por meio de emendas. De janeiro de 2021 a abril de 2024, R$ 160,21 milhões foram empenhados aos orçamentos das subprefeituras via indicação de parlamentares.

Vereadores podem destinar até cinco milhões de reais por ano em emendas ao orçamento da cidade de São Paulo Foto: Nilton Fukuda/Estadão

O valor liberado não corresponde necessariamente aos recursos que, de fato, foram utilizados pela subprefeitura. O órgão pode receber verbas para determinado investimento mas não as utilizar de modo integral. De qualquer forma, o valor empenhado fornece estofo no orçamento para que uma subprefeitura realize obras estruturantes ou programas de governo, o que não ocorre de forma equânime em todas as regiões da cidade de São Paulo. A distribuição dos recursos não é igualitária e, na prática, quem tem mais “padrinhos” na Câmara recebe mais verbas.

Líder em emendas ganha até 120 vezes mais

O levantamento do Estadão com dados da Secretaria Municipal da Casa Civil demonstra que, entre 2021 e 2024, a diferença nos valores liberados para cada região chegou a mais de 120 vezes. A subprefeitura que mais recebeu empenhos no período foi a do Ipiranga, com R$ 13,8 milhões. Outras duas regiões também superaram a marca de R$ 13 milhões em emendas orçamentárias: Itaquera, com R$ 13,7 milhões, e Capela do Socorro, com R$ 13,5 milhões.

O valor destinado ao Ipiranga é 124 vezes maior do que o montante destinado à Sé, a subprefeitura que menos recebeu verbas por meio de emendas na atual legislatura, com R$ 110 mil liberados. Desde 2021, além da Sé, outras duas subprefeituras registram empenhos em emendas abaixo de R$ 1 milhão: Cidade Tiradentes, com 835 mil, e Vila Mariana, com 928 mil.

Quanto ao número de emendas liberadas, a Sé também é a última colocada, com apenas duas indicações desde 2021. Neste quesito, a região melhor elencada é a Capela do Socorro, com 75 emendas, seguida por Itaquera, com 45, e Santo Amaro, com 40.

Distorção na extensão do orçamento

Anualmente, o orçamento da cidade de São Paulo destina um determinado valor a cada uma das 32 subprefeituras. De 2021 a 2023, as administrações regionais receberam, somadas, R$ 4,03 bilhões em recursos da Prefeitura. Já as emendas de vereadores neste período somam o montante de R$ 156,16 milhões. Isto quer dizer que, em média, as emendas parlamentares aumentaram em 3,73% o orçamento das subprefeituras paulistanas no período.

Ocorre que, em um comparativo proporcional, a distribuição dos recursos não é equânime. Entre 2021 e 2023, metade das 32 subprefeituras incrementou sua receita abaixo da linha dos 3,73%, o índice médio que, em tese, cada órgão deveria receber. O menor porcentual neste comparativo é justamente da Sé, que estendeu seu orçamento em 0,04%, As administrações de Vila Mariana e Ermelino Matarazzo, por sua vez, aumentaram suas receitas em apenas 0,71%.

Enquanto algumas subprefeituras recebem menos recursos do que poderiam, há regiões que angariam quase três vezes mais do que o índice médio. Entre 2021 e 2023, a subprefeitura que mais expandiu seu orçamento com emendas de vereadores foi a do Ipiranga, com 10,65%, seguida por Capela do Socorro, com 9,49%, e Itaquera, com 9,39%.

Sem normas, emendas são liberadas de modo disforme

Se a distribuição dos recursos é desigual entre as regiões da cidade, também há desproporção entre as verbas destinadas às secretarias municipais. Como mostrou o Estadão, de janeiro a abril deste ano, os vereadores de São Paulo direcionaram R$ 26,7 milhões em emendas para a Secretaria Municipal de Esportes e Lazer, uma quantia 356 vezes maior que o montante liberado para a pasta de Educação.

Tanto no caso das subprefeituras quanto no das secretarias, a diferença nos repasses ocorre porque não há restrição da Prefeitura ou da Câmara para o direcionamento dos recursos, ao contrário das emendas individuais de deputados federais ou estaduais de São Paulo. O legislador federal é livre para indicar o destino da verba, mas precisa, de forma obrigatória, fornecer ao menos 50% do montante para a área de Saúde. O modelo é replicado pelo Governo de São Paulo para as emendas dos deputados estaduais.

Quanto às emendas de vereadores, não há qualquer normativa do gênero. Questionada, a Câmara diz que “cada gabinete define a política pública ou área que deseja destinar recursos, conforme autonomia de cada mandato”. A Prefeitura reitera que as emendas são de “livre iniciativa dos vereadores”. A Secretaria de Casa Civil pode até negar a liberação do valor, mas não tem a prerrogativa de empenhá-los em áreas ou regiões específicas. “Não há direcionamento do Executivo, que apenas encaminha as indicações para análise de viabilidade dos órgãos responsáveis”, diz a Prefeitura, em nota.

Como efeito, cada um dos 55 vereadores estabelece uma doutrina própria para a liberação dos recursos e as estratégias, em muitos casos, destoam completamente entre si. Entre janeiro de 2021 e abril 2024, por exemplo, três vereadores destinaram 100% dos valores empenhados em emendas para as subprefeituras, enquanto outros onze encaminharam a integridade de suas indicações às secretarias municipais.

Políticos de ‘causas’ e de ‘territórios’

A preferência de um vereador quanto ao órgão executor das emendas pode indicar seu perfil de atuação política. É o que explica Mayra Goulart, professora de Ciência Política da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

O primeiro fator a se considerar é que as indicações não são impositivas, ou seja, não precisam ser acatadas de modo obrigatório pela Prefeitura. Segundo Mayra, isso as torna “objetos de negociação” entre vereador e Prefeitura, “demandando um movimento mais expressivo de aproximação com o Executivo para que a emenda, de fato, seja liberada”. “As secretarias são parte do Executivo e mostram a aproximação do vereador com este poder”, diz a pesquisadora.

Mas há vereadores que contrariam a tendência, preferindo atuar de modo direto nas regiões da cidade. Nestes casos, o político prefere se engajar mais em prol de uma região do que eleger uma bandeira a empunhar durante o mandato. “É menos alguém associado a uma causa, um político de opinião, e tende a ter uma atuação mais territorial”, diz Mayra Goulart.

Arselino Tatto (PT) é o vereador que mais destinou emendas às subprefeituras na atual legislatura: desde 2021, o petista já encaminhou 66 emendas para as administrações regionais. Entre as indicações, 45 foram destinadas à Capela do Socorro, o que torna Arselino o vereador que mais liberou emendas a uma única subprefeitura.

“É onde eu milito há 50 anos”, diz o vereador sobre as regiões escolhidas para o direcionamento das verbas. “O vereador não é autônomo. No meu caso, me reúno nos bairros, aí o povo fala: ‘Olha, tem que fazer uma emenda aqui’. É assim que é decidido o encaminhamento”, diz Arselino.

O deputado estadual Reis (PT), vereador da capital entre 2021 e 2022, direcionou 100% de suas indicações para subprefeituras, totalizando R$ 2,5 milhões em empenhos, a maior cifra entre os parlamentares que optaram por investir apenas em subprefeituras. Questionado sobre a estratégia, o deputado diz que respondeu a “demandas populares, surgidas a partir de reuniões nos territórios”.

Reis destinou todas as suas emendas aos territórios, mas diversificou os investimentos entre cinco regiões. O vereador Xexéu Tripoli (União Brasil), por outro lado, investiu mais em secretarias do que em subprefeituras, mas, das sete emendas que indicou às regiões paulistanas, todas foram para Pinheiros. A assessoria do vereador, em nota, explica que Xexéu “tem uma íntima relação com a área, sendo um dos seus muitos residentes”.

Fiscalização dos valores

Além da ausência de diretrizes para a destinação dos montantes, a fiscalização da execução dos valores é comprometida por um entrave técnico. Ao analisar a viabilidade de um projeto e autorizar o repasse do valor, a Casa Civil o faz por meio de um processo administrativo, identificado no portal eletrônico da Prefeitura pro meio de um código denominado SEI (Sistema Eletrônico de Informações).

Ocorre que há um número SEI para o processo que libera valor e outro processo, na rubrica de outro SEI, para que o órgão indicado pelo vereador execute a verba liberada, sem que haja qualquer indicação de que um processo está associado ao outro.

O valor liberado não necessariamente é utilizado de forma integral. Além disso, uma emenda indicada para um único “objeto” – uma obra, um programa cultural ou afins – pode ser desmembrada em duas ou mais execuções. Sem que haja uma correlação entre os processos que liberam o valor da emenda e os que de fato a executam, a fiscalização acaba comprometida.

A Prefeitura foi questionada pelo Estadão sobre o entrave para fiscalizar a execução das emendas, mas não respondeu.

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