BRASÍLIA - A Controladoria Geral da União (CGU) vai retirar o sigilo do processo administrativo instaurado pelo Exército em 2021 e que tinha como alvo o então ministro da Saúde e general Eduardo Pazuello. Durante o governo Bolsonaro, o Comando do Força militar impôs sigilo de 100 anos aos documentos alegando que se tratavam de informações relativas à vida privada do militar. Além do caso envolvendo o general, a CGU também irá analisar outros 233 processos, todos com sigilo imposto na gestão do ex-presidente Jair Bolsonaro.
Ainda na campanha eleitoral, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva prometeu, reiteradas vezes, revelar os segredos da gestão do antecessor e citou o caso de Pazuello. Ao assumir a Presidência, o petista deu 30 dias para a CGU rever os todos processos com sinais de abuso na imposição de sigilo. O resultado do trabalho será anunciado nesta sexta-feira pela Controladoria.
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A apuração de transgressão disciplinar foi aberta pelo Exército após a participação de Pazuello num ato político em maio de 2021, num palanque ao lado de Bolsonaro no Rio de Janeiro. Pelas normas disciplinares da caserna, nenhum militar pode, sem aval superior, participar de eventos de natureza politico-partidária.
Apesar disso, a sindicância acabou sendo arquivada, após pressão de Bolsonaro sobre o Exército. Os fundamentos da não punição de Pazuello são desconhecidos até hoje porque os documentos foram colocados em sigilo. O único documento liberado pelo Exército é um extrato do processo que apenas diz que o caso foi aberto e depois encerrado com absolvição do general.
Para embasar a nova decisão, serão apresentados nesta sexta-feira pela Controladoria 14 enunciados. São textos técnicos formulados pelos auditores da CGU quer servirão, daqui para frente, para analisar todos os pedidos de acesso a documentos formulados por meio da Lei de Acesso à Informação (LAI). Um desses trata de processos disciplinares sobre a conduta de militares de qualquer patente.
Segundo o enunciado da CGU, esses documentos devem ter o mesmo tratamento que é dado às sindicâncias abertas contra servidores civis. De maio de 2012, quando a lei de acesso entrou em vigor, até 2021, era possível consultar qualquer processo disciplinar já concluído. Os documentos só permaneciam em sigilo enquanto a apuração estivesse em andamento.
A partir do caso Pazuello, a CGU no governo Bolsonaro mudou esse entendimento e, para processos militares, deixou de permitir o acesso. Na época, alegou-se que liberar os documentos das sindicâncias poderia abalar a hierarquia militar. Agora, a CGU na gestão petista quer retomar o entendimento original de livre acesso a processos administrativos já concluídos.
A revogação do segredo no caso Pazuello, no entanto, não será automática. Primeiro, a CGU vai julgar os recursos de cidadãos que pediram para ter acesso ao processo disciplinar de Pazuello. Dez pedidos aguardam esse julgamento. Um deles foi feito pelo Estadão em dezembro do ano passado. A partir da decisão da Controladoria, o Exército terá um prazo para liberar o acesso aos documentos. A Força, se quiser, pode ainda pedir à CGU que revise sua decisão, retardando a liberação da informação.
O pedido apresentado pelo jornal no final do ano passado foi negado em primeira instância no Exército. Foi apresentado recurso e a decisão do Comando já foi tomada na gestão de Lula. A Força militar preferiu ignorar a promessa de campanha do petista e manteve os documentos em sigilo. O caso foi levado à Controladoria em grau de recurso. Segundo a Lei de Acesso, a CGU tem poder de revogar decisões de outras Pastas do governo.
Segundo apurou o Estadão, os 14 enunciados que conterão os novos entendimentos da CGU não são de aplicação automática na administração pública. Ou seja, a partir de agora, os ministérios que receberem pedidos poderão até não seguir a nova orientação, mas se negarem pedidos de informação desrespeitando os novos entendimentos saberão que quando o caso chegar à CGU, em grau de recurso, o acesso será concedido e a decisão original do ministério de barrar o acesso, revogada.
General na CPI
O general Pazuello foi nomeado ministro da Saúde no meio da pandemia. Na época, Bolsonaro queria liberar o uso da cloroquina como medicamento para prevenir a contaminação. Os ministros que ocuparam o cargo até então se negaram a fazer isso. Pazuello não se opôs. Ele fez editar documento facilitando o uso do medicamento que não tinha eficácia comprovada. Pazuello também retarnou negociações do governo federal com a gestão do tucano João Doria que se preparava para fabricar a primeira vacina no Brasil.
Numa “live” ao lado de Bolsonaro, Pazuello resumiu sua linha de atuação: “É simples assim: um manda e o outro obedece”. A gestão do general na Saúde e a atuação do governo Bolsonaro no combate ao coronavírus foram alvo de uma CPI do Senado. Pazuello terminou indiciado por crimes cometidos durante a pandemia.
O vai e vem do caso Pazuello
No palanque com o presidente
No dia 23 de maio de 2021, o então ministro da Saúde e general Eduardo Pazuello subiu num palanque com o presidente Jair Bolsonaro. No ato político, o presidente criticou governadores que incentivaram o isolamento social como forma de evitar o alastramento da covid 19. O regimento militar proíbe que militares participem de atos políticos sem autorização do superior. O Exército abriu uma sindicância para apurar o caso. Pazuello se defendeu e foi absolvido.
O sigilo de 100 anos
No dia 7 de julho de 2021, o Exército negou acesso ao processo disciplinar, já arquivado, do caso Pazuello. Alegou que eram informações pessoais protegidas por 100 anos. O caso foi parar na CGU, em grau de recurso, e a Controladoria, ignorando julgamentos anteriores que permitiam o acesso a processos disciplinares já concluídos, aderiu aos argumentos do Exército para considerar que a divulgação dos documentos poderiam abalar a hierarquia das Forças Armadas.
Sigilo reeditado
O Estadão apresentou um novo pedido de acesso ao processo de Pazuello em dezembro de 2022. Mais uma vez o requerimento foi rejeitado. Foi apresentado mais um recurso ao Comando da Força que foi julgado já no governo Lula. A resposta foi assinada pelo coronel Emílio Ribeiro, subchefe do gabinete do Comandante. O oficial se limitou a dizer que ratificava as decisões anteriores do governo Bolsonaro e que elas estavam “em conformidade” com a Lei de Acesso à Informação.
A revogação
A CGU anuncia nesta sexta-feira, 3, a produção de 14 enunciados com entendimento sobre o que deve ou não permanecer em sigilo. Um dos enunciados dirá que sindicâncias militares devem ter mesmo tratamento das civis, ou seja, após a conclusão os documentos são públicos.