Em 2018, dias antes da vitória de Jair Bolsonaro, o rapper Mano Brown foi a um comício do PT para dar uma bronca. O partido estava se afastando dos pobres da periferia.
Cinco anos depois, o recado continua válido. Mas, dessa vez, quem cutucou a ferida não foi Mano Brown. Foi o próprio presidente Lula. Durante a conferência eleitoral do partido para 2024, no último fim de semana, Lula questionou se o PT está falando “o que o pobre quer ouvir”.
Foi um discurso importante para expor as diferenças entre o presidente e o partido antes de um ano que promete maiores desafios.
Lula disse crer que, em 2024, as eleições municipais serão novamente marcadas pela polarização entre ele e Bolsonaro. Ele tem toda razão quanto a isso - ainda há pouco espaço para uma terceira via.
Mas, para Lula, não pode ser qualquer polarização. Em muitos pontos, especialmente na agenda progressista - de identidades e costumes -, Lula quer que o governo e o partido baixem a guarda e evitem o confronto. Para o Palácio, o avanço de temas como a descriminalização do porte de maconha e do aborto, pautados pelo STF em 2023, trouxeram desgaste com a opinião pública, majoritariamente conservadora, desviando o foco das maiores prioridades do governo.
E quais seriam essas prioridades? A economia. Lula provocou o partido a comparar as notícias deste governo com as administrações passadas, focando em cifras sobre crescimento econômico e investimentos, para que evangélicos, ruralistas e a nova classe média possam aos poucos quebrar a forte resistência que formaram contra Lula e seu partido.
Isso só reforça uma tendência clara para 2024: a de que o ministro da Fazenda, Fernando Haddad, estará mais pressionado. Para que o PT possa defender essa agenda com convicção nas eleições municipais e em 2026, o governo terá que continuar mostrando bons resultados na economia. Preocupações com o ritmo de crescimento aumentarão a pressão para que Haddad altere a meta fiscal, e dificultarão qualquer proposta de revisão dos gastos obrigatórios com saúde e educação. Resultados ruins aumentarão a ansiedade - já grande - dos petistas para uma correção de rota.
Se isso ocorrer, Lula dificilmente embarcará em aventuras populistas, mas ficará tentado a abraçar com mais ênfase algumas propostas do partido - como a promoção do conteúdo local na indústria - para cumprir seus objetivos econômicos. Enquanto isso, na agenda de costumes, a iniciativa estará com os bolsonaristas - com o governo, na defensiva, evitando abrir novas frentes de batalha.