Os dois candidatos à Prefeitura de São Paulo que avançaram para o segundo turno das eleições, Ricardo Nunes (MDB) e Guilherme Boulos (PSOL), não estão dispostos a cometer qualquer “deslize” na reta final do pleito. Para isso, os marqueteiros dos dois postulantes passaram a ter um papel ainda mais central nas campanhas nesta segunda etapa, de acordo com integrantes dos dois partidos ouvidos pelo Estadão.
Se o roteiro das campanhas, especialmente dos debates, não era tão bem definido no primeiro turno, agora ele é seguido à risca pelos postulantes. A maior dificuldade para seguir a estratégia combinada para os debates no primeiro turno era a presença de Pablo Marçal (PRTB).
Sem o ex-coach no jogo, se manter “dentro da linha” previamente acordada com o partido ficou mais fácil - principalmente para Nunes, que era o alvo preferido do influenciador. Questionado pelo Estadão, o empresário riu da estratégia de seus antigos adversários apoiada em sua saída da disputa: “kkkkkk”, respondeu.
A vantagem em se manter “roteirizado” é ainda maior para Boulos, de acordo com alguns de seus aliados. O principal motivo para isso é que sua posição na eleição não é tão confortável como a de Nunes, que apresenta ampla vantagem porcentual nas pesquisas de intenção de voto em relação ao oponente. O cenário nos trackings internos do PSOL dá leves sinais de melhora para o apoiado pelo presidente Lula (PT).
A insistência do deputado em pedir para que Nunes abrisse seu sigilo bancário no debate promovido pela TV Bandeirantes, inclusive, também havia sido acordada previamente entre sua equipe, de acordo com um aliado do candidato. No evento, ele deveria insistir na pergunta, em diversos momentos ao longo do encontro, até conseguir uma resposta de seu adversário que o agradasse - o que não aconteceu, na avaliação desse integrante do PSOL.
Aliados de Boulos disseram ao Estadão que o candidato “não pode mais perder 0,1 ponto” nos levantamentos, e preveem que o deputado precisará se defender ainda mais de acusações antigas, como a que o apresenta como “invasor de residências”. Na avaliação do partido, são essas falas que elevam a rejeição do psolista para os eleitores paulistanos - outro obstáculo a ser enfrentado pelo postulante.
Qualquer “fuga do roteiro”, diante desses pontos de atenção, considerados como “fraquezas” por alguns integrantes do partido, pode ser um motivo para perder de vez aquele eleitor que está indeciso, ou que já pode ter tendências a votar no deputado federal.
Já na campanha de Nunes a preocupação “não é tão grande” em relação ao resultado destas eleições, se forem levadas em consideração as últimas pesquisas de intenção de voto, que dão ampla vantagem ao emedebista sobre Boulos. Aliados do prefeito revelaram ao Estadão que sabem, no entanto, que acusações existentes contra o prefeito, mesmo que inverídicas, e o episódio do apagão, por exemplo, podem elevar o desconforto da candidatura de Nunes. Por isso, seguir um “script” previamente organizado pelos estrategistas da campanha também é “vantajoso” para o emedebista a menos de duas semanas do dia da votação.
Na avaliação da professora de ciência política e coordenadora do Laboratório de Eleições, Partidos e Política Comparada (Lappcom), da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Mayra Goulart, a eleição paulistana passou de um cenário de incertezas quanto ao ganhador, visto no primeiro turno, para um momento em que um dos candidatos, o atual prefeito, é o favorito a vencer o pleito. “No caso dele, seria um roteiro para que ele não perdesse votos. Principalmente agora, nesse caso da Enel, precisa roteirizar para que ele tenha uma fala coerente sobre esse tema”, pondera.
“No caso do Boulos, não. Precisa haver uma roteirização mais criativa para que ele não só se volte sobre os votos do Marçal, mas também que ele tire votos do Ricardo. Ele precisa abordar muito as falhas na gestão do Nunes”, diz Mayra. “Ele tem que ser agressivo, mas precisa se esforçar pra que essa agressividade não reverta em aumento da rejeição. A roteirização tem que tentar fazer com que as críticas sejam contundentes, mas que não soem agressivas”, completa a professora.
O estrategista de comunicação Marc Tawil concorda que a roteirização pode ajudar ambos os candidatos a evitar deslizes na reta final de campanha. “Para o eleitor, a roteirização é benéfica, pois devolve um senso de normalidade à disputa, sem a ameaça de cadeiradas, sem bancos pregados no chão, acusações infundadas, apelidos infantis ou agressões físicas nos bastidores”, argumentou.
“A imprevisibilidade de Pablo Marçal, que agradava tanto sua base, acabou incomodando o eleitor paulistano, que se sentiu órfão de propostas de governo consistentes”, completou Tawil.
Roteirização foi clara no primeiro debate do segundo turno
A roteirização foi clara no debate promovido pela TV Bandeirantes na última segunda, 14. Nos intervalos entre os embates e até durante os blocos, enquanto a palavra estava com o adversário, parte da atenção do atual prefeito e do deputado federal se voltava a quem estava atrás das câmeras: sua equipe de assessores e, principalmente, os responsáveis pelo marketing de suas campanhas. Com isso, pediam aos seus candidatos que seguissem abordando os assuntos que já estavam combinados anteriormente.
Durante um dos intervalos, a equipe do MDB fez reclamações com a organização do debate sobre a aproximação de Boulos ao emedebista no palco em diversos momentos do encontro. A alegação usada foi a de que a curta distância entre os dois candidatos no estúdio, que culminou em um abraço dos dois adversários, seria contra as regras impostas pela emissora. No mesmo momento, integrantes da equipe do psolista riram e disseram ao Estadão que o prefeito estava se sentindo “intimidado com a leveza” do deputado federal.
A reportagem questionou integrantes da legenda de Nunes se o prefeito teria se incomodado com a aproximação de Boulos em diversos momentos dos embates. Um possível incômodo foi prontamente negado, mas foi admitida a possibilidade de tirar parte do foco do emedebista em seguir com suas falas.
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Os convidados do emedebista não se restringiram a apenas assistir ao evento, mas também faziam gestos para pedir que o prefeito saísse do púlpito e andasse pelo estúdio, assim como fez seu adversário. O vice do emedebista, coronel Mello Araújo (PL), se reservou o direito de apenas assistir ao debate, sem esboçar reações. Ele chegou no estúdio depois dos outros convidados do partido, e precisou se sentar ao lado de integrantes do PSOL no único lugar disponível no auditório.
Quem mais participou indiretamente do debate, sentada na arquibancada do MDB, foi Regina Carnovale Nunes, primeira-dama da cidade de São Paulo. Ela ria com falas de seu marido e expressava indignação com falas acusatórias de Boulos contra o prefeito no caso da Máfia das Creches e nas inúmeras vezes em que o psolista pediu para Nunes abrir seu sigilo bancário.
Aliados de Boulos confirmaram ao Estadão a existência da estratégia de fazer o psolista insistir nessa questão. Nunes, no entanto, evitou responder os questionamentos do adversário e tocar no assunto já que aquela questão “o pegou de surpresa. Isso não estava no roteiro (risos)”, disse um integrante do União Brasil, partido que apoia o atual prefeito. “Nos próximos, ele saberá se sair bem dessa”, acrescentou. Na avaliação do MDB, o debate ficou no “zero a zero”, o que, para eles, favorece o emedebista - com o argumento de que ele lidera os levantamentos de intenção de voto.
Integrantes do PT, partido da vice do deputado federal, Marta Suplicy (PT), declararam que o candidato saiu poucas vezes do roteiro durante o debate da TV Bandeirantes, mas veem como “positivos” todos os desvios daquilo que já estava combinado.
O deputado federal Rui Falcão (PT), que assistiu ao evento da arquibancada do estúdio, avalia que um dos momentos favoráveis foi quando Boulos pediu que Nunes ficasse “calmo” depois que o prefeito derrubou uma folha de papel, que estava sobre seu púlpito, no chão. Foi uma das únicas ocasiões em que Marta, que estava na plateia, se descontraiu e deu risadas.