Atualizado às 23h42
Caracas - Num clima de tensão provocado pela ação de militantes pró-governo de Nicolás Maduro, e com direito a abordagem de militares com câmeras filmadoras, a comitiva de senadores brasileiros não conseguiu cumprir nesta quinta-feira, 18, agenda de visita a líderes políticos de oposição presos. O grupo, liderado pelos senadores Aécio Neves (PSDB-MG) e Aloysio Nunes Ferreira (PSDB-SP), presidente da Comissão de Relações Exteriores, voltou ao Brasil após cinco horas de espera e duas tentativas frustradas de sair do aeroporto metropolitano em direção ao centro da capital Caracas, a 21 quilômetros dali.
Em nota, o governo brasileiro lamentou os incidentes com os senadores e classificou de “inaceitáveis” os ataques de manifestantes contra os parlamentares brasileiros, destacando que vai solicitar, “pelos canais diplomáticos, os devidos esclarecimentos sobre o ocorrido”.
O grupo de oito parlamentares, todos opositores à presidente Dilma Rousseff, visitaria líderes de oposição a Maduro, inclusive Leopoldo López, em greve de fome há 25 dias, e almoçaria com membros da coalizão opositora Mesa da Unidade Democrática. Havia, ainda, previsão de encontros com parentes de presos políticos e uma visita ao prefeito metropolitano de Caracas, Antonio Ledezma, que cumpre prisão domiciliar. Mas a comitiva teve de voltar antes do previsto ao Brasil.
Os senadores criticaram o embaixador do Brasil no país, Rui Pereira. O diplomata, que recebeu a comitiva no desembarque, deixou o grupo logo em seguida. “É o Congresso Nacional brasileiro que está sendo atingido. Isso não aconteceria, essa exposição dos senadores, e dos riscos que estamos passando, se, de alguma forma, não houvesse conivência do governo (brasileiro). Solicitamos ao embaixador que faça uma reclamação formal pelo que aconteceu. Estamos em uma visita oficial. Não podemos estar expostos desse jeito”, disse Aécio.
Pereira, que voltou ao aeroporto na partida dos senadores, não comentou o caso. O Itamaraty confirmou que o embaixador em Caracas foi orientado a não acompanhar os senadores durante a visita ao presídio. O argumento é que, por ser um representante do governo brasileiro, o embaixador não poderia acompanhar uma programação não oficial, organizada por oposicionistas, porque o ato poderia ser considerado uma ingerência em assuntos da Venezuela. Dilma se reuniu à tarde com o chanceler Mauro Vieira.
‘Fora, fora’. O ambiente hostil aos senadores começou logo no desembarque do avião da Força Aérea Brasileira, quando, segundo os parlamentares, militares venezuelanos que estavam na pista do aeroporto filmaram “de forma ostensiva” a comitiva. Na sequência, ainda na pista, o grupo entrou em um micro-ônibus e teve de pressionar o motorista para furar o esquema de segurança – composto por policiais batedores em motos e carros – que o acompanharia no trajeto, rumo ao encontro das mulheres dos presos políticos e da deputada opositora Maria Corina Machado. As mulheres aguardavam os senadores no saguão do aeroporto.
“Tivemos que furar o cerco dos batedores para podermos encontrar com as esposas”, disse Cassio Cunha Lima (PSDB-PB).
Após o reembarque no veículo, um quilômetro adiante, os brasileiros foram abordados por manifestantes que aproveitaram o engarrafamento para cercar o micro-ônibus. Eles gritavam “Chávez não morreu, se multiplicou” e “Fora! Fora!”. Os batedores não impediram a ação do grupo. Os senadores relataram a agitação dentro do veículo, provocada pelas batidas dos manifestantes na lataria. Também houve gritaria e arremesso de objetos e frutas. As mulheres, segundo o grupo, se atiraram ao chão e pediram para fechar as cortinas do veículo.
“Fomos cercados por manifestantes contratados. Quando tentamos chegar aos locais onde iríamos desenvolver uma ação democrática e humanitária a presos políticos pelo regime ditatorial de Nicolás Maduro, fomos impedidos porque, artificialmente, obstruíram as vias”, disse Agripino Maia (DEM-RN).
As vias de acesso ao aeroporto ficaram congestionadas durante todo o dia. Um dos motivos alegados pelas autoridades locais foi a chegada de Yonny Bolívar, detido na Colômbia e enviado a Caracas sob acusação de homicídio. O engarrafamento também teria ocorrido porque um dos túneis de acesso ao aeroporto foi interditado para ser lavado. Segundo moradores, trata-se de um caso raro. “Logo após o túnel também havia manifestantes gritando ‘não passa, não passa’”, disse ao Estado um dos militares da escolta.
Depois de ficar parado em uma das vias de acesso ao presídio, o ônibus com os brasileiros acabou retornando ao aeroporto. Uma segunda tentativa também acabou frustrada. O embaixador poderá ser convocado para depor no Senado.